terça-feira, 19 de agosto de 2008

O trabalho dos copistas medievais (Prof. José Antônio Brazão.)


Um trabalho intelectual de fundamental importância, ao longo do período medieval, foi aquele realizado pelos copistas. Como o próprio nome diz, foram pessoas que se dedicaram ao trabalho de fazer cópias de textos. Numa época em que não havia ainda a imprensa, seu trabalho foi fundamental para a preservação de idéias e de conhecimentos os mais diversos produzidos no passado e naquele tempo. Destaque particular seja dado ao trabalho de monges, em pequenos e grandes mosteiros das mais diversas ordens católicas, e a copistas de escolas e universidades. No caso destas últimas, muitos professores, a fim de disponibilizar materiais de leitura para seus estudantes, ditavam textos para dois ou mais copistas. Tomás de Aquino pode ser citado como um bom exemplo. Em sua biografia, conta-se que ditava para copistas textos de suas sumas e de outros documentos utilizados no trabalho de ensino, além do trabalho que ele mesmo realizava elaborando, com o próprio punho, manuscritos de aulas e conteúdos filosóficos e teológicos. A língua utilizada era o latim medieval. De fato, durante um bom tempo, o latim foi a língua oficial de textos filosóficos, teológicos, científicos e outros. Uma mudança clara vai ocorrer, particularmente, durante o Renascimento, durante o qual escritores, filósofos e cientistas vão começar, paulatina e progressivamente, a usar o vernáculo.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A IDADE MÉDIA E A FILOSOFIA MEDIEVAL: BREVE INTRODUÇÃO (Prof. José Antônio Brazão.)

A expressão “Idade Média” provém da época do Renascimento (séculos XV-XVII) e tem por referência um tempo que se encontraria entre a antiguidade e os tempos modernos. Vivendo numa época de mudanças, os renascentistas buscaram na antiguidade, particularmente a antiguidade greco-romana, referenciais artísticos e culturais, classificando o tempo intermediário entre eles e a antiguidade como Idade Média.
Desenvolveu-se, a partir daí, a idéia de que a Idade Média foi uma época de trevas e de estagnação culturais, dominada pelo pensamento religioso e teocêntrico, bem como pela superstição. Não se pode negar que, de fato, a “Idade Média” foi um período histórico em que a religião católica exerceu profunda predominância religiosa, cultural e política na Europa. Porém, tratar esse tempo como um tempo de estagnação e de trevas culturais é incorreto, justamente porque muitas realizações, em diversas áreas do conhecimento humano, aí ocorreram, no continente europeu. Por exemplo: o desenvolvimento lento e progressivo das línguas neolatinas, de uma filosofia específica, o contato com a cultura árabe, o nascimento das primeiras universidades, o florescimento de várias cidades na Europa, em razão do paulatino desenvolvimento comercial, construções complexas como castelos e catedrais, a transcrição (cópias) de textos da antiguidade e de pensadores dessa época, uma concepção própria de educação, dentre outros.
No que diz respeito ao nascimento das línguas neolatinas, é preciso levar em conta a decadência do Império Romano. Neolatinas são línguas de países dominados por Roma que incorporaram aos seus respectivos idiomas palavras, expressões e conteúdos da língua latina, falada na antiguidade dentro do Lácio (região da Itália) e depois espalhada pela Itália e por outras regiões do mundo antigo. De fato, juntamente com o domínio político, militar e econômico, o Império Romano impôs sua língua aos povos conquistados, seja ela escrita ou falada. A língua latina foi sendo assimilada e, paulatinamente, transformada pelo modo de falar dos povos dominados, passando, deste modo, a fazer parte da vida destes, de seu cotidiano.
Ao buscar as origens da cultura e do pensar medievais, é preciso recuar até as origens do pensamento cristão, isto é, até os séculos I e II. Ao longo desses séculos, a mensagem cristã inicial, foi-se espalhando cada vez mais pelo Império Romano. Com o crescimento do cristianismo, perseguições, por parte de alguns imperadores, foram inevitáveis, mas não conseguiram conter as novas idéias religiosas. Fruto da pregação de Jesus de Nazaré (Jesus Cristo), o cristianismo logo espalhou-se, através do trabalho de anúncio por parte de apóstolos e discípulos. No século IV, com a conversão do Imperador Constantino, o Grande (tornado imperador entre 306-337), a paz com os cristãos foi decretada através do Edito de Milão (313). Constantino converteu-se e, juntamente com ele, muitos cidadãos do império. Com isto, uma progressiva institucionalização do cristianismo foi tomando corpo, formando assim, no decorrer dos séculos, a estrutura da Igreja Católica Romana, que irá marcar profundamente o mundo religioso, cultural, político, econômico e social da época medieval.
Desde o início do cristianismo, com os primeiros apóstolos e discípulos, o contato entre esta nova religião e o mundo grego foi inevitável. Surgido na Palestina, o cristianismo logo espalhou-se entre os povos de língua grega e outros povos considerados pagãos, por obra, especialmente, de Paulo, que soube assimilar muito bem os fundamentos do pensamento cristão e divulgá-los em outras culturas. Curiosamente, a língua básica do Novo Testamento é o grego. No livro Atos dos Apóstolos, por exemplo, Paulo aparece falando do cristianismo para filósofos e estudiosos que o queriam ouvir, no Areópago, em Atenas. Segundo o texto, boa parte deles desistiram de ouvi-lo no momento em que tocou na questão da ressurreição dos mortos. Eis aí um primeiro “embate”, se se pode dizer assim, entre a visão cristã e a visão filosófica grega.
Nos séculos que se seguiram, o contato entre o cristianismo e a filosofia grega foi ocorrendo cada vez mais. Alguns estudiosos cristãos se dedicaram, inclusive, seja à assimilação e ao aproveitamento da filosofia grega como instrumento auxiliar na defesa do cristianismo e da compreensão ou esclarecimento de conceitos cristãos (por exemplo, Inácio de Antioquia [c.35-107] e Clemente de Alexandria [c.150-215]), seja ao ataque dessa filosofia, vendo nela uma fonte de heresias (por exemplo, Tertuliano[160-220]). Dentre os principais pensadores cristãos dessa época encontra-se Aurélio Agostinho, conhecido como Santo Agostinho (354-430). Esses homens são conhecidos como Padres da Igreja, ou seja, os “Pais” fundadores de uma reflexão teológica e filosófica a respeito da mensagem cristã, formando uma das bases fundamentais da doutrina católica medieval e até posterior. O movimento ficou conhecido como Patrística (de Pater, no latim: padre, pai). Agostinho, por exemplo, sofreu profunda influência do pensamento filosófico platônico, através do neoplatonismo. Tal influência aparece marcadamente em suas obras. No entanto, o fundamento primeiro, para ele, foi a mensagem cristã. Ao falar do mestre (em O Mestre, De Magistro, no lat. ), Santo Agostinho diz que Cristo é o Mestre interior, que ensina a verdade mais pura e que ilumina a alma.
E para bem entender a realidade em que vai-se inserir o mundo cristão medieval, um fato de grande importância foi a formação do sistema feudal. À medida em que o Império Romano, no decurso dos primeiros séculos da era cristã, foi entrando em decadência, uma nova realidade social, política, econômica e cultural foi surgindo. Com a queda do império, a realidade européia era outra. Grandes extensões de terras (feudos), dominadas por senhores, foram se formando e pequenos reinos foram surgindo. Formaram-se três estamentos sociais básicos, assim dispostos: a Igreja, os senhores feudais e os servos(camponeses). A Igreja Católica, de fato, manteve-se firme diante da queda do Império Romano, tendo em vista sua estrutura e sua organização. Ela também, no decorrer dos séculos, foi adquirindo terras, tornando-se uma verdadeira senhora feudal.
Além do domínio de suas terras, os senhores feudais se dedicavam às atividades militares, à caça e outras atividades. Na base, sustentando economicamente a estrutura social e econômica medieval, estavam os servos, camponeses que trabalhavam para os senhores feudais, pagando-lhes impostos (boa parte em espécie), trabalhando em suas terras durante alguns períodos (corvéia) e auxiliando-os em tempos de guerra, além do dízimo pago à Igreja. As relações eram mantidas através da suserania e vassalagem, implicando compromissos comuns entre senhores suseranos e vassalos.
A arte medieval retrata bem essas relações. Com certeza foi uma arte que sofreu traços marcantes da cultura religiosa própria do tempo e da ação da Igreja Católica Romana. A pintura, por exemplo, era, em boa parte, frontal, um tanto rígida, refletindo a rigidez moral e dos costumes da época. Na arquitetura, o românico e o gótico, que aparecem particularmente nas igrejas e outras construções medievais, foram estilos culminantes.
Outro acontecimento fundamental, ocorrido a partir do século VI da era cristã, foi o surgimento da religião islâmica. Com a unificação da Arábia em torno do islamismo, os maometanos partiram para lutas de conquistas de outras terras e regiões, conseguindo inclusive dominar o norte da África, atravessando o Estreito de Gibraltar e dominando boa parte da Península Ibérica (Portugal e Espanha). Ao longo dos séculos seguintes, de fato, além de ir, aos poucos e gradativamente, dominando essas regiões e de conquistar outras, os islamitas foram espalhando sua fé e sua cultura. A arquitetura e a arte maometanas, por exemplo, deixaram marcas profundas na península ibérica, através de construções, mesquitas, pinturas e outras obras. Palavras da língua árabe foram incorporadas ao português, ao espanhol e a outras línguas européias (álcool, elixir, alambique, etc.).
No campo filosófico, os árabes, além de textos de seus filósofos, transmitiram, para a Europa, uma série de textos da filosofia grega, seja em traduções, seja na língua original, resultado do contato comercial e cultural com gregos, alexandrinos e outros. Curiosamente, junto com o comércio e as conquistas, as trocas culturais tornaram-se inevitáveis. Dentre os textos divulgados, os de Aristóteles contribuíram para uma progressiva redescoberta deste dentro da Europa. Nos séculos XI e, especialmente, XII e XIII, nas escolas catedrais e nas primeiras universidades, os textos aristotélicos passaram a ser cada vez mais lidos. Juntamente com Aristóteles, textos de outros filósofos gregos, de Platão e de filósofos árabes, comentaristas e intérpretes dos textos aristotélicos e de outros gregos, além de textos próprios. Esta avalanche de textos e idéias novas logo provocou a intervenção da Igreja Católica, através de decretos, normas, proibições e, em alguns casos, até de perseguições, como no caso da Inquisição. A filosofia que aí se desenvolveu ficou conhecida como filosofia escolástica, isto é, a filosofia que tomou vulto nas escolas e universidades medievais.
Dentre as idéias dos filósofos da Patrística, em especial será, aqui, estudado o pensamento educacional de Aurélio Agostinho e, da Escolástica, o de Tomás de Aquino. Veja-se, abaixo, a citação de seus textos educacionais, junto ao texto que fala de Jesus.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

JESUS EDUCADOR (Prof. José Antônio Brazão.)

Para se poder entender o pensamento filosófico, teológico e educativo medieval é preciso, antes de tudo, ir à fonte primeira onde bebem os pensadores cristãos medievais. Esse manancial encontra-se em Jesus Cristo, retratado nos quatro evangelhos, segundo a maneira como cada evangelista se propôs tratar desse mesmo Jesus.
Jesus foi um pregador. Anunciava o evangelho (palavra grega que significa 'boa nova', 'boa notícia') do Reino de Deus, conforme o expressam os evangelistas. Sua mensagem dirigia-se, particularmente, aos empobrecidos (ver Lucas 4). Jesus é o "messias" esperado pelos judeus (Mateus), é o "Filho de Deus" (Marcos), é aquele que veio resgatar e dar a vida (idéia presente nos quatro evangelhos), Jesus é aquele que perdoa e caminha junto com a comunidade (veja-se, por exemplo, o episódio dos discípulos de Emaús, ao final do Evangelho Segundo Lucas). Jesus é o "Verbo de Deus", é o "pão da vida" e a "luz do mundo" (idéias muito forte no Ev. Seg. João).
Ao mesmo tempo que pregador, Jesus foi EDUCADOR. Queria educar as pessoas que o ouviam para o perdão, a busca do Reino de Deus, a misericórdia, o desapego, a partilha, enfim para o AMOR sem limites. Ensinou com as palavras e com o próprio exemplo, até o final, na cruz e nas aparições finais, até sua ascensão, conforme apresentam as conclusões dos evangelhos e o início dos Atos dos Apóstolos.
Fazendo uso das palavras, Jesus gostava de contar estórias ilustrativas dos conteúdos reais que queria transmitir. Tais estórias são chamadas parábolas. Jesus sabia que a melhor maneira de atingir as pessoas simples e até as poderosas seria partindo de exemplos do dia-a-dia, entremeadas nessas parábolas. Falava de um Deus vivo tomando como ponto de partida a vida das pessoas.
Para falar do perdão de Deus e da necessidade de perdoar, Jesus fez uso da parábola do filho pródigo (em Lucas), o filho esbanjador que, arrependido, foi perdoado pelo pai. Para falar da palavra amorosa de Deus, lançada nos corações das pessoas, Jesus contou a parábola do semeador (por exemplo, em Mateus). Para falar do reino amoroso de Deus e de sua grandeza, comparou-o a uma pérola preciosíssima, pela qual um comprador de pérolas daria tudo. Isto mostra o quanto Jesus era uma excelente observador do cotidiano e das coisas simples da vida, além de excelente contador de estórias.
No mundo atual, Jesus tem muito a ensinar. É preciso redescobrir o contar de estórias e de histórias que falem da vida e dos conteúdos a ela ligados. É preciso ensinar por meio do exemplo de educador. Jesus, de fato, deu muitos exemplos ao longo do tempo em que pisou nos solos da Palestina. Gestos, atitudes e ações reais falam mais que mil palavras. É preciso resgatar a simplicidade no modo de ser, de agir, de tratar as pessoas, sem deixar de ser duro quando realmente é preciso, lembrando que Jesus o fez em vários momentos.
Jesus sabia parar para admirar os lírios dos campos e a ver neles uma beleza superior às vestimentas do próprio rei Salomão (veja-se no Sermão da Montanha, em Mateus). Quantas vezes, hoje, o corre-corre e as preocupações da vida impedem as pessoas de tirarem um certo tempo para contemplar a beleza das flores, dos pássaros e da natureza! A educação precisa resgatar essa "parada contemplativa"! Os exemplos de educadores e educadoras podem ajudar muito. A contemplação da natureza, a exemplo de Jesus, além de ajudar as pessoas a serem mais felizes (Cury, 2003: pp. 35-42), permite-lhes uma maior compreensão de outras pessoas e, conseqüentemente, de si mesmas (filosofia chinesa).
Além do jeito de falar, de se expressar, simples e profundo, as multidões acorriam a Jesus também porque falava com autoridade (vejam-se os evangelhos). Isto é, Jesus falava como conhecedor daquilo que estava falando, como alguém que, ademais, conhecia a vida das pessoas e suas necessidades profundas. Jesus não falava como fariseus e doutores da Lei, que apelavam para a autoridade de Moisés e da Lei mosaica ou de algum profeta. Jesus falava como alguém que tinha domínio do conhecimento da Lei, de outros textos sagrados e do conhecimento da vida, como Mestre. Assim era chamado, "Mestre" (Rabí, de acordo com os textos evangélicos).
Os mestres e as mestras de hoje precisam resgatar o caráter de autoridade em seu trabalho, não como alguém que domina as pessoas, mas como alguém que partilha com elas o conhecimento. Uma das atitudes necessárias a isto é a contínua renovação de seu aprendizado, do aprofundamento permanente de seus conhecimentos, do conhecimento dos livros e da vida, sabendo interpretá-la criticamente e deixá-la percorrer suas palavras. Isto não é fácil, porém é necessário que seja feito.
A realidade concreta em que se vive, no Brasil, é uma realidade de desvalorização do trabalho docente. Salários inadequados, reposições salariais mínimas, sobrecarga constante de trabalhos, pouco investimento na qualidade de vida e na formação profissional docente, por parte das autoridades, indisciplina estudantil, estresse e até mesmo a depressão, dentre outros males, levam professores e professoras freqüentemente a hospitais e clínicas de tratamentos.
Apesar de tudo, veja-se o modelo de Jesus. Ele viveu numa época em que a Palestina era dominada pelo Império Romano, que exercia um poder quase absoluto sobre a vida das pessoas, por reis e cobradores de impostos corruptos a serviço do império, uma realidade de fome e de doenças (vale lembrar aqui que Jesus fez muitos milagres, sinal de que havia muitos doentes). Realmente, apesar de tudo isso, Jesus tornou-se um contemplador da natureza, um mestre do amor verdadeiro, um mestre profundamente preparado, pois aprendeu a fazer a dupla leitura, a leitura da vida e a leitura dos livros - particularmente dos livros sagrados judeus, uma das fontes de aprendizagem nas escolinhas judaicas de seu tempo, e nas sinagogas.
Jesus foi, ao mesmo tempo, "simples como as pombas e sagaz [esperto, inteligente] como as serpentes". Na leitura da vida, também aprendeu a fazer a leitura dos atos, das palavras, dos gestos e até do modo de pensar das pessoas que o rodeavam. Por várias vezes, nos evangelhos, pode-se ver o quanto Jesus conhecia as autoridades que dispunham, em seu tempo, do poder civil e do poder religioso, poder de domínio sobre as pessoas. Tal conhecimento permitiu-lhe fugir, várias vezes, dos ardis, planos maléficos, de fariseus, saduceus e outros que dele não gostavam, pois perturbaba a ordem existente, a qual mantinha privilégios e controle social. Conhecia tão bem esse pessoal e, do mesmo modo, reis e imperadores, pois ouvira falar destes e sentira na pele, como seu povo, o poder exercido por eles, que chamou a atenção de seus discípulos - quando a mãe de dois deles (João e Tiago, irmãos) pediu para que os filhos pudessem sentar-se um à sua direita e outro à sua esquerda quando ele estivesse em seu trono - para que o poder de que dispusessem fosse o poder do serviço aos outros. E Jesus deu exemplo claro disso, lavando os pés de seus discípulos na última ceia.
Nos dias atuais, seguindo o conselho de Jesus de ser "simples como as pombras e sagazes como as serpentes", faz-se necessário, a professores e professoras, o conhecimento crítico e sagaz do mundo ao seu redor, das tramas do poder e de como elas emperram a vida de populações inteiras, incidindo diretamente sobre o trabalho educativo.
Jesus Educador era sensível às necessidades das pessoas. Em certa ocasião, vendo a multidão que queria ouvi-lo, sentiu compaixão, pois aquelas pessoas não tinham o que comer e Jesus temia que desfalecessem ao longo do caminho, na volta para suas casas. No entanto, só fez o milagre da multiplicação de pães e peixes depois que houve partilha, isto é, a colocação, em comum, de alguns pães e alguns peixinhos, da parte de seus discípulos. Com a partilha, o pouco se tornou muito, através da bênção de Jesus. No mundo atual, a fome é algo muito presente e incide, inclusive, sobre o trabalho escolar. Grandes parcelas da população mundial passam fome. Por falta de alimentos? Não, pois há muita produção de alimentos no mundo todo, basta olhar estatísticas (milhões e milhões de toneladas de alimentos produzidas anualmente) e observar o potencial e os recursos naturais e agrícolas mundiais. A fome é fruto de relações de poder e do jogo de interesses políticos e econômicos. A educação precisa estar atenta a questões desse tipo, tendo diante das vistas valores humanísticos fundamentais ao bem viver e às lutas em defesa do bem comum, a exemplo do Mestre.
Jesus é Mestre. Conhecer seu modo de ser, de viver, de interpretar a vida e a realidade do mundo, seu modo de agir, de perceber o mundo e de se expressar, com certeza, pode ajudar, imensamente, no trabalho educativo.
Na Idade Média, Aurélio Agostinho e Tomás de Aquino escreveram dois livros educacionais com o mesmo nome: "O Mestre" ou "Sobre o Mestre" (Em latim, "De Magistro"). Além de empregarem argumentos filosóficos na interpretação do ato de educar-aprender, tiveram diante de si a figura constante de Jesus, como se pode ver claramente nesses textos.

Fontes:
AGOSTINHO, Santo. O Mestre. Trad. de M. l'abbé Raulx. In: http://www.abbaye-saint-benoit.ch/saints/augustin/maitre/index.htm#_top
AQUINO, Santo Tomás de. Sobre o Mestre. Trad. de Maurílio J. O. Camello. In: http://www.lo.unisal.br/nova/graduacao/filosofia/murilo/Tom%E1s%20de%20Aquino.doc
CURY, Augusto. Coleção "Análise da Inteligência de Cristo" (5 volumes). Editora Sextante.
PAULUS. Bíblia de Jerusalém. Editora Paulus.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia (vol. 1). São Paulo, Paulinas, 1990.


ERRATA:
No texto abaixo, de 09/06/08:
1) No título, onde está escrito "Técnicas...aplicadas no ensino...", escreva-se "Técnicas...aplicadas ao ensino...".
2) Na linha 18, onde está escrito "educadores-educando", escreva-se "educadores-educandos".
3) Na linha 40, "técnia" --> "técnica".
4) Na linha 51, "pde" --> "pode".

segunda-feira, 9 de junho de 2008

TÉCNICAS DIDÁTICAS QUE PODEM SE APLICADAS NO ENSINO DE FILOSOFIA E OUTROS CONTEÚDOS (Prof. José Antônio Brazão)

Além de conteúdos filosóficos propriamente ditos, orientações para o trabalho de professores e professoras. Nesse sentido, algumas técnicas que podem ser úteis ao ensino, a seguir.
FORMAÇÃO DE CÍRCULO OU SEMI-CÍRCULO COM A TURMA: Colocar as carteiras e cadeiras dos alunos em círculo ou semi-círculo. Isto permite que cada aluno visualize seu colega, além do professor. Pode ajudar também em debates e levantamento de questões. Paulo Freire fazia uso da técnica do círculo nos "círculos de cultura", indicando com isto a igualdade entre os membros no processo de ensino-aprendizagem, em que todos aprendem com todos. De fato, como o próprio Paulo Freire diz: "Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho. Nós nos educamos em comunhão." (Trecho de Pedagogia do Oprimido). Educandos e educadores aprendem juntos, sendo, na verdade, educandos-educadores e educadores-educando. Atualmente, Augusto Cury, em seu livro Pais Brilhantes, Professores Fascinantes, defende também o uso dessa técnica. Além da visualização, ela permite uma concentração maior e uma melhor participação do corpo estudantil, durante as atividades desenvolvidas no ambiente escolar.
TÉCNICA DO DEBATE DE IDÉIAS: Na antigüidade grega, Sócrates (filósofo ateniense do séc. V a.C.) já fazia uso de uma técnica de discussão de idéias, através da ironia e da maiêutica. Essa técnica se dá por meio de perguntas e discussões a respeito do conteúdo em debate, em estudo. O professor pode e deve ser um 'perguntador'. Perguntar a respeito do por quê, do como, das razões, dos fundamentos de algo aprendido ou em aprendizagem, do para quê, etc. Questões desses tipos podem ajudar no despertar da curiosidade dos alunos e possibilitar a abertura das turmas para um debate intenso dos conteúdos aprendidos. Proposta que aparece também em Paulo Freire (Por uma Pedagogia da Pergunta) e em Cury (Pais Brilhantes, Professores fascinantes). Além de perguntas diretas, podem ser repassados aos alunos textos e outros materiais sobre cujo conteúdo se pode debater (um filme, por exemplo). Na sala de aula, sempre fazer perguntas e discuti-las com os alunos, antes de dar respostas mais precisas.
PAINEL INTEGRADO: Um conjunto de texto escritos em folhas de papel, presas a um quadro de madeira ou a um suporte qualquer e que podem ser passadas, uma após outra, permitindo uma exposição visual do conteúdo, por meio de palavras escritas e de gravuras, além do oral, resultante da fala do professor, da professora. Junte a esta técnica as duas anteriores.
TEATRO: O teatro é uma antiga técnia de apresentação de estórias e histórias, po meio do drama, da comédia, da tragédia e de diversos tipos de peças teatrais. Ao longo da história, as apresentações teatrais enterneceram, alegraram e cativaram pessoas do mundo inteiro. Na Grécia antiga e em Roma havia teatros ao ar livre (alguns dos quais ainda existem), onde eram apresentadas peças, em geral com o uso de máscaras. Na China também se sabe de apresentações artísticas desde tempos antigos. Hoje, o teatro encontra-se praticamente no mundo inteiro. Utilizado na escola ou na universidade, pode ser de grande valia no aprendizado estudantil, pois, além de apresentações propriamente ditas, envolve pesquisa, estudo, aprendizado. Podem ser apresentadas peças teatrais prontas, já existentes, de teatrólogos famosos, ou pde ser dado o trabalho de elaboração e montagem de uma (ou mais de uma) peça teatral por um grupo de alunos ou uma turma. Por exemplo, na Filosofia: uma pequena peça teatral sobre a vida de Sócrates, Thomas Hobbes ou qualquer outro pensador em estudo. Demanda pesquisa, estudo, dedicação na elaboração, na montagem, nos ensaios e na apresentação da peça. As turmas só terão a ganhar. Professor(a), proponha uma peça teatral aos alunos como um desafio! Quando fui estudante do segundo grau, um amigo (Júlio César Silva) elaborou uma peça teatral a respeito da reforma agrária, a turma topou a idéia, contando com o apoio do professor de Geografia, e levou adiante a montagem e a apresentação. Foram vários ensaios até chegarmos à apresentação final. E o quanto aprendemos! Lembro-me até da música instrumental de que se fez uso na introdução e na finalização da apresentação, a música "Naja". A apresentação de minha turma foi simples, não tendo sido necessários muitos recursos. Contamos com a boa vontade e o empenho de todos. Isto pode ser feito em Filosofia ou em qualquer disciplina. Os estudantes gostam! Na Língua Inglesa, por exemplo, as peças de Shakespeare e de outros teatrólogos dessa língua. Lembro-me também de uma professora de Língua Inglesa, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araguari, que coordenou um grupo de alunos na apresentação de uma peça de Shakespeare, "Mandrágora". Aprenderam muito e quem presenciou também. Na área de Língua Portuguesa, uma peça que fale da vida de Camões, Cora Coralina, Fernando Pessoa ou qualquer escritor de nossa amada língua. Trabalho para alunos, aprendizado de todos!

ARISTÓTELES DE ESTAGIRA (Séc. IV a.C.) (Prof. José Antônio Brazão.)

De acordo com Aristóteles, quatro são as causas fundamentais do movimento: a causa material, a causa formal, a causa motriz e a causa final. A causa material seria a matéria de que é composto um ser; a causa formal, a forma ou idéia que permitirá a "modelagem" do ser, permitindo estabelecer e definir esse ser; a causa motriz é aquela que, como o próprio nome diz, põe em movimento, ou melhor, age, atua, no sentido de dar forma ao material; enfim, a causa final seria o fim (o objetivo, a finalidade) para o qual o ser sofreu o movimento. Por exemplo:
a) Uma estátua: a causa material seria o pedaço de rocha a partir do qual será feita; a causa formal seria a idéia de estátua contida na mente do artesão, a forma que ele aplicará no pedaço de rocha; a causa motriz seriam as ações ou o trabalho do artesão, moldando e transformando a pedra em estátua; a causa final poderia ser servir de objeto de adoração pelas pessoas (no caso da estátua de um deus ou deusa) ou em honra a um herói ou grande personagem da vida política e social.
b) No caso de uma árvore: a causa material seria a matéria que um dia se tornou semente e que foi por esta assimilada ao ser lançada no solo, à medida em que foi crescendo; a causa formal seria a forma de árvore contida naturalmente dentro da semente e que, com a ajuda das condições favoráreis, vai tomando forma ao longo do crescimento; a causa motriz seriam as condições do solo, de chuva, sol e outras necessárias a qualquer planta; a causa final seria a finalidade para a qual a árvore veio a se desenvolver, como fornecer frutos para alimentação de outros seres vivos, reprodução, sombra, madeira, etc. Curiosamente, o que distinguirá um carvalho de um cipreste será a forma contida implicita e naturalmente dentro da respectiva semente.
Além do movimento, a física aristotélica lida também com a questão dos lugares em que se situam os seres. No alto, embaixo, no mundo sublunar, no mundo supralunar. O lugar de um ser vai de acordo com a composição que faz parte dele. Aristóteles retoma as idéias de Empédocles quanto às quatro raízes: terra, água, ar e fogo. Nesta seqüência, do mais pesado ao mais leve, daquele que está mais embaixo ao que ocupa lugar mais alto, cada qual ocupando seu lugar natural. Por exemplo: a pedra retorna ao chão porque aí se encontra seu lugar natural, pois é pesada e o lugar natural dos corpos pesados é embaixo; o fogo se movimenta para cima porque é leve e, portanto, seu lugar natural é, justamente, o lugar de cima.
Para Aristóteles o cosmos compõe-se de duas partes básicas: o mundo sublunar, formado pelos quatro elementos, e o mundo supralunar, composto pelo éter, um elemento invisível e sutil. O mundo sublunar, como o próprio nome dia, é aquele que se encontra abaixo da Lua. Corresponde à Terra. O mundo supralunar, aquele que se encontra a partir e acima da Lua. Corresponde aos astros: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e a esfera das estrelas fixas. O mundo sublunar está em constante devir, transformação. O mundo supralunar, por sua vez, em razão da sutileza do elemento que o compõe (o éter), não está sujeito ao processo de devir do mundo sublunar. As órbitas dos astros seriam circulares. Com efeito, o círculo é uma figura matemática que tem seu começo e seu fim em si mesmo, isto é, no ponto em que se inicia aí também termina o círculo. Os pitagóricos, bem antes de Aristóteles, já haviam percebido essa característica do círculo e davam a este um significado até mesmo místico. A circularidade dá uma idéia de perfeição, que, aqui, corresponderia ao movimento orbital em torno da Terra, que ocuparia o centro do universo e que estaria aí imóvel.
Como explicar o movimento dos astros? Aristóteles fala então de Deus, que está para além das fronteiras do cosmos e que põem em movimento os astros, a partir das estrelas fixas. O movimento destas, por sua vez, se comunicaria, através do éter que ocupa o espaço sideral, ao planeta Saturno, e assim por diante, reduzindo-se cada vez mais a intensidade do movimento, até chegar à Terra, parada no centro do universo.
No século II da era cristã, um astrônomo e matemático de Alexandria, Cláudio Ptolomeu, aperfeiçoou o sistema geocêntrico, acrescentou epiciclos (círculos menores dentro dos círculos orbitais maiores) e sistematizou-o em um livro chamado Almagesto.
A teoria geocêntrica permaneceu como base da compreensão astronômica do universo até o século XVI da era cristã, a partir do qual foi sendo paulatinamente derrubada pelas idéias heliocêntricas de Nicolau Copérnico, Galileu Galilei e outros que aperfeiçoaram a compreensão do movimento dos astros e do universo.
As idéias físicas de Aristóteles foram também postas em questão por Galileu Galilei, como se verá ao tratar do Renascimento artístico, científico e cultural moderno.
(Texto do Prof. José Antônio Brazão.)

sexta-feira, 6 de junho de 2008

ARISTÓTELES DE ESTAGIRA (séc.IV a.C.) (Prof. José Antônio Brazão.)

Filósofo nascido na Macedônia, filho de Nicômaco, médico do rei macedônico. Um dos maiores filósofos da antigüidade. Em sua juventude foi discípulo de Platão, em Atenas, na Academia. Em razão de seu interesse pelos estudos e pela leitura assídua, Platão apelidou-o "O Leitor". Após a morte de seu mestre, Aristóteles tentou ocupar a vaga de diretor da Academia, porém perdeu-a para Espeusipo, sobrinho de Platão. Viajou por vários lugares. Casou-se, enviuvou e tornou-se a casar-se tempos depois. Foi tutor de Alexandre Magno, filho do rei Filipe, na Macedônia. De retorno a Atenas, fundou uma escola filosófica à qual deu o nome de Liceu, em honra ao deus Apolo Lício. Apolo é o deus do Sol, da luz. Os discípulos de Aristóteles eram conhecidos como peripatéticos, isto é, "passeadores", em razão de terem aulas passeando pelos jardins do Liceu. Boa parte de sua vida Aristóteles passou-a em Atenas, dedicando-se ao ensino. Quando Alexandre morreu e os gregos começaram a se rebelar contra o domínio macedônico, Aristóteles fugiu para a ilha de Cálcis, onde havia terras por ele herdadas, evitando que fosse julgado e preso, como o fôra antes dele Sócrates. Tempos depois, veio a falecer ali. Algumas obras de Aristóteles: Política, Metafísica, Física, Órganon, dentre outras, tratando de assuntos os mais diversos. Aristóteles opõe-se à teoria das Idéias, de Platão, não acreditando na existência de formas eternas pré-existentes em um mundo hiperfísico (Mundo das Idéias ou Inteligível). Para ele, as idéias são formadas a partir da ligação estabelecida na mente entre as informações fornecidas pelos cinco sentidos. Nada há na mente que antes não tenha passado pelos sentidos. Aprender, portanto, não é lembrar. Aprender demanda percepção do mundo e apreensão de conteúdos através dos sentidos, particularmente o da visão e da audição. O aprendizado, para Aristóteles, deve ser algo sistemático, ordenado, supõe memorização e compreensão, não uma reminiscência de algo que a alma já tenha contemplado em outro mundo.
No âmbito da física, Aristóteles interessou-se pela compreensão do movimento. De acordo com ele, o movimento seria a passagem da potência ao ato, isto é, da possibilidade de vir a ser para a realização em ato do ser. Por exemplo: uma semente seria uma árvore em potência, pois carrega consigo a possibilidade de vir a ser uma árvore, necessitando, para tanto, de solo adequado e de água. A árvore seria, por sua vez, a realização da potência existente na semente.
(Texto do Professor José Antônio Brazão.)

sexta-feira, 30 de maio de 2008

O aprendizado como reminiscência (lembrança) em Platão (Prof. José Antônio Brazão.)

De acordo com Platão, o aprendizado é um processo de paulatina elevação da alma até o hipersensível, ao mundo das Idéias, mediante um processo de contemplação e de recordação (reminiscência). A função do mestre seria, justamente, a de auxiliar o aprendiz a fazer essa elevação, ajudando a extrair de dentro dele lembranças do que um dia sua alma contemplou no mundo inteligível(das Idéias). As Idéias seriam formas perfeitas das coisas existentes. Na origem do mundo, do cosmos, havia um ser divino, o Demiurgo, que contemplou as Idéias (Formas) e moldou a matéria-prima caótica, dando-lhe formas as mais variadas, conformes àquelas que contemplava. Portanto, o mundo sensível (material), além de mutável, é uma cópia imperfeita daquilo que existe na eternidade. As almas já habitaram o mundo inteligível e, fazendo parte de seus respectivos corpos, estão agora a eles presas. O corpo é uma prisão da alma. Vivendo no mundo sensível, as pessoas precisam elevar-se ao inteligível, desprendendo-se gradativamente do sensível, a fim de suas almas poderem voltar a contemplar o que existe no inteligível e, futuramente, voltar a ele, libertas de um processo de reencarnações. Aqui pode-se ver uma clara influência do pensamento místico pitagórico. O aprendizado teria, pois, também uma função de auxílio na libertação da alma, superando o mundo sombrio e ilusório da matéria, como a saída do prisioneiro da caverna. Curiosamente, nos textos de Platão, Sócrates aparece como aquele que, através de um processo dialógico, leva seu interlocutor a extrair de si verdades que ninguém aí havia posto, mas que já existiam dentro dele.
Qual a atualidade de Platão? Com certeza, é preciso hoje uma educação que contribua para a percepção clara das ilusões da realidade a que se está sujeito no mundo atual. O diálogo, à maneira socrática, pode ajudar decisivamente. Educadores e educandos precisam realizar o processo de saída da caverna das ilusões, buscando a verdade (em grego, alethéia) que vai-se desvelando e aparecendo aos poucos, com toda a sua clareza. A percepção das ilusões e da irracionalidade é o primeiro passo para um movimento de libertação e de crescimento humano, social, intelectual, político, enfim em todos os níveis. Como foi dito, o diálogo pode auxiliar decisivamente nesse processo.
Sócrates e Platão nos ensinam, ademais, a arte da pergunta, do questionamento, da não aceitação de simples respostas. Perguntar, questionar verdades estabelecidas, duvidar, buscar respostas mais profundas, que façam educadores e educandos a elevar seu pensamento e sua compreensão da realidade, dispondo de melhores condições até mesmo de interagir dentro dela, dando um contributo coletivo para sua transformação.