terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

DEMÓCRITO, O VAZIO, O TURBILHÃO E OS ÁTOMOS: (Prof. José Antônio Brazão.)


DEMÓCRITO, O VAZIO, O TURBILHÃO E OS ÁTOMOS: (Prof. José A. Brazão.)
Este texto é complemento de um ou dois textos que o antecedeu(ram) sobre Demócrito, neste site. Tem por fim tecer algumas considerações sobre o vazio e a ação dos átomos no universo (cosmos).
De acordo com as ideias de Demócrito, bem como de seu mestre Leucipo, tudo é formado por átomos e vazio. Eis o que é dito no fragmento 168: “(Os discípulos de Demócrito chamavam os átomos de:) natureza. (No vazio são) projetados em todas as direções.” (IN: BORNHEIM, Gerd. Os Filósofos Pré-Socráticos, p.114. Ver citação no referencial.) (grifos meus). Átomos, como o próprio nome, no grego, diz, são partículas indivisíveis (Idem. Doxografia, frag. 4, p. 125) de matéria. São as partezinhas constituintes de toda a matéria que existe. São em grande número. E o vazio? No fragmento 10 da Doxografia (conjunto de citações e opiniões de outros filósofos e escritores sobre ele, da antiguidade), de acordo com Demócrito e seus discípulos, “o movimento se dá graças ao vazio”. Sem vazio, sem movimento. Se tudo fosse cheio, não haveria espaço para o movimento.
Já havendo comentado sobre o vazio e os átomos anteriormente, como disse, agora sobre o vazio cósmico. De onde poderia Demócrito ter tido a ideia do vazio no cosmos, convivendo com átomos e corpos por eles formados? Nas colônias gregas da Ásia Menor e próximas dali, como é o caso de Abdera (daí Demócrito de Abdera), os céus estampavam os astros – que Demócrito também cria serem formados de incontáveis átomos. Durante o dia, o Sol majestoso, com sua intensa luminosidade e seu calor. À noite, as estrelas, os planetas e outros astros. Se uma pessoa olhar diretamente para o Sol, durante o dia, verá uma esfera de calor e luz fortes, não havendo nada que atrapalhe a visão dele, exceto alguma nuvem, de vez em quando. Mas sem nuvens a visão é clara. O que pode indicar isto? Que há espaço vazio, muito espaço vazio, entre a Terra e o Sol. Curiosamente, dia após dia, a forma do Sol não muda, nada havendo que interfira em sua visão direta.
Se se observar os céus à noite, em noites de céu claro, ver-se-á, dia após dia, as constelações de estrelas sempre na mesma posição, ainda que se movimentando em conjunto em sua esfera, a Lua, os planetas e outros astros em movimento, girando ao redor da Terra, conforme a crença no geocentrismo. Como na visão do Sol, entre a Terra e os astros celestiais noturnos o que há? Espaço. Espaço VAZIO. O fragmento 16 da Doxografia fornece boas pistas e expõe com clareza: “Demócrito tinha a opinião de que os átomos se movem eternamente em um espaço vazio. Há inumeráveis mundos, que se distinguem pelo seu tamanho. (Hippol. I. 13, 2).” (Ibid., p.126). Como durante o dia, o que poderia atrapalhar a visão direta dos astros celestiais noturnos seriam nuvens, em noites de grande nebulosidade ou chuvas.
Uma parede de tijolos ou um muro de pedras não permitem ver além deles por quê? Porque são reuniões de inúmeros átomos tão agregados que a luz e as imagens não podem passar por eles. E os átomos do ar? Sendo gasoso, o ar tem átomos soltos, espalhados, de tal modo que é possível ver para além do espaço vazio que há entre eles. Quando há fumaça de madeira queimando, esta, como também é gasosa, toma espaços vazios entre os átomos que compõem o ar.
Há dois princípios universais, de acordo com Demócrito: o cheio e o vazio. No fragmento doxográfico 2 aparece o seguinte: “Os princípios são o cheio e o vazio. (Aet. I, 3, 16”). Não existe só o cheio, senão não haveria movimento, nem geração de algo novo. Nem só o vazio, pois não haveria possibilidade sequer de se tratar de Demócrito e Leucipo. Ligando o vazio e o cheio, os átomos, as menores partículas da matéria.
E como Leucipo e Demócrito chegaram à conclusão de que há partículas indivisíveis (átomos)? Observando os fenômenos naturais e fazendo, muito certamente, diferentes experimentos simples, usando, além dos sentidos, a imaginação e a razão. Por exemplo: o tijolo ou uma pedra pode ser esmigalhado(a) em pedaços minúsculos; uma fruta pode ser cortada, com uma faca afiada, até o limite do possível. Para além do limite dos pedacinhos possíveis, cortáveis com a faca ou esmigalháveis, atuam a imaginação e a razão (o intelecto). O corpo de um ser vivo, quando morto, se desfaz, chegando até o pó. Ainda que não fosse da cultura grega, mas da hebraica, a Bíblia diz: “Tu és pó e ao pó voltarás” (Gênesis cap. 3), referindo-se ao corpo humano. Pó é algo muito fino, formado de partículas minúsculas. Um pedaço de madeira, queimado ao fogo, libera gases, calor, luz e vira cinzas (pó, partículas minúsculas).
E a espada e outros instrumentos de metal? Enferrujando-se, após um bom tempo, acabam virando pó (pó de ferrugem). Metais, aliás, podem e costumam ser derretidos e sua composição separada, se se quiser, em pedaços pequeninos (bolinhas de metal, por exemplo). Pedaços de metais, por sua vez, podem ser fundidos pelo calor e vir a formar espadas e ferramentas. Pedaços, partes grandes (torrões) e pequenas de matéria-prima metálica.
Outro ponto interessante dos átomos: reunidos, podem ser moldados, combinados e recombinados, obtendo formas diferentes a cada vez, como se vê no caso dos metais. São reutilizáveis pela natureza ou, como diz o fragmento 168, citado, constituem a própria natureza das coisas, dos seres. O fragmento doxográfico 12 aponta: “Demócrito e Leucipo, tendo estabelecido as formas, derivam destas a mudança e a geração; pela reunião e separação, o nascimento e a destruição; pela ordenação e pela posição, a mudança.” (Arist., De gen. corr. 1, 2, 316) (Ibid., p.126). Tudo, no universo, no cosmos, na natureza, de fato, tem formas: os corpos têm uma simetria, as pedras têm arredondamentos, achatamentos, pontas, os astros são redondos (ex.: Sol, Lua, planetas), etc. A mudança e a geração acompanham as formas. Átomos são reunidos e separados. A árvore que um dia nasceu da sementinha, composta por átomos, um dia pode ser destruída pelo fogo ou pela morte e o apodrecimento consequente. Seus átomos, por sua vez, podem ser recombinados em outra ordem ou servir de alimentos a seres que vão crescer e se desenvolver acompanhando uma forma natural, com cada parte em uma dada posição. Enfim, tudo muda.
De onde veio essa ideia da mudança? De Heráclito de Éfeso, outro pré-socrático fundamental. Ele diz que a mudança (o devir ou vir-a-ser) é inerente a todas as coisas, como um rio que flui e no qual não se pode banhar duas vezes nas mesmas águas. Tudo encontra-se em contínuo movimento. Daí se poder entender o que é dito nos fragmentos doxográficos 5 e 6: “(5)Demócrito afirmava como única espécie de movimento o impulso. (Aet. I, 23, 3).” E o (6) acrescenta: “Por necessidade entende Demócrito o choque, o movimento e o impulso da matéria. (Aet. I, 26, 2).”. E de onde vêm o impulso (5), o choque, o movimento e o impulso da matéria? Ocorrem por necessidade. Como assim? São naturais, são inerentes ao mundo natural e cósmico, necessariamente. Ademais, vale lembrar o que diz Demócrito sobre o turbilhão (o redemoinho) no fragmento 167: “Um turbilhão de todos os tipos de formas separou-se do Todo.” Que Todo é este? Uma pista pode ser buscada em Hesíodo.
A Teogonia, livro do poeta Hesíodo, já dizia que tudo veio do Caos e deste foi-se separando. O Caos, pelo que se pode refletir a partir do texto, era a mistura indistinta de tudo (um todo misturado). Do Caos nasceu o Cosmos, o universo ordenado e harmônico (cosmos, no grego, é ordem). Isto mostra que a filosofia, em seu nascimento, ainda guardou algo da reflexão dos mitos, porém indo além destes, buscando uma explicação natural (os átomos de Leucipo e Demócrito são totalmente naturais) para os fenômenos do universo (cosmos) e da Terra que dele faz parte, fundados em causas naturais (fragmento doxográfico 9 de Demócrito, citado à p. 125 de Bornheim).
O Todo (como o Caos de Hesíodo) precisou de espaço para separar-se em partes que viriam a compor o cosmos. Um espaço cheio? Não. Pois não haveria espaço onde dispor os astros e os seres. Então, só poderia ser um espaço VAZIO! O que ajudou nessa separação? O turbilhão.
Demócrito fala de um turbilhão, isto é, de um redemoinho. Redemoinhos de vento, em dias de calor e poeira, são comuns. Em rios e até no mar, há redemoinhos e trombas d’água. Coisas que eram vistas (observáveis) e sabidas naquele tempo. Os astros giram, harmonicamente, ao redor da Terra (geocentrismo antigo). Se se pensar bem, pode-se comparar ao turbilhão que gira. Os planetas giram uniformente, sem nada que os impeça de se mover, no vazio. Outro fragmento dá igualmente pista, o fragmento doxográfico 21: “(...) E de todas as formas, as esféricas são as mais movediças, constituindo estas tanto o fogo como o espírito. (Arist. De Anima, I, 2, 405a)”. Ora, observando a Lua e os planetas, são redondos, esféricos! A redondeza também ajuda no movimento. Quando diz “E de todas as formas...” (grifo meu), pode-se perceber que, além das esféricas mencionadas, os átomos têm diferentes formas e grandezas (fragmento doxográfico 1).
Enfim, Demócrito – como seu mestre Leucipo – foi um grande observador da natureza e, com certeza, um experimentador prático, na vivência do dia a dia, vendo como objetos materiais podem ser separados em pedaços minúsculos, como sofrem geração e destruição, decomposição, queima, transformações dos mais diferentes tipos, e não se tornam um caos, apesar da destruição! Sinal de que a natureza reordena e reposiciona, reaproveitando, todos os átomos, formando novos seres, obedecendo a formas e dando-as aos seres.
As formas estão também nos átomos. Estes são duros (indivisíveis), são muitos, em número e grandeza (tamanhos), conforme o fragmento doxográfico 1, e como se unem? Por ganchos ou encaixes ou engates, objetos e partes de peças visíveis e comuns no tempo de Demócrito e Leucipo, donde ambos devem ter tirado a imagem da presença deles nos átomos. Em O Mundo de Sofia, Jostein Gaarder compara os átomos às peças do brinquedo de Lego, que se encaixam formando objetos dos mais variados tipos e podendo ser desmontadas e encaixadas de formas diferentes, formando outros objetos e seres.
No que tange às formas, o fragmento 3 de Pitágoras (página 50 do livro de Bornheim), outro filósofo Pré-Socrático, aponta que os números estão presentes no universo (cosmos), gerando toda a harmonia e a beleza que o compõem. Universo matemático. A matemática envolve, junto com os números, formas geométricas, embora, no caso da Terra, não extremamente rigorosas como na geometria plana, por conta da matéria e das mudanças. Para se ver que Demócrito e Leucipo não foram os primeiros ou únicos a ver formas no universo e como estas interferem em sua composição e constituição. Mas, para além dos números e nas formas geométricas de Pitágoras, fundados na observação e na decomposição e composição dos seres, constituindo-os, Leucipo e Demócrito conseguiram enxergar, observando os fenômenos cotidianos, com a prática, a imaginação e a razão, os átomos e os seres de diferentes formas que são capazes de constituir e reconstituir, compor, decompor e compor novos, obedecendo as formas (ver fragmento 167, citado acima). Curiosamente, muitos séculos antes dos cientistas contemporâneos chegarem à comprovação da existência do mundo atômico, dos elementos químicos e da tabela periódica. Impressionante! Sinal do poder da razão e da capacidade humana de observar o mundo, imaginar e atravessar as barreiras do espaço e da matéria mensuráveis.
Ainda quanto às formas, dois outros fragmentos doxográficos podem ser citados:
“12 – Demócrito e Leucipo, tendo estabelecido as formas, derivam destas a mudança e a geração; pela união e pela separação, o nascimento e a destruição; pela ordenação e pela posição, a mudança. (Arist., De Gen.corr. 1, 2, 316).” (Id. Ibid., p. 126)
“13 – E como todos os corpos diferem pelas formas, e são infinitas as formas, dizem que também os corpos simples são infinitos. (Arist., De Coelo, III, 4, 303).” (Id. Ibid., p. 126)
Tomando o fragmento 12 primeiramente, a fim de o entender: “12 – Demócrito e Leucipo, tendo estabelecido as formas, derivam destas a mudança e a geração; pela união e pela separação, o nascimento e a destruição; pela ordenação e pela posição, a mudança. (Arist., De Gen.corr. 1, 2, 316).” (Id. Ibid., p. 126) Das formas, ver acima o que já foi comentado. Como elas provocam a mudança e a geração? Seguindo formas naturais, átomos de formas diferentes se unem e separam, num movimento (mudança) constante, como Heráclito acreditava. Como têm formas diferentes, ao se separarem (seres sofrem destruição), encaixam-se com outros, formando outros seres (geração/nascimento), depois outros e assim por diante, ordenando-se e posicionando-se, mudando formas de seres compostos.
Há padrões? Sim, formas naturais. Ora, o universo não é mais um turbilhão caótico, tornou-se um cosmos ordenado, harmônico, ainda que nele haja mudança, geração, nascimento e destruição contínuas. Átomos encaixam-se de formas definidas, formando uma multiplicidade de seres, diferindo-se em formas, que são infinitas (fragmento doxográfico 13), como infinitos são os átomos (“corpos simples”, frag.dox. 13), formando “mundos ilimitados, engendrados e perecíveis” (fragmento dox. 1). No fragmento 2 de Leucipo há um ponto interessante, que ajuda a entender: “Nada deriva do acaso, mas tudo tem uma razão e sob a necessidade” (BORNHEIM, 2000, p. 103). O cosmos tem uma racionalidade (razão) que lhe é inerente e necessária. Olhando-se diretamente para a natureza e os céus é possível ver ordem, apesar das mudanças e transformações que ocorrem no mundo natural.
De onde pode Demócrito ter tirado a ideia de que existem ilimitados mundos? Da infinitude dos “corpos simples” (átomos) (frag.dox. 13). E a partir de que pode também ter extraído o pensamento de que existem outros mundos, além do mundo geocêntrico em que se acreditava na época? Olhando para os céus, à noite, a visão de estrelas dá a ver claramente que são luminosas. Mas igualmente que estão muito distantes. Se se olhar para um farol bem distante, numa noite clara, ele aparece apenas como um ponto luminoso. Aproximando-se mais e mais dele, vê-se que é grande, mais do que mostra a aparência inicial. Então, fazendo um paralelo, as estrelas, distantes, devem ser grandes e, sendo luminosas, podem ser vistas ao longe. Faróis eram comuns naquele tempo. Cidades iluminadas à noite, vistas numa planície ou num monte, de longe também parecem pequenas, tornando-se maiores à medida que se chega a elas. Naquele tempo, cinco séculos antes de Cristo, o Mediterrâneo, mares e terras adjacentes eram povoados por muitas cidades.
Tirou também de seu mestre Leucipo de Abdera. Vejamos o fragmento doxográfico 1. Diógenes Laertius diz:
1 – “Leucipo foi discípulo de Zenão. Pensava que todas as coisas são ilimitadas, e que se transformam umas nas outras; o todo seria vazio e ocupado por corpos; os mundos se formariam quando estes corpos entrassem no vazio, misturando-se uns aos outros; do seu movimento e de sua aglomeração nasceria a natureza dos astros; o Sol se moveria em um círculo maior em volta da Lua; a Terra teria sido levada ao centro por um movimento de rotação, sendo semelhante a um tambor. Foi o primeiro a afirmar os átomos como princípio de todas as coisas. (...) o universo é ilimitado, com uma parte cheia e outra vazia, que chama de elementos. Os mundos que criam são ilimitados e se desfazem nesses elementos. Os mundos se formam da seguinte maneira: muitos átomos de formas variadas reúnem-se no imenso vazio após a separação do ilimitado; uma vez unidos, formam um único turbilhão, e, ferindo-se e rolando em todos os sentidos, separam-se, unindo-se os semelhantes com os semelhantes. (...) (Diog. Laet. IX, 30 ss.)” (BORNHEIM, 2000, p. 104).
Além do mais, sendo tudo feito de átomos e vazio, para além da imensidão dos espaços vazios outros mundos são possíveis, por conta do turbilhão que espalhou átomos por todos os lados (fragmentos filosóficos 167 e 168 de Demócrito), na origem do universo, os quais foram se agregando e tomando formas – a prova disto é que o cosmos é ordem. Havendo outros mundos é preciso que haja sóis que os iluminem. Que sóis? As estrelas. O que elas têm em comum com o Sol? São astros, mas muito distantes. Têm luz. Devem ser tão grandes quanto o Sol, ainda que distantes. Se há outros seres inteligentes nesses mundos, os fragmentos existentes de Leucipo e Demócrito não permitem diretamente inferir.
Impressionante ver que Leucipo e Demócrito enxergaram, junto com os átomos, o vazio (por exemplo, nos fragmentos doxográficos 1, 2)! A física atual (séculos XX e XXI) já sabe que os átomos são divisíveis, sendo compostos de partículas ainda menores e que há entre os elétrons e o núcleo um vazio imenso! Imensas partes do universo, sabe-se hoje, são vazias. Curiosamente, os planetas, luas e outros astros, formados em bilhões de galáxias, são frutos de choques aleatórios, mas seguindo um padrão definido pelas leis da natureza, dentre elas, como Newton descobriu e Einstein revisou, a da gravidade. As subpartículas, na origem do Big Bang, se chocavam no vazio, foram-se agregando, formando átomos de Hidrogênio e Hélio, dando origem a estrelas, galáxias, nebulosas e mundos menores ao redor de estrelas. As nebulosas são verdadeiros turbilhões de matérias, mães de estrelas, de planetas e outros astros. Assim aconteceu com o sistema solar. É claro, vale lembrar que o mundo de Leucipo e Demócrito era geocêntrico, mas de uma grandeza maior do que se pensava então, constituído de “ilimitados mundos” (fragmento doxográfico 1 de Leucipo, e fragmento doxográfico 1 de Demócrito). Perecíveis (fragmento doxográfico 1 de Demócrito)! O universo do Big Bang, como se sabe hoje, é igualmente perecível, com átomos e subpartículas, matéria (grande parte) e anti-matéria. Ou como diz Einstein: energia e matéria (E = m.c2[ao quadrado]).
Onde Demócrito e Pitágoras, com visões diferentes, viam formas a comandar a estruturação do cosmos e da natureza, impedindo-o de ser permanente caos, hoje a ciência vê leis naturais, tanto as fundamentais, como a gravidade, quanto outras leis.
Leucipo e Demócrito nem sequer chegaram a imaginar um Big Bang, mas a ideia do turbilhão, em que o vazio e o cheio interagem, é muito interessante. Não foram visionários do futuro, apenas homens curiosos, desejosos de saber para além do que até então era ensinado pelos mitos e pelas religiões. Usando a visão, outros sentidos, a imaginação e a razão (o logos, no grego), foram capazes de irem além, de enxergar imaginariamente ÁTOMOS em todos os seres e em ilimitados mundos, em meio ao vazio. Os átomos existem de fato, ainda que, sabe-se hoje, divisíveis por fissão nuclear. Um universo em que as formas encontram-se presentes claramente. Como sugestão, veja-se um desenho simples, Donald no País da Matemágica, que menciona Pitágoras, Galileu Galilei e as formas matemáticas, presentes desde as espirais de galáxias até nas simples flores, bem como no restante do mundo natural. Além do desenho, quem se interessar, em inglês há The Great Math Mystery NOVA, além de muitos livros de filosofia, astronomia, astrofísica, etc., incluindo livros didáticos escolares.
Demócrito influenciou profundamente um filósofo helenístico posterior, Epicuro de Samos, citado no fragmento doxográfico 3 de Demócrito (BORNHEIM, op. cit., p.124), que aprendeu com seguidores do atomismo de Leucipo e Demócrito. Dante, na Divina Comédia, no mundo medieval, cita Demócrito entre outros pensadores de outros tempos. Veja-se:
“Honrarias todos vão lhe oferecer;
Sócrates vejo entre eles e Platão,
mais próximos que os outros, a o entreter.

Demócrito que o acaso faz razão
do mundo, e Annaxágoras e Tales,
Empédocles, Heráclito e Zenão;

Dioscórides que às plantas deu avales,
e Túlio, Lino, Diógenes e Orfeu;
Sêneca, que indagou do mundo os males;

o geômetra Euclides, Ptolomeu,
Hipócrates, Avicena e Galeno,
e Averróis que o Comentário nos deu.”

(Trecho da primeira parte de A Divina Comédia, intitulada Inferno, Canto IV, versos 133 a 144. Ver citação completa no Referencial Bibliográfico.)

Outro pensador fundamental dentre os pré-socráticos, que também acreditava em partículas minúsculas, as HOMEOMERIAS, foi Anaxágoras de Clazômenas. Mas este fica para outro texto.
REFERENCIAL BÁSICO:
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. (La Divina Commedia) Trad. Ítalo Eugenio Mauro. Rio de Janeiro, Editora 34 Ltda., 2009. (FNDE – MEC, PNBE, ano 2011)
BORNHEIM, Gerd (organizador). Os Filósofos Pré-Socráticos. pdf. São Paulo, Cultrix, 1998 – 2000. Disponível em: < https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxpZnJqZmlsb3NvZmlhfGd4OjU0MzgwMzA2MDY0NWQ4ZDk > Acesso em 22 de fevereiro de 2020.
EPICURO. Pensamentos. Trad. Johannes Mewaldt e outros. São Paulo, Martin Claret, 2006.
HESÍODO. Teogonia – A Origem dos Deuses. Trad. Jaa Torrano. São Paulo, Iluminuras, s/ data. (Biblioteca Pólen, s/ número.) Disponível em: < https://www.assisprofessor.com.br/documentos/livros/hesiodo_teogonia.pdf > Acesso em 22 de fevereiro de 2020.

SUGESTÃO DE VÍDEOS:
COSMOS, Episódio 7: A Espinha Dorsal da Noite. De Carl Sagan. Disponível no Youtube. Trata os filósofos pré-socráticos gregos. (Em português e em inglês.)
DONALD NO PAÍS DA MATEMÁGICA – Disponível no Youtube. Trata da matemática presente na natureza, como Pitágoras a via, nos jogos, nas máquinas, em tudo no universo. Aí as formas geométricas! (Em português, inglês e até em espanhol.)
BBC/NOVA. THE GREAT MATH MYSTERY. Disponível no Youtube em: < https://www.youtube.com/watch?v=mpcpzXuzdQk > Acesso em 25 de fevereiro de 2020. Similarmente ao desenho de Donald, trata da matemática presente em tudo. (Em inglês.)

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

QUARTA QUESTÃO COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018. (Professor José Antônio Brazão.)


QUARTA QUESTÃO COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018 (Prof. José Antônio Brazão.)
Questão 67 do caderno branco do ENEM 2018 FILOSOFIA:
A quem não basta pouco, nada basta. (Epicuro. Os pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1985.)
Remanescente do período helenístico, a máxima apresentada valoriza a seguinte virtude:
(A)  Esperança, tida como confiança no porvir.
(B)  Justiça, interpretada como retidão de caráter.
(C)  Temperança, marcada pelo domínio da vontade.
(D)  Coragem, definida como fortitude na dificuldade.
(E)   Prudência, caracterizada pelo correto uso da razão.
RESPOSTA: (C) Temperança, marcada pelo domínio da vontade.
(ENEM 2018. Questão 67 do caderno branco [Questão de Filosofia]. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/provas-e-gabaritos . Acesso em 05 de fevereiro de 2020.)
COMENTÁRIO:
A resposta é a letra C, por quê? Porque a vontade é que domina os desejos. O desejo que querer ter mais que guarda o perigo de se querer mais e mais, numa ambição sem fim. Daí, nada, de fato, basta a quem acredita que o pouco não basta, isto é, a quem o pouco não é suficiente.
Epicuro viveu entre 341 e 270 antes de Cristo, de acordo com a Wikipédia. Ou seja, entre os séculos IV e III a.C. No período da filosofia grega conhecido como período helenístico. Este foi um período em que o Império Macedônico estendeu seu domínio por vastas regiões do mundo antigo, incluindo a Grécia. Por influência dos macedônicos, principalmente de Alexandre Magno e seus generais, a cultura helênica (grega) estendeu-se por aquelas regiões. Epicuro foi um filósofo helenístico!
De acordo com o Dicio – Dicionário Online de Português:
 helênico
Significado de Helênico
substantivo feminino
Pessoa que nasceu na Grécia antiga (Hélade).
[Linguística] Tronco linguístico do qual se originou o grego moderno e o coiné.
adjetivo
Relativo à Grécia antiga, ao seu povo, aos seus costumes.
Etimologia (origem da palavra helênico). Do grego hellenikós.
Sinônimos de Helênico
Helênico é sinônimo de: grego, heleno” (IN: https://www.dicio.com.br/helenico/ )
A cultura grega, de fato, neste tempo, já havia alcançado grande desenvolvimento, o que pode ser visto na arquitetura e na engenharia extraordinárias, com precisão matemática, na própria matemática (vale citar Tales de Mileto, Pitágoras, Platão e seus sólidos, entre outros), na arte, na religião, na astronomia, na filosofia (pré-socráticos, por volta dos séculos VII e VI a.C., sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles, do período chamado clássico, além dos helenísticos posteriores). A própria língua grega. A admiração dos macedônicos foi enorme. Diferentes correntes filosóficas surgiram no período helenístico (que vai, por volta, do século IV a.C. ao V ou VI d.C., aproximadamente), podendo ser citadas: o epicurismo, o estoicismo, o cinismo, o neoplatonismo, além de outras.
O epicurismo, como o nome aponta, foi fundado por Epicuro de Samos, o da questão acima. Ensinava a busca do prazer, de forma equilibrada, ao longo da vida. Para os epicuristas tudo é feito de átomos e tudo se desfaz, voltando os átomos a constituírem novos seres. O estoicismo, de Zenão de Cítio (Citium), propunha o controle dos desejos e das paixões. O cinismo, fundado por Antístenes de Atenas (444 – 365 a.C.) e que teve Diógenes de Sínope (413 – 323 a.C.) como grande representante, desprezava riquezas e o apego a coisas efêmeras. Diógenes levou a ideia tão a sério que viveu em um barril, em Atenas.
Os epicuristas não eram radicais. Pelo contrário, propunham a busca do prazer, pois para eles não existia vida além desta vida humana. Mas o prazer precisa ser equilibrado, caso contrário, em vez de bem, pode fazer mal. “A quem não basta pouco, nada basta.”, conforme Epicuro. Pois uma pessoa que não aprende a contentar-se com o pouco, pode perder o controle sobre seus desejos, entrar numa ambição desenfreada e maléfica para ela própria e para outras pessoas. A vontade deve controlar o desejo, a busca de prazer, não perdendo esta, mas educando-a, a fim de que o prazer, sendo buscado quotidianamente, seja tão equilibrado que seja continuamente benéfico, reduzindo os sofrimentos e as dores quase a nada.
A temperança é uma grande virtude. É aquela que ensina à vontade o controle sobre os desejos, não permitindo nem a falta nem o excesso. Nem ser anoréxico, nem ser guloso, mas alimentar-se prazerosamente de modo equilibrado, beneficiando e mantendo a saúde e a vitalidade do corpo. Nem a falta de bens ou de dinheiro nem a ambição desenfreada que é capaz de levar alguém até a pisar sobre os outros para conseguir o que quer e que quer cada vez mais. O prazer do ter é resultante do desejo e da busca temperante dos bens. Aí a resposta “(C) Temperança, marcada pelo domínio da vontade.” ser a correta. Nesse sentido, a afirmação de Epicuro adequa-se ao que propõe sua filosofia.
Uma curiosidade: Paulo apóstolo, o cristão, discutiu com filósofos estoicos e epicureus (epicuristas) no Areópago, em Atenas, de acordo com o capítulo 17 (dezessete) do livro bíblico Atos dos Apóstolos, do Novo Testamento. O fato de terem saído da discussão, no momento em que Paulo, em sua fala, apresentou a ressurreição, é porque não criam na imortalidade da alma. Tudo é feito de átomos (teoria aprendida com seguidores de Leucipo e Demócrito) e tudo se desfaz.
Outra curiosidade: um rico seguidor de Epicuro e do epicurismo, chamado Diógenes de Enoanda, do século II da era cristã, amava tanto essa filosofia e queria tanto que outras pessoas a aprendessem a ponto de mandar inscrever em muros de Enoanda, “na Lícia (atual sudoeste da Turquia )” (Wikipédia), as doutrinas epicuristas! Muitas dessas inscrições ainda existem por lá, umas inteiras, outras em parte.