sexta-feira, 24 de abril de 2009

A PATRÍSTICA. Prof. José Antônio Brazão.

Nos primeiros séculos da era cristã, o contato com o pensamento e a filosofia gregos ocorreu frequentemente. Só para se ter uma idéia, o Novo Testamento, isto é, o conjunto dos livros sagrados relativos ao cristianismo contidos na Bíblia, foi escrito em grego, língua utilizada na comunicação em várias partes do Império Romano, naquela época.
Nos Atos dos Apóstolos (quinto livro do Novo Testamento), Paulo apóstolo teve contato com filósofos no Areópago, durante uma passagem dele pela cidade de Atenas, na Grécia. Interessados no conhecimento da doutrina que Paulo professava, aqueles homens deram-lhe a palavra. Paulo iniciou comentando a respeito da religiosidade do povo grego, que tinha altares para as mais diversas divindades, inclusive para o Deus desconhecido. Falou-lhes, então, a respeito desse Deus e de Jesus Cristo, porém, ao tocar na ressurreição deste, vários dos presentes foram saindo.
Paulo dedicou-se à pregação aos gentios, isto é, aos povos que não eram judeus, boa parte dos quais falavam grego ou se comunicavam através dessa língua. Também escreveu cartas, várias hoje contidas no Novo Testamento, escritas em grego.
À medida em que o tempo foi passando, ainda no primeiro século da era cristã, houve a necessidade passar por escrito informações a respeito da figura de Jesus Cristo. Surgiram, então, os evangelhos, os quais foram escritos em grego (talvez o de Mateus tenha sido escrito em aramaico, porém logo traduzido para o grego). Curiosamente, no Evangelho Segundo João, Jesus aparece como o VERBO de Deus que se fez carne e habitou entre os seres humanos. A palavra “verbo”, aqui utilizada, vem do latim, porém, na língua original do texto, ou seja, a língua grega, é LOGOS, palavra esta que tem alguns significados: palavra, discurso, razão. Jesus é, pois, a Palavra (a Razão, o Discurso) de Deus feito carne.
A palavra “logos” aparece na filosofia, designando, basicamente, a razão ou o pensamento racional. A razão é uma capacidade inerente ao homem e que lhe permite investigar e conhecer a natureza, seja a do mundo, seja a da realidade humana. Inclusive, a passagem do pensamento mítico ao pensamento filosófico é também chamada passagem do mito ao logos, aqui designando o pensamento racional próprio da filosofia. É claro que tal passagem foi paulatina e progressiva. Em razão de tratar-se, aqui, do pensamento medieval, voltar-se-á a ele.
A partir do século II da era cristã, particularmente, cristãos que tinham uma certa formação intelectual realizaram um esforço de compreensão do mistério contido na mensagem cristã, fazendo, para tanto, uso do instrumental oferecido pela filosofia grega. Esses cristãos são chamados “Padres da Igreja”. Patrística é o nome utilizado para designar esse grupo de cristãos, boa parte dos quais, mais que filósofos, foram teólogos, no sentido de estudiosos e intérpretes do pensamento cristão.
A partir daí, se pergunta: pode-se falar de uma “filosofia cristã”? Se se entender por “filosofia cristã” um estudo puramente racional do pensamento cristão, então não se pode fazer uso dessa expressão, pois a finalidade era, em grande parte, teológica. Contudo, se se entender como uma reflexão que busca apoio e instrumental de compreensão no pensar filosófico grego para o entendimento da fé cristã e como um pensar reflexivo, profundo e muito rigoroso sobre os alicerces da fé cristã, aí sim.
Dentre os pensadores da Patrística, destacam-se: Irineu (140? – 202 d.C.), Clemente de Alexandria (150 – 215? d.C.), Tertuliano (160 – 220 d.C.), Jerônimo (345 – 419 d.C.), dentre outros. Mas o mais destacado foi, sem dúvida, Aurélio Agostinho (354 – 430 d.C.). Antes de se tornar cristão, Agostinho foi professor de retórica, leu, dentre outros, Cícero (filósofo romano, 106–43 a.C.), que despertou-lhe um interesse vivo pela filosofia, e conheceu algumas correntes filosóficas, como o ceticismo, o maniqueísmo e o neoplatonismo. Esse contato com a filosofia é bem retratado em sua obra mais conhecida, as Confissões, na qual fala de sua vida passada e de seu processo de conversão ao cristianismo.
Agostinho fez um esforço de aliar à fé cristã o pensamento filosófico platônico e neoplatônico. Do platonismo e do neoplatonismo, por exemplo, Agostinho sofreu influência sobre a teoria da iluminação da alma. De acordo com ele, a alma recebe de Deus a iluminação necessária à busca da verdade, sendo ensinada pelo Mestre Interior – Jesus Cristo ou a própria Santíssima Trindade. Os homens fazem uso das palavras e dos sinais na transmissão de ideias, mas quem ensina verdadeiramente é o Mestre Interior.
Outra influência pensamento platônico aparece em “A Cidade de Deus”, na qual fala de duas cidades: a Cidade de Deus e a cidade dos homens. Na primeira, o empenho individual e coletivo de seus habitantes em viver, de forma íntegra, a fé cristã, na outra, o pecado adentra e se faz presente nos corações dos homens que ali vivem, preocupados com seus próprios interesses, de forma egoísta, que se deixam levar por seus impulsos carnais. A Cidade de Deus é, portanto, uma cidade ideal. Vale lembrar que, em “A República”, Platão fala de uma cidade-Estado ideal, na qual cada um faria sua parte em busca do bem coletivo – os filósofos governando descente e sabiamente, os guardiões protegendo devidamente e os demais membros trabalhando pelo desenvolvimento e o bem estar da cidade. Além do pensamento platônico, a influência do pensamento neotestamentário da nova Jerusalém, salva e edificada por Deus (Apocalipse cap. 21 e 22). Agostinho era eminentemente cristão!
Um outro filósofo dessa época foi Boécio (Anício Mânlio Torquato Severino Boécio), “filósofo, estadista e teólogo romano” (Wikipédia; também na Encarta). Foi tradutor e comentarista de textos filosóficos, por exemplo, de Porfírio e de Aristóteles. De acordo com a Wikipédia: “Enquanto aguardava sob prisão a execução, escreveu De Consolatione Philosophiae (Do Consolo pela Filosofia), obra que versa, entre outros temas, o conceito de eternidade e na qual tenta demonstrar que a procura da sabedoria e do amor de Deus é a verdadeira fonte da felicidade humana. Membro de uma família ligada ao então nascente cristianismo, é considerado pela Igreja Católica Romana, pelo seu contributo para a teologia cristã e pelos serviços que prestou aos cristãos, um mártir e um dos Padres da Igreja.” (www.wikipedia.org/wiki/Bo%C3%A9cio). Sua influência reaparece, por exemplo, na discussão medieval a respeito dos medievais, que será apresentada em outro texto.
FONTES:
AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo, Victor Civita, s/d. (Os Pensadores)
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo, Paulinas, 1990. (Vol. 1)
www.wikipedia.org/wiki/Bo%C3%A9cio