domingo, 20 de julho de 2014

DEUSES E SUPER-HERÓIS (Prof. José Antônio Brazão.)


Desde tempos muito antigos, os seres humanos sempre demonstraram grande temor e fascinação diante do incompreensível e das tremendas forças da natureza, até mesmo dos animais.

Diante do incompreensível, usando a capacidade de observação e sua imaginação fértil, as pessoas passaram a crer na existência de seres invisíveis, inteligentes e extremamente poderosos atuando sobrenaturalmente no mundo, na realidade natural e até mesmo interferindo na vida delas (as Parcas, da mitologia grega, por exemplo, teciam e cortavam o fio da vida das pessoas).

Surgiram, então, deuses e deusas, heróis, semideuses e semideusas, com uma enorme gama de mitos que foram criados em torno deles. Cultos, lugares sagrados, templos, sacerdotes e sacerdotisas também. 

De acordo com os antigos mitos, deuses e deusas controlam a natureza e as forças que nela atuam, pondo em ordem o movimento de todo o universo (cosmos, segundo os gregos).

Com seu martelo, Thor, o deus viking, ajunta as nuvens e libera a força dos raios, das chuvas e das tempestades, trazendo água à terra, inclusive a cultivada, beneficiando, deste modo, a humanidade, protegida pelos deuses e deusas. Por sua ação, Diana, a deusa greco-romana, abençoa os caçadores com boa caça. Com sua carruagem, Hélios (Apolo), deus greco-romano, põe, diariamente, o Sol em movimento.

Na natureza, portanto, atuam forças sobrenaturais descomunais. E nas histórias de super-heróis de cinema, da TV e dos quadrinhos? Super Man (Super-Homem) tem poderes imensos: consegue voar por conta própria, é mais veloz que um foguete, tem força capaz de deslocar a Terra e voltar o tempo para salvar sua amada Louise Laine, tem visão de raios-x, libera raios laser pelos olhos quando necessário, etc., tudo em prol da humanidade, sua protegida.

Como se pode ver, os super-heróis e as super-heroínas, como os antigos deuses e deusas das mitologias, têm superpoderes, muito além do homem comum.

Que mais têm os deuses e super-heróis em comum? São muitíssimo poderosos, capazes de sobrepujar as forças naturais e sobrenaturais, bem como os inimigos que os ameacem ou que ameaçam a humanidade, são reverenciados pelas pessoas (em todos os cantos do mundo, praticamente, encontram-se templos e\ou mitos), têm qualidades incomuns e superiores que os tornam excepcionais, sobrevivem ao tempo. No caso dos deuses e das deusas, a imortalidade e a eternidade; no caso dos super-heróis, uma vida longa e a permanência na mente e nos relatos das pessoas; há, inclusive, heróis imortais, como o mutante humano Wolverine (herói de histórias de quadrinhos e do cinema).

Os deuses, as deusas, semideuses e semideusas das antigas mitologias eram cultuados em templos e altares, nas casas, em bosques e outros lugares determinados, considerados sagrados, nas cidades e no campo. Eram lembrados através de poemas e histórias, por meio da oralidade e, tempos depois, por escrito. Suas estátuas e objetos a eles relacionados rendiam bom dinheiro aos comerciantes das cidades.

Os super-heróis e heroínas do mundo de hoje, por sua vez, são criados e divulgados através do cinema, da televisão, das histórias em quadrinhos, dentre outros meios de comunicação social.  Histórias são criadas e recriadas em torno deles e delas e rendem bilhões de dólares anuais às indústrias cinematográfica, de brinquedos, de reproduções em áudio-visuais para as casas, motivos de festas infantis, além de enorme número de produtos que usam suas imagens e marcas.

Nos cinemas, ademais, as mitologias grega, nórdica, até mesmo a sino-japonesa e outras aparecem com certa frequência. A indústria cultural, de que falam os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer, em seus escritos, continuará a permanecer muito viva, forte e atuante. A ela agregam-se o comércio dos filmes, de roupas, marcas e, como foi dito, uma grande quantidade de produtos ligados à imagem dos super-heróis. Agrega-se ainda uma boa dose de ideologia: o antigo Super Man (Super Homem) usava roupas e capa com traços de cores da bandeira norte-americana. O atual e o antigo, sempre se colocaram a serviço dos EUA, lembrando a todos os que veem seus super-heróis e super-heroínas, claramente, o poder e a força militar, aliada à econômica e política deste país, com sua forte influência no mundo.

Com certeza, os seres divinos das antigas mitologias e os super-heróis são frutos seja de temores humanos (o poder inexplicável dos raios e dos estragos que fazem, juntamente com as chuvas, deu origem a Thor e a Zeus), seja dos desejos de superação dos limites impostos pelos mundos natural e humano, seja de superação da morte (imortalidade, vida longa), dentre outros anseios e necessidades, que foram transformados pela imaginação em seres superpoderosos, capazes de combater e vencer monstros, inimigos, seres perigosos e terríveis que põem em risco as ordens cósmica e sócio-político-econômica, seu status quo. Seres fantásticos, nascidos na história e em seus contextos de tempo e espaço.

Mas há algo mais: há deuses e deusas das antigas mitologias que tem a visão do passado, do presente e do futuro, juntamente com imensa sabedoria e conhecimento do mundo e da realidade humana. Tudo veem, tudo sabem, são omniscientes! E os super-heróis e heroínas?

O que o Hulk, o Homem Aranha e o Homem de Ferro têm em comum? Bruce Banner (Hulk) é biólogo e cientista. Peter Parker (Homem Aranha) é o melhor aluno da escola de ciências em que estuda, a namorada dele, que não tem superpoderes, também é extremamente inteligente e culta. O Tony Stark (Homem de Ferro) é dono de indústrias eletrônicas, domina a matemática, os conhecimentos eletrônicos, as ciências em geral.  Pode-se ver que os super-heróis têm excelente formação, estudam muito!

Dom Diego de la Vega (o Zorro), para falar de um mais simples, é um homem culto! Indiana Jones é um arqueólogo e aventureiro, professor universitário, muito culto e extremamente inteligente e hábil. O pai do Super Man (Super-Homem) era um grande cientista, culto e brilhante no planeta Kripton. E, na Fortaleza da Solidão, seu filho (o Super-Homem) tem uma imensa biblioteca gravada em cristais herdada do pai, através da qual pôde aprender muito a respeito do universo, das galáxias, da Terra e sua natureza e do ser humano. Portanto, sem estudo nem super-herói, na verdade, é ou pode ser super-herói. Educação é tudo!

E os vilões? Lex Luthor (inimigo do Super Man) é cientista. O Duende Verde (inimigo do Homem Aranha) era um industrial e inventor culto. O Doutor Octopus é cientista, grande conhecedor de biologia, eletrônica e robótica. Bom vilão, que se preze, também dispõe de boa educação!

Como se pode ver, para além da pancadaria e da luta maniqueísta do bem e do mal há algo fundamental e necessário: a educação formal (escolar e universitária), além da familiar. No mundo da informação atual, dependente das tecnologias e do conhecimento científico, heróis e vilões não ficam fora de seu uso, de seu conhecimento e de um aprendizado primoroso e sólido, capaz de ajuda-los a vencer adversidades e ajudar ou atazanar a humanidade!


As super-heroínas e os super-heróis carregam consigo a sublimação de desejos, temores, dos anseios, frustrações e sentimentos humanos, na ambivalência que se põe entre o superpoder do herói (Super-Homem, Homem Aranha, Mulher Maravilha...) e a fraqueza aparente que esconde a verdadeira identidade (Clark Kent, Peter Parker, Diana...).

Essa ambiguidade traduz-se no desejo das pessoas comuns de superar as adversidades da vida e assinalam um pontinho de identificação psicológica com aquele homem ou aquela mulher que escondem o herói, a heroína. E o poder de atração de filmes, bem montados, e das histórias dos super-heróis é tão forte que muita gente os deseja ver, desde crianças até jovens e adultos, decorrendo daí, inclusive, o consumo de produtos variados a eles e a elas ligados.

Hoje, o consumo de filmes, roupas, acessórios, fantasias, máscaras, brinquedos e outros objetos, carregados de um poder místico, quase sagrado, aproximando o humano do heroico, o desejante do desejado.

A indústria cultural, hoje, observa e aproveita os elementos psicológicos que se formam nas pessoas em torno do divino e do heroico, o fascínio que eles despertam e usa esse material em suas propagandas e no constante incentivo ao consumismo, com uma força tão grande que alia o fetiche (fetiche, em seu sentido original, é feitiço, encantamento) à alienação, em que o eu arrisca perder-se em meio ao coletivo desejo de consumo das mercadorias fetichizadas.

Curiosamente, ao final de um filme, o herói e a heroína não morrem, mas recuperam forças e poderes e vencem, enfim, seus inimigos, sobrepujando a adversidade e os perigos, salvando também a humanidade. Estão sempre prontos a lutar a favor do bem, como o deus Thor que, para retomar seu martelo, recuperar a deusa Freya, que fora raptada, e salvar a humanidade, foi capaz de superar os ardis dos throlls e vencê-los com seu martelo recuperado.

Também é curioso notar como a indústria cultural cria o misticismo em volta de esportistas, em particular, no Brasil, dos jogadores de futebol. Contudo, diferentemente dos deuses das antigas mitologias e dos heróis de cinema, da TV e das histórias em quadrinhos, os e as esportistas são seres sujeitos a mais fraquezas. No entanto, simbolizam igualmente desejos e anseios de superação das adversidades e dos desafios. Quando vencem, são glorificados. Mas, quando falham, são cobrados!

É interessante notar que, assim como os antigos deuses e deusas das antigas mitologias, como os heróis heróis e as heroínas, os jogadores e outros esportistas representam a imagem da superação e da excelência, tão desejados pelos meros mortais. E, em volta dessa imagem, as propagandas de produtos é constante, auferindo bilhões de reais às empresas e indústrias que têm seus produtos ligados à imagem de cada esportista, de cada super-herói, de cada ator ou atriz de TV, de cada modelo, imagem também de sucesso, da beleza e da riqueza, imagem moldada, construída e cuidadosamente elaborada para tornar-se objeto de desejo e reforçar o desejo de consumo de bilhões de pessoas no mundo todo de mercadorias, marcas, bens e serviços diversos. Tornam-se objetos de veneração, ainda que momentânea (passageira).

Enfim, com certeza, nos super-heróis cinematográficos, na imagem criada de atores, atrizes e desportistas mesclam-se o fascínio, o desejo e o consumo, a ânsia de superação da fraqueza e das frustrações, a fantasia, a ilusão e o perigo de perda da identidade, veneração, ideologia, consumismo e alienação que este cria e reforça.
 

Professor(a), você pode explorar este texto, juntamente com outros excelentes textos que venha a encontrar, em sala de aula. Aprofunde a análise, solicite trabalhos a respeito de deuses e deusas antigos (semideuses e semideusas também), sobre os super-heróis do cinema, da TV e das histórias em quadrinhos. Temas que podem ser aprofundados: o divino e o humano, ideologias na antiguidade e hoje, indústria cultural, dentre outros relacionados à proposta apresentada. Outro ponto que você pode trabalhar com as turmas é a educação dos super-heróis, das super-heroínas, a necessidade, o valor e a importância da educação e do conhecimento do mundo na vida das pessoas.