domingo, 28 de abril de 2019

QUESTÃO 2 COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018 (Prof. José Antônio Brazão.)


QUESTÃO 2 COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018 (Prof. José Antônio Brazão.)
QUESTÃO 59 DO CADERNO 3 BRANCO DO ENEM 2018 (FILOSOFIA):
TEXTO 1: Tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e invenção. (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1983.)
TEXTO 2: Não vamos concluir, com Hobbes que, por não ter nenhuma ideia de bondade, o homem seja naturalmente mau. Este autor deveria dizer que, sendo o estado de natureza aquele em que o cuidado de nossa conservação é menos prejudicial à dos outros, este estado era, por conseguinte, o mais próprio à paz e o mais conveniente ao gênero humano. (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade entre os homens. São Paulo, Martins Fontes, 1993 [adaptado].)
 Os trechos apresentam divergências conceituais entre autores que sustentam um entendimento segundo o qual a igualdade entre os homens se dá em razão de uma
(A)  predisposição ao conhecimento.
(B)  submissão ao transcendente.
(C)  tradição epistemológica.
(D) condição original.
(E)  vocação política.
RESPOSTA: letra (D) CONDIÇÃO ORIGINAL.
Analisando alternativa por alternativa:
Alternativa (A): predisposição ao conhecimento. Predisposição é uma disposição, tendência natural, inclinação, propensão. A palavra é composta por: pré/pre-, que significa antes de, anterior a; dispor, que significa pôr, colocar, apresentar; ação, ato de agir. Predisposição ao conhecimento é disposição ou tendência natural ou inclinação ao conhecimento, seja à busca do conhecimento, seja à facilidade de aprender, adquirir conhecimentos. Porém, é preciso prestar atenção em um fato: nenhum dos textos está tratando de conhecimento ou de aprendizagem. Então, pode-se descartar a alternativa (A).
Alternativa (B): submissão ao transcendente. Submissão é o ato de submeter-se, estar sob o domínio de. No caso, estar sob o domínio do transcendente. Transcendente, por sua vez, é o que está além da realidade material, referindo-se a Deus ou aos deuses ou seres divinos. Poder-se-á dizer: submissão a Deus. Mas os dois textos não falam disto, não tocam nem no nome de Deus ou de qualquer ser que transcenda a realidade material, cotidiana. Portanto, é preciso descartar a alternativa (B) como resposta.
Alternativa (C): tradição epistemológica. Tradição é aquilo que é transmitido ao longo do tempo, em uma sociedade ou em um grupo, por aquela ou este às gerações seguintes. Epistemológica vem de epistemologia, referindo-se ao conhecimento e à ciência (episteme, em grego). Tradição epistemológica pode ser a transmissão de ideias, conhecimentos e descobertas científicas ou filosóficas, no decurso do tempo. Pode referir-se a uma corrente filosófica ou científica que tem vários pensadores e pensadoras que a sigam e transmitam. No entanto, nenhum dos dois textos trata de ciência ou conhecimento. Logo, esta alternativa pode ser igualmente descartada.
Alternativa (E): vocação política. Vocação, ao pé da letra, é o ato de chamar (do latim vocare), referindo-se ao fato de alguém sentir-se chamado ou despertado para a busca de algo. Neste caso, chamado ou despertado para o mundo político, para seguir a política. Ainda que ambos os textos tratem de temas ligados à política (ex.: guerra, inimigo, segurança; estado de natureza, paz...), nenhum deixa entender que a igualdade entre as pessoas é fruto de um chamado de todos à vida política e à participação nela. Então, não pode ser a alternativa (E).
Resta a alternativa (D) condição original.
De acordo com o Dicio – Dicionário Online de Português:
“Significado de Condição
substantivo feminino
Característica, aspecto ou essência que determina algo ou alguém: condição humana; condição financeira.
Estado em que algo ou alguém se encontra: o carro está em boas condições; o doente está em péssimas condições.
Categoria ou estado de alguém em relação ao seu nascimento, ao seu status social, acadêmico ou familiar: condição de solteira.
Circunstância em que algo ou alguém se encontra num certo momento; conjuntura, estado, nível, ocasião: as condições da prefeitura são desesperadoras; o desemprego piorou a sua condição.
Aspecto excessivamente importante para que algo aconteça.
Estado do que pode acontecer; chance: não tenho condições de os hospedar.
O que determina, ou não, a realização de alguma coisa: as condições da prova.
[Jurídico] Cláusula que estabelece realização de uma situação ou de uma ação, para que ocorra o ato jurídico.
Etimologia (origem da palavra condição). Do latim conditio.onis.”
(DICIO – Dicionário Online de Português. Significado de Condição. Disponível em https://www.dicio.com.br/condicao/ Acesso em 28 de abril de 2019.)
Dois trechos desse significado poderão nos dar pistas: Condição = “Estado em que algo ou alguém se encontra” e Condição = “Circunstância em que algo ou alguém se encontra num certo momento; conjuntura, estado, nível, ocasião”. (Grifos meus.) O texto de Hobbes diz: “para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, é válido também para o tempo durante o qual vivem sem outra segurança...” (grifos meus). Tempo de que e tempo durante o qual indicam circunstâncias (condições de tempo, conjuntura, momento, ocasião) em que fatos se situam ou situaram, ocorrem ou ocorreram.
Original quer dizer da origem, referente à origem ou às origens. Origens, no caso, de quê? Dos seres humanos (todo homem, homem, como aparecem nos textos). Houve uma passagem do tempo de guerra, no caso de Hobbes, ao tempo de paz. Supõe-se também o conhecimento das ideias de Hobbes e Rousseau. Um resumo a seguir.
Thomas Hobbes (1588 – 1679), filósofo inglês, e Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), filósofo suíço, estão entre os filósofos do mundo moderno (séculos XV – XVIII), que se preocuparam com a questão das origens e das bases da(s) sociedade(s). Eles e outros perceberam que a sociedade é fruto da saída do ser humano do mundo natural (estado de natureza) para o mundo social, com leis e governo. O estado natural foi a condição inicial em que as pessoas se encontravam, na natureza, antes de formarem sociedade(s).
Thomas Hobbes escreveu o livro Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil, simplesmente referido como Leviatã. Para ele, o homem é mau por natureza e o estado de natureza é um estado de luta de todos contra todos. Um tempo de contínua guerra. Para não se matarem e se destruírem mutuamente, as pessoas fizeram um acordo, no qual surgiu a escolha de um governante todo-poderoso, que teria poderes plenos sobre todos, inclusive sobre a vida e a morte dos súditos, com a condição de garantir a vida e a propriedade de súditos e súditas. Por que absoluto, todo-poderoso? Porque o ser humano não deixou de ser mau por natureza, isto é, interesseiro, egoísta, ambicioso, belicoso (dado à luta por seus interesses), etc. O governante escolhido é comparado ao LEVIATÃ, daí o nome do livro, mencionado. Leviatã é um monstro marítimo poderoso citado na Bíblia, temido por séculos e milênios por marinheiros e navegadores, dominável somente por Deus. De fato, o governante escolhido só teria acima de si o próprio Deus.
Jean-Jacques Rousseau, por sua vez, escreveu O CONTRATO SOCIAL e acreditava que o homem (o ser humano) é bom por natureza. No estado de natureza os seres humanos eram bons. Porém, tendo-se deixado levar pela ambição e o próprio interesse, alguns tomaram terras e as separaram para si, obrigando os demais a concordarem. Nascia, então, a sociedade. A sociedade é, pois, um mal. O ser humano, não tendo mais como voltar ao estado original de natureza, à sua condição original e natural, precisa, contudo, buscar um retorno à natureza. O primeiro contrato, que deu origem à sociedade, foi imposto pelos fortes, os usurpadores. Um novo contrato é necessário, um contrato social, baseado no pacto social e na vontade geral. O pacto social seria a aceitação livre de deixar os interesses mesquinhos e pessoais e o excesso em favor de todos, a fim de formar uma sociedade mais justa e livre. A vontade geral seria  não a vontade de um governante absoluto que a impõe sobre todos, como no caso de Hobbes, mas a vontade de todos, expressa pela maioria das pessoas em votações e definições. A sociedade não seria perfeita, é claro, mas seria mais justa.
Quanto ao retorno à natureza, o livro EMÍLIO OU DA EDUCAÇÃO, de J.-J. Rousseau, propõe uma educação que ponha cada aprendiz em contado constante com a natureza, aprendendo com ela e a partir dela. Uma educação que respeite a natureza humana e trate a criança como criança e não como um adulto em miniatura. É um livro muito rico e que vale a pena, com os outros dois citados, ser lido.
Uma curiosidade: a ideia de bondade no estado de natureza, em Rousseau, fez surgir o mito do bom selvagem, presente na literatura brasileira do indianismo, tendo tido como representantes, por exemplo, Gonçalves Dias (poema I-Juca-Pirama) e José de Alencar (O Guarani, Ubirajara, Iracema ...). Vale a pena também conferir.
Enfim, a resposta é a ALTERNATIVA (D) CONDIÇÃO ORIGINAL, por referência direta ou indireta às condições humanas no estado de natureza e a este estado original da humanidade, antes da formação da(s) sociedade(s).
LEMBRETE:
Estudante que se prepara para o ENEM:
*Preste muita atenção nas aulas de Filosofia. Tire dúvidas, na hora, com o(a) professor(a).
*Estude e conheça bem as teorias dos filósofos. Você as encontrará no livro didático de Filosofia em uso na sua escola, em outros livros, didáticos ou não, que se encontrem na biblioteca de sua escola.
*Empenhe-se igualmente por dispor de bom vocabulário e conhecimento das palavras, que adentram na Língua Portuguesa. Atente para a Filosofia e a Língua Portuguesa, matérias que andam de mãos dadas. Você tem três anos do ensino médio para as aprender. Aprenda o máximo que puder.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

FILOSOFIA DO ENEM 2018 – PRIMEIRA QUESTÃO COMENTADA: ABORDAGEM SIMPLIFICADA. (Prof. José Antônio Brazão.)


QUESTÕES COMENTADAS DE FILOSOFIA DO ENEM 2018
FILOSOFIA DO ENEM 2018 – PRIMEIRA QUESTÃO COMENTADA: ABORDAGEM SIMPLIFICADA. (Prof. José Antônio Brazão.)
QUESTÃO 58 – CADERNO 3 BRANCO DO ENEM 2018:
Desde que tenhamos compreendido o significado da palavra “Deus”, sabemos, de imediato, que Deus existe. Com efeito, essa palavra designa uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior. Ora, o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento. Donde se segue que o objeto designado pela palavra “Deus”, que existe no pensamento, desde que se entenda essa palavra, também existe na realidade. Por conseguinte, a existência de Deus é evidente. (TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Rio de Janeiro. Loyola, 2002.)
O texto apresenta uma elaboração teórica de Tomás de Aquino caracterizada por
(A)       Reiterar a ortodoxia religiosa contra os heréticos.
(B)       Sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé.
(C)       Explicar as virtudes teologais pela demonstração.
(D)       Flexibilizar a interpretação oficial dos textos sagrados.
(E)       Justificar pragmaticamente crença livre de dogmas.
RESPOSTA: (B) Sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé.
Uma abordagem mais simples da questão 58 do caderno 3 branco do ENEM 2018, citada, pode ser a seguinte, tomando cada alternativa:
Primeiro: ler e reler o texto. Do que ele trata? De uma forma resumida: da existência real de Deus, para além do pensamento. Tendo isto em mente, pode-se analisar cada alternativa.
Alternativa (A) Reiterar a ortodoxia religiosa contra os heréticos.
Partamos do significado de cada palavra: reiterar é reforçar, expor novamente; ortodoxia é a opinião (doxa) correta (orto) defendida, aqui, no caso, pela religião (“religiosa”); contra, em oposição a; os heréticos – pessoas que defendem heresias, doutrinas contrárias a uma religião determinada, neste caso, a religião cristã, pois Tomás de Aquino era cristão (católico romano). O texto não tem estrutura de defesa, nem fala de algum herético ou de heresia. Portanto, não pode ser a alternativa (A).
Alternativa (B) Sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé.
Sustentar racionalmente é dar apoio racional a. A quê? Dar apoio racional à doutrina, isto é, usar a razão (a filosofia, os argumentos lógicos...) a serviço da doutrina – conjunto de ensinamentos e dogmas, neste caso, do cristianismo, da religião católica. Alicerçada pela fé: a doutrina (conjunto de ensinamentos e dogmas) tem sua base na fé, na crença em Deus e nas verdades aprendidas com a religião. De início, Tomás de Aquino usa os termos compreendido, significado, palavra, pensamento, o verbo designar e um raciocínio que desemboca numa conclusão:
1)      Desde que tenhamos compreendido o significado da palavra “Deus”, sabemos, de imediato, que Deus existe. [Na sequência, vem a demonstração desta tese (afirmação) – números 2, 3 e 4 a seguir.]
2)      Com efeito, essa palavra (Deus) designa uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior. Ora, o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento.
3)      Donde se segue que o objeto designado pela palavra “Deus”, que existe no pensamento, desde que se entenda essa palavra, também existe na realidade.
4)      Por conseguinte, a existência de Deus é evidente. (Conclusão.)
Tomás usa a razão alicerçada na fé para defender a doutrina de que Deus existe, é real.
Mas vamos analisar as outras alternativas:
Alternativa (C) Explicar as virtudes teologais pela demonstração.
Virtudes teologais são virtudes que têm sua fonte em Deus (theos, em grego) e que a Ele ligam quem as pratica. São três: a fé, a esperança e a caridade (o amor). Nenhuma delas é mencionada no texto, nem sua prática. Portanto, pode-se descartar a alternativa (C) como resposta.
Alternativa (D) Flexibilizar a interpretação oficial dos textos sagrados.
O significado de palavras pode ajudar: flexibilizar é tornar flexível, ajustável, moldável, dando a ideia de modificável. Vamos pensar um pouquinho: Que religião cristã (e até mesmo não cristã), hoje, muda sua interpretação oficial (dada pela própria religião) dos textos sagrados ou permite seus livres entendimento e interpretação? Dificilmente ou de modo nenhum. Praticamente de modo nenhum. O que não quer dizer que doutrinas não possam ser reinterpretadas. Mas de acordo com as doutrinas (ensinamentos e dogmas religiosos) oficiais. Ainda mais na Idade Média (Tomás de Aquino viveu na Idade Média): a Igreja Católica combatia heresias, ideias contrárias aos dogmas e aos ensinamentos baseadas em interpretações não oficiais dos textos sagrados (Bíblia). E o texto não propõe qualquer flexibilização doutrinária. Pelo contrário, Tomás de Aquino quer reforçar a certeza doutrinária da existência de Deus.
Alternativa (E) Justificar pragmaticamente crença livre de dogmas.
Justificar pragmaticamente quer dizer justificar de forma prática, realista e objetiva. Crença livre é acreditar com liberdade, como se queira, sem intervenção, no caso, da religião. Dogmas são verdades religiosas que são dadas como tão certas que não podem ser discutidas, não podem ser contestadas (sofrer oposição), nem negadas.
As religiões são baseadas, em boa parte, em dogmas. Nega-los ou contesta-los (opor-se a eles) é negar a veracidade da religião, pondo em perigo a existência desta. O cristianismo tem seus dogmas, indiscutíveis. E seria proibido justificar liberdade de se crer ou não nos dogmas. Ora, se alguém é cristã(o), do ponto de vista da religião, não pode negar os dogmas sobre os quais alicerça-se a crença em Deus. E o que Tomás de Aquino quer é justamente o contrário: justificar e defender a visão oficial (da religião) sobre Deus, demonstrando que Ele é verdadeiro, real, efetivamente existente. Logo, a resposta não pode ser a (E).
Levando em consideração todas as alternativas analisadas, a que melhor responde à questão é a ALTERNATIVA (B). Resposta (B).

PRIMEIRA QUESTÃO COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018 (Prof. José Antônio Brazão.)


QUESTÕES COMENTADAS DE FILOSOFIA DO ENEM 2018
PRIMEIRA QUESTÃO COMENTADA (Prof. José Antônio Brazão.)
QUESTÃO 58 – CADERNO 3 BRANCO DO ENEM 2018:
Desde que tenhamos compreendido o significado da palavra “Deus”, sabemos, de imediato, que Deus existe. Com efeito, essa palavra designa uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior. Ora, o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento. Donde se segue que o objeto designado pela palavra “Deus”, que existe no pensamento, desde que se entenda essa palavra, também existe na realidade. Por conseguinte, a existência de Deus é evidente. (TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Rio de Janeiro. Loyola, 2002.)
O texto apresenta uma elaboração teórica de Tomás de Aquino caracterizada por
(A)  Reiterar a ortodoxia religiosa contra os heréticos.
(B)  Sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé.
(C)  Explicar as virtudes teologais pela demonstração.
(D) Flexibilizar a interpretação oficial dos textos sagrados.
(E)  Justificar pragmaticamente crença livre de dogmas.
RESPOSTA: (B) Sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé.
EXPLICANDO A RESPOSTA:
Tomás de Aquino foi um teólogo e filósofo, professor universitário, do século XIII (13). O período em que viveu foi o da escolástica. O que foi a filosofia escolástica? Foi a que se desenvolveu nas escolas e universidades do mundo medieval, na Europa, com destaque para os séculos XII, XIII e XIV, quando aquelas instituições de ensino atingiram seu auge. Um diálogo muito profundo se instaurou entre a teologia (estudo das coisas divinas, dos dogmas, da religião...) e a filosofia. Momento em que traduções de filósofos gregos vinham sendo feitas, do árabe para o latim ou do grego para o latim (o latim era língua de estudos dominante nos centros de conhecimento europeus).
O uso das ideias filosóficas na defesa racional da fé tornou-se fundamental. Buscava-se, então, sustentar racionalmente doutrinas alicerçadas na fé.  Sustentar, no sentido de dar base, de fundamentar e demonstrar a veracidade das doutrinas religiosas, aqui, mais especificamente, cristãs, católicas (Tomás de Aquino foi um padre católico). Racionalmente, ou seja, com base na razão, na capacidade humana de investigar e entender o mundo. A razão (logos, em grego, ratio, em latim) simbolizando a filosofia e sua estrutura argumentativa. E como Tomás de Aquino faz uso da razão filosófica aqui?
Tomás de Aquino usa uma estrutura lógica. A lógica lida com argumentos dos quais se tiram conclusões. Como? Vejamos detalhadamente.
“Desde que tenhamos compreendido o significado da palavra ‘Deus’, sabemos, de imediato, que Deus existe. Com efeito, essa palavra designa uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior.” (Tomás de Aquino)
Primeiramente, Tomás de Aquino diz que da compreensão do significado da palavra ‘Deus’ é possível saber, imediatamente (diretamente, na mesma hora), que Deus existe. Para demonstrar esta proposição – afirmação (neste caso), colocação, declaração – Tomás de Aquino toma, na primeira premissa (proposição posta antes da conclusão), a designação, o significado, da palavra Deus: “uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior”. A palavra Deus, com efeito, define um ser supremo, todo-poderoso, eterno, perfeitíssimo. Nenhum ser, portanto, é mais perfeito que Deus, nem superior a ele.
Segunda premissa (proposição, declaração, que antecede a conclusão): “Ora, o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento.” (Tomás de Aquino). O que existe na realidade E  no pensamento é maior do que existe apenas no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento, por quê? Porque é real, existe de fato, comprovadamente, é realidade! E a realidade vai além do pensamento, conforme se pode entender do que Tomás quer dizer.
Conclusão: “Donde se segue que o objeto designado pela palavra ‘Deus’, que existe no pensamento, desde que se entenda essa palavra, também existe na realidade. Por conseguinte, a existência de Deus é evidente.” (Tomás de Aquino). Objeto é um ser, algo que existe. O objeto aqui tratado é ‘Deus”, palavra que existe no pensamento, mas que guarda consigo a realidade existencial. Pela definição de Deus, nada há mais perfeito que ele. Se o termo existe como palavra pensada e como suma perfeição, que está para além de tudo que existe (todos os seres [criados]), sendo real e não uma mera ideia, então, Deus existe evidentemente, isto é, claramente. Evidente é o que é claro, é o que é posto com clareza, nitidez. Deus existe de fato, Deus é real, não é mera ideia do pensamento.
Para aprofundar, vale citar a quarta via (o quarto caminho) que Tomás de Aquino segue, na Suma Teológica, para provar a existência de Deus:
“A quarta via procede dos graus que se encontram nas coisas. — Assim, nelas se encontram em proporção maior e menor o bem, a verdade, a nobreza e outros atributos semelhantes. Ora, o mais e o menos se dizem de diversos atributos enquanto se aproximam de um máximo, diversamente; assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do maximamente cálido. Há, portanto, algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por consequente, maximamente ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres, como diz o Filósofo. Ora, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de tudo o que esse gênero compreende; assim o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos, como no mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus.” (AQUINO, Tomás de. Artigo 2: Se é demonstrável a existência de Deus. IN: _______________. Suma Teológica. Disponível em:  https://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf   Acesso em 12 de abril de 2019.).
Resumindo: Existem, no mundo, graus de perfeição diferentes nos seres. Extrapolando o texto: uma planta é mais perfeita que uma pedra, pois é um ser vivo, a pedra é um ser bruto e sem vida; um animal é mais perfeito que uma planta, pois, além de se alimentar e estar vivo como a planta, é capaz de usar os sentidos e até mover-se; uma pessoa (ser humano), por sua vez, é mais perfeita que um animal, pois, além de alimentar-se e viver como a planta, de sentir e locomover-se como os animais, é um ser que dispõe de razão (intelecto, capacidade de investigar, entender e explicar, com uso das palavras, o mundo e os seres que nele existem). Mas o mais e o menos perfeito apontam para um grau mais superior de perfeição, um grau perfeitíssimo. Ora, o mais perfeito ou perfeitíssimo que há só pode ser Deus. Na questão do ENEM, Deus é “uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior” (ver o texto no início). Sendo Deus um ser perfeitíssimo, nada havendo maior que ele, e tendo por certo que o mais perfeito e o menos perfeito apontam para algo perfeitíssimo, esse ser perfeitíssimo, que é Deus, EXISTE.
Voltando ao texto: Dos graus de perfeição, Tomás de Aquino usa o termo cálido, que significa quente. Para além do quente (cálido) há o máximo quente, o quentíssimo, em graus que vão do menos para o máximo. Entre os seres há graus de perfeição, do menos perfeito ao mais perfeito, até o perfeitíssimo. Esse perfeitíssimo é “um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus” (Tomás de Aquino), o ser mais nobre e perfeito que existe (nobilíssimo e perfeitíssimo).
Um termo que Tomás de Aquino usa é gênero. Gênero é o que engloba várias espécies com características comuns. Espécie é a reunião de indivíduos com características semelhantes. Indivíduo é cada ser que existe. Um exemplo para entender bem: Animal (gênero), espécies (homens, mulheres, mamíferos, peixes, entre outras espécies de animais), indivíduo (Manuel, boi, vaca, tucunaré, etc., indivíduos de espécies animais diferentes). Na palavra animal (gênero) se condensam características comuns a muitos seres vivos. E ainda existe um gênero maior: o SER, que engloba animais, plantas, pedras, tudo que existe. Ser é tudo que existe.
No caso da questão: há graus diferentes de ser e de perfeição nos seres – o ser que se define como ser perfeitíssimo e nobilíssimo (mais nobre) é Deus! Repetindo o trecho do texto da questão do ENEM 2018: “uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior” (Tomás de Aquino) (ver o texto no início). Esse ser divino EXISTE, é real, de acordo com o raciocínio de Tomás de Aquino. Raciocínio é um trabalho da razão (ratio, em latim). Pode-se ver, portanto, que Tomás de Aquino quis SUSTENTAR RACIONALMENTE (usando a razão) DOUTRINA (ensinamento religioso, neste caso) ALICERÇADA NA FÉ (na crença religiosa). Fé e razão precisam uma da outra, mas, é claro, a fé está acima da razão. A razão é um instrumento essencial na demonstração da fé, na sustentação (fundamentação, embasamento) desta, jamais esquecendo-se de que a fé é o alicerce, como defendia a doutrina católica medieval.