terça-feira, 22 de abril de 2008

Os primeiros filósofos gregos (parte 3) (Prof. José Antônio Brazão.)

Pitágoras de Samos, filósofo e matemático, acreditava que o princípio fundante de todas as coisas, a arqué, correspondia aos números. Com certeza, diante da harmonia que percebia no universo e da unidade em meio à pluralidade de seres, Pitágoras devia perceber uma possível ordem numérica em tudo quanto existe, como a ordem musical, na qual uma harmonia integra-se a outra, formando um conjunto em que a beleza se expressa. Do seu grupo, os chamados "pitagóricos", além da preocupação filosófica propriamente dita, também a preocupação com a política, estando presentes na vida política do sul da Itália. Em Pitágoras e nos pitagóricos também uma certa preocupação mística. Dentre as crenças pitagóricas encontra-se, por exemplo, a da reencarnação da alma. Em meio aos "pré-socráticos" ou "físicos" (também "fisiólogos", isto é, estudiosos da natureza), encontram-se dois que deram uma contribuição decisiva para a compreensão do universo: Leucipo e Demócrito. Ambos afirmam que tudo é composto por átomos, isto é, partículas minúsculas, indivisíveis (átomo, em grego, quer dizer, de fato, "indivisível"), que comporiam todos os seres, ora agregando-se, ora separando-se. De acordo com os "atomistas", essas partículas disporiam de engates que permitiriam unir-se umas às outras formando os seres existentes, algo parecido ao brinquedo de lego, no qual uma peça se encaixa na outra. De acordo com eles, haveria uma multiplicidade de tipos de átomos. De fato, hoje sabemos que tudo é composto por átomos, com pouco mais de cem elementos químicos já catalogados. No entanto, naquela época, ter chegado a essa conclusão era algo inédito e diferente. Como poderiam ter chegado a ela? O princípio básico, seguramente, é o da divisão da matéria. Tudo, com efeito, pode ser dividido em pedaços menores, sendo que estes, por sua vez, podem ser divididos em pedaços (partes) ainda menores. Se houvesse uma faca extremamente afiada, a ponto de dividir a matéria ao máximo, haveria uma "partezinha" (daí o nome "partícula") extrema que não poderia ser subdividida. Tal "partezinha", ou melhor, partícula, seria, pois, o fundamento básico de composição daquela matéria. Agregada a uma multiplicidade de outras partículas, ela faria parte de compostos maiores, dando origem à pluralidade dos seres existentes, os quais se diferenciam em razão do modo como as partículas se juntam. Como foi possível a Leucipo e Demócrito chegarem à conclusão do átomo. Com os olhos? Não. Além deles e da percepção da realidade divisível da matéria, fizeram um emprego decisivo da razão. Como se pôde ver, com exemplos de alguns filósofos pré-socráticos, a filosofia nascente começa a fazer largo uso do racional para explicar a realidade. Daí sua contribuição decisiva para o pensar ocidental.
(Texto de José Antônio Brazão.)

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Os primeiros filósofos gregos (parte 2) (Prof. José Antônio Brazão.)

Anaxímenes de Mileto afirmou que o princípio de todas as coisas (a arché/arqué) é o ar, também através de um processo de rarefação e de condensação. De fato, o ar preenche grande parte da terra, sem ele nem um ser vivo pode continuar vivendo, além de ser uma matéria extremamente fina, em relação, por exemplo, à água e à terra. Anaximandro de Mileto, por sua vez, afirmou que tudo proviria do ápeiron, um princípio ilimitado, indeterminado (significado desse nome). Com efeito, Anaximandro não admitia a idéia de que princípios tão comuns como o ar e a água fossem a origem de tudo. Xenófanes de Cólofon afirma que o princípio originário seria a terra. De onde teria tirado essa idéia? Possivelmente do fato de que muitos seres animados e inanimados são compostos de massa. Além disto, curiosamente, relaciona o crescimento e o desenvolvimento da criança e dos animais com os alimentos por eles comidos. De onde vêm os alimentos? Da terra! A água brota da terra. O ar que respiramos está ligado à terra. O fogo que os homens produzem provém de materiais comburentes presentes na terra (p.ex.: a lenha tirada das árvores, as quais se fixam na terra). É claro, ao falar de terra como arqué, é preciso lembrar que se fala da terra primordial, além de se referir à terra tal como a vemos. Heráclito de Éfeso diz que o princípio primeiro de tudo é o fogo. O fogo carrega consigo uma grande energia, podendo, inclusive, queimar quem dele se aproxima. Do fogo primordial foram se formando todas as coisas. O fogo tem um grande poder transformador da matéria: derrete metais, faz a água entrar em ebulição e evaporar-se, queima madeira, a mão de quem o toca, cozinha a comida, etc. O sol é quente e emite calor, a lava vulcânica é quente ao sair do fundo da terra. Certamente, foi observando fenômenos como esses e outros, e estabelecendo racionalmente uma relação entre eles, que Heráclito veio a propor o fogo como a arqué fundante de tudo quanto existe. Outro fato que Heráclito observou na natureza é que tudo está num processo de contínuo e permanente devir, vir-a-ser, isto é, de transformação. Nada permanece o mesmo na natureza. Uma criança vem a ser jovem, adulta, anciã. Os corpos se decompõem e se transformam em matérias que, por sua vez, darão origem a outros seres ou serão transformadas pela natureza. A pedra, pela ação da água, do vento e de outras forças naturais, acaba desgastando-se. Para referir-se a isto, Heráclito compara o devir às águas de um rio em que alguém se banha, elas não permanecem as mesmas. No entanto, por trás da mutabilidade dos seres e de sua impermanência, Heráclito percebia que existia uma harmonia cósmica, formando uma unidade harmônica entre tudo que existe. Parmênides de Eléia, contrapondo-se ao que afirma Heráclito, diz que o devir é ilusão e que o ser é aquilo que permanece eternamente o mesmo. De fato, nos fragmentos de textos de Parmênides, ainda existentes, ele relata uma visão que teve. Conta ele que foi conduzido por aurigas (condutoras de cavalos) que o transportaram, em um carro todo luminoso, até a presença da deusa Justiça. A deusa disse a ele que deveria conhecer dois caminhos: o caminho do ser, que diz que "o ser é e que o não-ser não é" e que "pensar e ser são o mesmo", pois só se pode pensar verdadeiramente o ser; o caminho do não-ser, representado pelo devir, já que nada permanece o mesmo. Parmênides, de acordo com a deusa, deveria seguir o caminho do ser, caminho da verdade. Porém, também deveria conhecer o caminho do não-ser, do devir, tal como é percebido pelas pessoas, no dia-a-dia, sem se prender a ele, pois esse caminho é o caminho da ilusão. Zenão de Eléia, discípulo de Parmênides, curiosamente, propôs alguns argumentos que comprovariam as idéias do mestre. Dentre eles, o da flecha e o de Aquiles e a tartaruga. O da flecha diz basicamente que o aparente movimento de uma flecha lançada nada mais é que uma seqüência de momentos em que ela esteve parada. O de Aquiles e a tartaruga diz que se, numa corrida entre o grande corredor e uma tartaruga, esta desse um passo à frente, ele jamais a alcançaria. Com isto quer provar a ilusão do movimento, do devir. Como? Matematicamente uma reta é composta de infinitos pontos. Para alcançar a tartaruga, Aquiles teria que percorrer os pontos por ela percorridos, jamais alcançando-a. É um argumento interessante, pois apela para a matemática, uma ciência extremamente abstrata, para demonstrar suas idéias. A filosofia, de fato, é fruto, justamente, da união entre argumentação, demonstração e derrubada ou confirmação/aperfeiçoamento de idéias. Na linha da matemática,

terça-feira, 8 de abril de 2008

Os primeiros filósofos gregos. (Parte 1) (Prof. José Antônio Brazão.)

Na busca de uma compreensão do mundo, na Grécia antiga, mais especificamente, nas colônias gregas da Ásia Menor (atual Turquia) e da Magna Grécia (Sul da Itália), a partir do século VI a.C., alguns homens começaram a dar respostas que se diferenciavam da forma mítica de explicar a realidade. Tais homens buscavam o(s) princípio(s) originário(s) e fundante(s) dos seres existentes. Impressionava-lhes a harmonia e a ordem existentes no universo, daí o nome "cosmos" como referente a ambas. Percebiam que, no cosmos, havia uma unidade por trás da multiplicidade dos seres existentes. Então, curiosos pela compreensão do(s) fundamento(s) de tudo que existe, se perguntaram: de onde tudo veio? de que tudo é composto? qual(quais) é (são) o(s) princípio(s) [arché/arqué, em grego] de todas as coisas? E juntamente com a observação atenta dos fenônemos naturais colocaram a razão e a imaginação em ação. Tales de Mileto, por exemplo, dirá que tudo veio da água e em tudo, de uma forma ou de outra, se encontra água, por meio de um processo de rarefação/evaporação ou de condensação da água primordial. Rarefazendo-se, a água formava o ar e o fogo, por exemplo. Condensando-se, ela formava seres mais pesados. De onde Tales deve ter tirado essa idéia? Com certeza, observando a imensa quantidade de água que existe no mundo, formando rios, lagos, mares, etc. Também percebendo que a água brota da terra, que nos diferentes seres vivos há porções de água, que quando esses seres perecem eles secam (perdem água). Tales também sabia que as águas do rio Nilo carregavam consigo sedimentos, os quais se depositavam nas terras à beira das margens, inclusive fertilizando-as. É possível que isso lhe tenha dado a idéia que a partir da água formaram-se as porções de terra que formam os continentes, as ilhas, etc. O que há de interessante no pensamento de Tales é que ele não apela para seres divinos que interviriam na criação do mundo, mas para um elemento natural (a água), abundante na Terra, fazendo uso do logos (razão) e da imaginação por este direcionada. Vale lembrar também que Tales enriqueceu-se empregando a observação e o uso de conhecimentos dos fenônemos naturais ao perceber que haveria, numa determinada época, uma grande produção de azeitonas. Muito esperto, arrendou muitas prensas e cobrou, na ocasião certa, o seu uso, lucrando muito com isto. Aqui também pode-se ver o quanto observação, razão e imaginação podem trabalhar juntas.