sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A IDADE MÉDIA E A FILOSOFIA MEDIEVAL: BREVE INTRODUÇÃO (Prof. José Antônio Brazão.)

A expressão “Idade Média” provém da época do Renascimento (séculos XV-XVII) e tem por referência um tempo que se encontraria entre a antiguidade e os tempos modernos. Vivendo numa época de mudanças, os renascentistas buscaram na antiguidade, particularmente a antiguidade greco-romana, referenciais artísticos e culturais, classificando o tempo intermediário entre eles e a antiguidade como Idade Média.
Desenvolveu-se, a partir daí, a idéia de que a Idade Média foi uma época de trevas e de estagnação culturais, dominada pelo pensamento religioso e teocêntrico, bem como pela superstição. Não se pode negar que, de fato, a “Idade Média” foi um período histórico em que a religião católica exerceu profunda predominância religiosa, cultural e política na Europa. Porém, tratar esse tempo como um tempo de estagnação e de trevas culturais é incorreto, justamente porque muitas realizações, em diversas áreas do conhecimento humano, aí ocorreram, no continente europeu. Por exemplo: o desenvolvimento lento e progressivo das línguas neolatinas, de uma filosofia específica, o contato com a cultura árabe, o nascimento das primeiras universidades, o florescimento de várias cidades na Europa, em razão do paulatino desenvolvimento comercial, construções complexas como castelos e catedrais, a transcrição (cópias) de textos da antiguidade e de pensadores dessa época, uma concepção própria de educação, dentre outros.
No que diz respeito ao nascimento das línguas neolatinas, é preciso levar em conta a decadência do Império Romano. Neolatinas são línguas de países dominados por Roma que incorporaram aos seus respectivos idiomas palavras, expressões e conteúdos da língua latina, falada na antiguidade dentro do Lácio (região da Itália) e depois espalhada pela Itália e por outras regiões do mundo antigo. De fato, juntamente com o domínio político, militar e econômico, o Império Romano impôs sua língua aos povos conquistados, seja ela escrita ou falada. A língua latina foi sendo assimilada e, paulatinamente, transformada pelo modo de falar dos povos dominados, passando, deste modo, a fazer parte da vida destes, de seu cotidiano.
Ao buscar as origens da cultura e do pensar medievais, é preciso recuar até as origens do pensamento cristão, isto é, até os séculos I e II. Ao longo desses séculos, a mensagem cristã inicial, foi-se espalhando cada vez mais pelo Império Romano. Com o crescimento do cristianismo, perseguições, por parte de alguns imperadores, foram inevitáveis, mas não conseguiram conter as novas idéias religiosas. Fruto da pregação de Jesus de Nazaré (Jesus Cristo), o cristianismo logo espalhou-se, através do trabalho de anúncio por parte de apóstolos e discípulos. No século IV, com a conversão do Imperador Constantino, o Grande (tornado imperador entre 306-337), a paz com os cristãos foi decretada através do Edito de Milão (313). Constantino converteu-se e, juntamente com ele, muitos cidadãos do império. Com isto, uma progressiva institucionalização do cristianismo foi tomando corpo, formando assim, no decorrer dos séculos, a estrutura da Igreja Católica Romana, que irá marcar profundamente o mundo religioso, cultural, político, econômico e social da época medieval.
Desde o início do cristianismo, com os primeiros apóstolos e discípulos, o contato entre esta nova religião e o mundo grego foi inevitável. Surgido na Palestina, o cristianismo logo espalhou-se entre os povos de língua grega e outros povos considerados pagãos, por obra, especialmente, de Paulo, que soube assimilar muito bem os fundamentos do pensamento cristão e divulgá-los em outras culturas. Curiosamente, a língua básica do Novo Testamento é o grego. No livro Atos dos Apóstolos, por exemplo, Paulo aparece falando do cristianismo para filósofos e estudiosos que o queriam ouvir, no Areópago, em Atenas. Segundo o texto, boa parte deles desistiram de ouvi-lo no momento em que tocou na questão da ressurreição dos mortos. Eis aí um primeiro “embate”, se se pode dizer assim, entre a visão cristã e a visão filosófica grega.
Nos séculos que se seguiram, o contato entre o cristianismo e a filosofia grega foi ocorrendo cada vez mais. Alguns estudiosos cristãos se dedicaram, inclusive, seja à assimilação e ao aproveitamento da filosofia grega como instrumento auxiliar na defesa do cristianismo e da compreensão ou esclarecimento de conceitos cristãos (por exemplo, Inácio de Antioquia [c.35-107] e Clemente de Alexandria [c.150-215]), seja ao ataque dessa filosofia, vendo nela uma fonte de heresias (por exemplo, Tertuliano[160-220]). Dentre os principais pensadores cristãos dessa época encontra-se Aurélio Agostinho, conhecido como Santo Agostinho (354-430). Esses homens são conhecidos como Padres da Igreja, ou seja, os “Pais” fundadores de uma reflexão teológica e filosófica a respeito da mensagem cristã, formando uma das bases fundamentais da doutrina católica medieval e até posterior. O movimento ficou conhecido como Patrística (de Pater, no latim: padre, pai). Agostinho, por exemplo, sofreu profunda influência do pensamento filosófico platônico, através do neoplatonismo. Tal influência aparece marcadamente em suas obras. No entanto, o fundamento primeiro, para ele, foi a mensagem cristã. Ao falar do mestre (em O Mestre, De Magistro, no lat. ), Santo Agostinho diz que Cristo é o Mestre interior, que ensina a verdade mais pura e que ilumina a alma.
E para bem entender a realidade em que vai-se inserir o mundo cristão medieval, um fato de grande importância foi a formação do sistema feudal. À medida em que o Império Romano, no decurso dos primeiros séculos da era cristã, foi entrando em decadência, uma nova realidade social, política, econômica e cultural foi surgindo. Com a queda do império, a realidade européia era outra. Grandes extensões de terras (feudos), dominadas por senhores, foram se formando e pequenos reinos foram surgindo. Formaram-se três estamentos sociais básicos, assim dispostos: a Igreja, os senhores feudais e os servos(camponeses). A Igreja Católica, de fato, manteve-se firme diante da queda do Império Romano, tendo em vista sua estrutura e sua organização. Ela também, no decorrer dos séculos, foi adquirindo terras, tornando-se uma verdadeira senhora feudal.
Além do domínio de suas terras, os senhores feudais se dedicavam às atividades militares, à caça e outras atividades. Na base, sustentando economicamente a estrutura social e econômica medieval, estavam os servos, camponeses que trabalhavam para os senhores feudais, pagando-lhes impostos (boa parte em espécie), trabalhando em suas terras durante alguns períodos (corvéia) e auxiliando-os em tempos de guerra, além do dízimo pago à Igreja. As relações eram mantidas através da suserania e vassalagem, implicando compromissos comuns entre senhores suseranos e vassalos.
A arte medieval retrata bem essas relações. Com certeza foi uma arte que sofreu traços marcantes da cultura religiosa própria do tempo e da ação da Igreja Católica Romana. A pintura, por exemplo, era, em boa parte, frontal, um tanto rígida, refletindo a rigidez moral e dos costumes da época. Na arquitetura, o românico e o gótico, que aparecem particularmente nas igrejas e outras construções medievais, foram estilos culminantes.
Outro acontecimento fundamental, ocorrido a partir do século VI da era cristã, foi o surgimento da religião islâmica. Com a unificação da Arábia em torno do islamismo, os maometanos partiram para lutas de conquistas de outras terras e regiões, conseguindo inclusive dominar o norte da África, atravessando o Estreito de Gibraltar e dominando boa parte da Península Ibérica (Portugal e Espanha). Ao longo dos séculos seguintes, de fato, além de ir, aos poucos e gradativamente, dominando essas regiões e de conquistar outras, os islamitas foram espalhando sua fé e sua cultura. A arquitetura e a arte maometanas, por exemplo, deixaram marcas profundas na península ibérica, através de construções, mesquitas, pinturas e outras obras. Palavras da língua árabe foram incorporadas ao português, ao espanhol e a outras línguas européias (álcool, elixir, alambique, etc.).
No campo filosófico, os árabes, além de textos de seus filósofos, transmitiram, para a Europa, uma série de textos da filosofia grega, seja em traduções, seja na língua original, resultado do contato comercial e cultural com gregos, alexandrinos e outros. Curiosamente, junto com o comércio e as conquistas, as trocas culturais tornaram-se inevitáveis. Dentre os textos divulgados, os de Aristóteles contribuíram para uma progressiva redescoberta deste dentro da Europa. Nos séculos XI e, especialmente, XII e XIII, nas escolas catedrais e nas primeiras universidades, os textos aristotélicos passaram a ser cada vez mais lidos. Juntamente com Aristóteles, textos de outros filósofos gregos, de Platão e de filósofos árabes, comentaristas e intérpretes dos textos aristotélicos e de outros gregos, além de textos próprios. Esta avalanche de textos e idéias novas logo provocou a intervenção da Igreja Católica, através de decretos, normas, proibições e, em alguns casos, até de perseguições, como no caso da Inquisição. A filosofia que aí se desenvolveu ficou conhecida como filosofia escolástica, isto é, a filosofia que tomou vulto nas escolas e universidades medievais.
Dentre as idéias dos filósofos da Patrística, em especial será, aqui, estudado o pensamento educacional de Aurélio Agostinho e, da Escolástica, o de Tomás de Aquino. Veja-se, abaixo, a citação de seus textos educacionais, junto ao texto que fala de Jesus.

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