sexta-feira, 13 de junho de 2008

JESUS EDUCADOR (Prof. José Antônio Brazão.)

Para se poder entender o pensamento filosófico, teológico e educativo medieval é preciso, antes de tudo, ir à fonte primeira onde bebem os pensadores cristãos medievais. Esse manancial encontra-se em Jesus Cristo, retratado nos quatro evangelhos, segundo a maneira como cada evangelista se propôs tratar desse mesmo Jesus.
Jesus foi um pregador. Anunciava o evangelho (palavra grega que significa 'boa nova', 'boa notícia') do Reino de Deus, conforme o expressam os evangelistas. Sua mensagem dirigia-se, particularmente, aos empobrecidos (ver Lucas 4). Jesus é o "messias" esperado pelos judeus (Mateus), é o "Filho de Deus" (Marcos), é aquele que veio resgatar e dar a vida (idéia presente nos quatro evangelhos), Jesus é aquele que perdoa e caminha junto com a comunidade (veja-se, por exemplo, o episódio dos discípulos de Emaús, ao final do Evangelho Segundo Lucas). Jesus é o "Verbo de Deus", é o "pão da vida" e a "luz do mundo" (idéias muito forte no Ev. Seg. João).
Ao mesmo tempo que pregador, Jesus foi EDUCADOR. Queria educar as pessoas que o ouviam para o perdão, a busca do Reino de Deus, a misericórdia, o desapego, a partilha, enfim para o AMOR sem limites. Ensinou com as palavras e com o próprio exemplo, até o final, na cruz e nas aparições finais, até sua ascensão, conforme apresentam as conclusões dos evangelhos e o início dos Atos dos Apóstolos.
Fazendo uso das palavras, Jesus gostava de contar estórias ilustrativas dos conteúdos reais que queria transmitir. Tais estórias são chamadas parábolas. Jesus sabia que a melhor maneira de atingir as pessoas simples e até as poderosas seria partindo de exemplos do dia-a-dia, entremeadas nessas parábolas. Falava de um Deus vivo tomando como ponto de partida a vida das pessoas.
Para falar do perdão de Deus e da necessidade de perdoar, Jesus fez uso da parábola do filho pródigo (em Lucas), o filho esbanjador que, arrependido, foi perdoado pelo pai. Para falar da palavra amorosa de Deus, lançada nos corações das pessoas, Jesus contou a parábola do semeador (por exemplo, em Mateus). Para falar do reino amoroso de Deus e de sua grandeza, comparou-o a uma pérola preciosíssima, pela qual um comprador de pérolas daria tudo. Isto mostra o quanto Jesus era uma excelente observador do cotidiano e das coisas simples da vida, além de excelente contador de estórias.
No mundo atual, Jesus tem muito a ensinar. É preciso redescobrir o contar de estórias e de histórias que falem da vida e dos conteúdos a ela ligados. É preciso ensinar por meio do exemplo de educador. Jesus, de fato, deu muitos exemplos ao longo do tempo em que pisou nos solos da Palestina. Gestos, atitudes e ações reais falam mais que mil palavras. É preciso resgatar a simplicidade no modo de ser, de agir, de tratar as pessoas, sem deixar de ser duro quando realmente é preciso, lembrando que Jesus o fez em vários momentos.
Jesus sabia parar para admirar os lírios dos campos e a ver neles uma beleza superior às vestimentas do próprio rei Salomão (veja-se no Sermão da Montanha, em Mateus). Quantas vezes, hoje, o corre-corre e as preocupações da vida impedem as pessoas de tirarem um certo tempo para contemplar a beleza das flores, dos pássaros e da natureza! A educação precisa resgatar essa "parada contemplativa"! Os exemplos de educadores e educadoras podem ajudar muito. A contemplação da natureza, a exemplo de Jesus, além de ajudar as pessoas a serem mais felizes (Cury, 2003: pp. 35-42), permite-lhes uma maior compreensão de outras pessoas e, conseqüentemente, de si mesmas (filosofia chinesa).
Além do jeito de falar, de se expressar, simples e profundo, as multidões acorriam a Jesus também porque falava com autoridade (vejam-se os evangelhos). Isto é, Jesus falava como conhecedor daquilo que estava falando, como alguém que, ademais, conhecia a vida das pessoas e suas necessidades profundas. Jesus não falava como fariseus e doutores da Lei, que apelavam para a autoridade de Moisés e da Lei mosaica ou de algum profeta. Jesus falava como alguém que tinha domínio do conhecimento da Lei, de outros textos sagrados e do conhecimento da vida, como Mestre. Assim era chamado, "Mestre" (Rabí, de acordo com os textos evangélicos).
Os mestres e as mestras de hoje precisam resgatar o caráter de autoridade em seu trabalho, não como alguém que domina as pessoas, mas como alguém que partilha com elas o conhecimento. Uma das atitudes necessárias a isto é a contínua renovação de seu aprendizado, do aprofundamento permanente de seus conhecimentos, do conhecimento dos livros e da vida, sabendo interpretá-la criticamente e deixá-la percorrer suas palavras. Isto não é fácil, porém é necessário que seja feito.
A realidade concreta em que se vive, no Brasil, é uma realidade de desvalorização do trabalho docente. Salários inadequados, reposições salariais mínimas, sobrecarga constante de trabalhos, pouco investimento na qualidade de vida e na formação profissional docente, por parte das autoridades, indisciplina estudantil, estresse e até mesmo a depressão, dentre outros males, levam professores e professoras freqüentemente a hospitais e clínicas de tratamentos.
Apesar de tudo, veja-se o modelo de Jesus. Ele viveu numa época em que a Palestina era dominada pelo Império Romano, que exercia um poder quase absoluto sobre a vida das pessoas, por reis e cobradores de impostos corruptos a serviço do império, uma realidade de fome e de doenças (vale lembrar aqui que Jesus fez muitos milagres, sinal de que havia muitos doentes). Realmente, apesar de tudo isso, Jesus tornou-se um contemplador da natureza, um mestre do amor verdadeiro, um mestre profundamente preparado, pois aprendeu a fazer a dupla leitura, a leitura da vida e a leitura dos livros - particularmente dos livros sagrados judeus, uma das fontes de aprendizagem nas escolinhas judaicas de seu tempo, e nas sinagogas.
Jesus foi, ao mesmo tempo, "simples como as pombas e sagaz [esperto, inteligente] como as serpentes". Na leitura da vida, também aprendeu a fazer a leitura dos atos, das palavras, dos gestos e até do modo de pensar das pessoas que o rodeavam. Por várias vezes, nos evangelhos, pode-se ver o quanto Jesus conhecia as autoridades que dispunham, em seu tempo, do poder civil e do poder religioso, poder de domínio sobre as pessoas. Tal conhecimento permitiu-lhe fugir, várias vezes, dos ardis, planos maléficos, de fariseus, saduceus e outros que dele não gostavam, pois perturbaba a ordem existente, a qual mantinha privilégios e controle social. Conhecia tão bem esse pessoal e, do mesmo modo, reis e imperadores, pois ouvira falar destes e sentira na pele, como seu povo, o poder exercido por eles, que chamou a atenção de seus discípulos - quando a mãe de dois deles (João e Tiago, irmãos) pediu para que os filhos pudessem sentar-se um à sua direita e outro à sua esquerda quando ele estivesse em seu trono - para que o poder de que dispusessem fosse o poder do serviço aos outros. E Jesus deu exemplo claro disso, lavando os pés de seus discípulos na última ceia.
Nos dias atuais, seguindo o conselho de Jesus de ser "simples como as pombras e sagazes como as serpentes", faz-se necessário, a professores e professoras, o conhecimento crítico e sagaz do mundo ao seu redor, das tramas do poder e de como elas emperram a vida de populações inteiras, incidindo diretamente sobre o trabalho educativo.
Jesus Educador era sensível às necessidades das pessoas. Em certa ocasião, vendo a multidão que queria ouvi-lo, sentiu compaixão, pois aquelas pessoas não tinham o que comer e Jesus temia que desfalecessem ao longo do caminho, na volta para suas casas. No entanto, só fez o milagre da multiplicação de pães e peixes depois que houve partilha, isto é, a colocação, em comum, de alguns pães e alguns peixinhos, da parte de seus discípulos. Com a partilha, o pouco se tornou muito, através da bênção de Jesus. No mundo atual, a fome é algo muito presente e incide, inclusive, sobre o trabalho escolar. Grandes parcelas da população mundial passam fome. Por falta de alimentos? Não, pois há muita produção de alimentos no mundo todo, basta olhar estatísticas (milhões e milhões de toneladas de alimentos produzidas anualmente) e observar o potencial e os recursos naturais e agrícolas mundiais. A fome é fruto de relações de poder e do jogo de interesses políticos e econômicos. A educação precisa estar atenta a questões desse tipo, tendo diante das vistas valores humanísticos fundamentais ao bem viver e às lutas em defesa do bem comum, a exemplo do Mestre.
Jesus é Mestre. Conhecer seu modo de ser, de viver, de interpretar a vida e a realidade do mundo, seu modo de agir, de perceber o mundo e de se expressar, com certeza, pode ajudar, imensamente, no trabalho educativo.
Na Idade Média, Aurélio Agostinho e Tomás de Aquino escreveram dois livros educacionais com o mesmo nome: "O Mestre" ou "Sobre o Mestre" (Em latim, "De Magistro"). Além de empregarem argumentos filosóficos na interpretação do ato de educar-aprender, tiveram diante de si a figura constante de Jesus, como se pode ver claramente nesses textos.

Fontes:
AGOSTINHO, Santo. O Mestre. Trad. de M. l'abbé Raulx. In: http://www.abbaye-saint-benoit.ch/saints/augustin/maitre/index.htm#_top
AQUINO, Santo Tomás de. Sobre o Mestre. Trad. de Maurílio J. O. Camello. In: http://www.lo.unisal.br/nova/graduacao/filosofia/murilo/Tom%E1s%20de%20Aquino.doc
CURY, Augusto. Coleção "Análise da Inteligência de Cristo" (5 volumes). Editora Sextante.
PAULUS. Bíblia de Jerusalém. Editora Paulus.
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia (vol. 1). São Paulo, Paulinas, 1990.


ERRATA:
No texto abaixo, de 09/06/08:
1) No título, onde está escrito "Técnicas...aplicadas no ensino...", escreva-se "Técnicas...aplicadas ao ensino...".
2) Na linha 18, onde está escrito "educadores-educando", escreva-se "educadores-educandos".
3) Na linha 40, "técnia" --> "técnica".
4) Na linha 51, "pde" --> "pode".

Nenhum comentário: