quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A CIÊNCIA MODERNA 1 (Prof. José Antônio Brazão.)

Nicolau Copérnico (1473-1543)

Um fato de grande destaque e importância no mundo europeu moderno foi o desenvolvimento de novas ideias científicas. Neste sentido, a astronomia e a física deram contribuições fundamentais, aliadas ao uso da matemática na definição e na compreensão de leis físicas e celestiais.

Falaremos aqui, de início, de Copérnico, astrônomo e matemático polonês que viveu entre 1473 e 1543. Ao estudar com profundidade o sistema geocêntrico aristotélico-ptolomaico e baseado em observações e cálculos, Copérnico percebeu nesse sistema uma série numerosa de epiciclos (círculos dentro das órbitas também circulares dos astros). Os epiciclos, no sistema geocêntrico constituíam-se numa forma de explicar os aparentes movimentos irregulares dos planetas, que pareciam ir e voltar, em suas órbitas, de tempos em tempos. Eram tantos epiciclos que a coisa tornou-se enfadonha, o que parecia demonstrar alguma irregularidade. Baseado em suas observações e cálculos, Copérnico percebeu que o centro do universo não era a Terra. Só poderia ser, portanto, o Sol. A Terra seria, pois, um planeta como qualquer outro, a realizar, aliás, dois movimentos: um de rotação, em torno de si mesma, e um de translação, ao redor do Sol. Ao fazer essa troca de lugares entre o Sol e a Terra, Copérnico percebeu que o novo sistema se harmonizava mais com as informações de que dispunha, cálculos e anotações de observações feitas. Na Wikipedia faz-se o seguinte comentário:

"A teoria do modelo heliocêntrico, a maior teoria de Copérnico, foi publicada em seu livro, De revolutionibus orbium coelestium ('Da revolução de esferas celestes'), durante o ano de sua morte, 1543. Apesar disso, ele já havia desenvolvido sua teoria algumas décadas antes. O livro marcou o começo de uma mudança de um universo geocêntrico, ou antropocêntrico, com a Terra em seu centro." ( http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Cop%C3%A9rnico)

A descoberta de Copérnico, com efeito, ao deslocar a Terra do centro, tirou também o homem desse mesmo centro, fato que trazia consigo uma verdadeira revolução científica. Copérnico desbancava, com a teoria heliocêntrica (Sol no centro do universo), um modelo de universo que tinha mais de mil anos - Aristóteles viveu no século IV a.C., Ptolomeu, no séc. II d.C., um modelo que era defendido pela Igreja Católica e por muitos astrônomos do tempo em que Copérnico viveu. Em outro texto já falamos a respeito do geocentrismo. Veja-se abaixo. Logo, as novas ideias copernicanas traziam consigo uma verdadeira "bomba"! Tempos depois, principalmente após a Reforma Protestante, a Igreja Católica radicalizou suas posições e acabou colocando o livro de Copérnico no Index Librorum Prohibitorum (Índice dos Livros Proibidos), uma lista de livros cuja leitura, estudo e ensino foram proibidos, dados os riscos doutrinais que continham.

Vale lembrar que, além de Aristóteles e Ptolomeu, a Bíblia, principal fonte da fé católica e cristã em geral, no livro de Josué, afirma que o Sol e a Lua pararam no momento de uma batalha entre os israelitas e tribos de Canaã, por meio da oração que Josué (líder israelita) fez a Deus. Ora, a Bíblia, de acordo com as doutrinas religiosas, é Palavra de Deus. Como contestar a Palavra de Deus? Seria inadimissível. E, de fato, a Igreja proibiu, como foi dito, o livro de Copérnico. No vídeo Cosmos, episódio três, que fala sobre Kepler, Carl Sagan afirma que também Lutero viu na teoria heliocêntrica copernicana uma fonte de erros, mantendo pois o geocentrismo, tendo como uma base de fundamentação a Bíblia.
O sistema heliocêntrico copernicano, curiosamente, mantém ainda as órbitas circulares. Por quê? Porque o círculo é uma figura matemática que lembra a perfeição, tendo em vista ter seu começo e seu fim em si mesmo. Observe-se um círculo: onde começa termina. Se formos buscar resquícios dessa crença na perfeição do círculo iremos recuar cerca de cinco a seis séculos antes de Cristo, até Pitágoras, um dos grandes matemáticos e pré-socráticos gregos. Sem dúvida, a perfeição do círculo admirava os pitagóricos e, posteriormente, Eudoxo (um dos discípulos de Platão), Aristóteles (também discípulo de Platão), Ptolomeu e os medievais.
A teoria heliocêntrica, posteriormente, veio a ser defendia por Galileu Galilei, italiano, e Johannes Kepler, alemão.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

OS PRIMÓRDIOS DO PENSAMENTO MODERNO (Professor José Antônio Brazão.)

Para se poder compreender com clareza e profundidade a filosofia moderna é preciso, antes de mais nada, situá-la no tempo histórico, num conjunto de acontecimentos que contribuíram para que ela surgisse.
Alguns acontecimentos, de fato, se destacam:
1) As grandes navegações e descobertas marítimas.
2) O desenvolvimento da imprensa por Gutenberg.
3) O Renascimento artístico e cultural.
4) O Renascimento científico.
5) A Reforma Protestante.
A partir de fins do século XV, uma série de descobertas marítimas foram feitas pelos europeus. O desenvolvimento da arte náutica, de fato, propiciou tais descobertas, auxiliadas por barcos maiores (naus), pela bússola, pelo astrolábio e o sextante aperfeiçoados e por outros instrumentos náuticos, como, por exemplo, mapas melhor elaborados e em maior quantidade.
A bússola, o astrolábio e o sextante permitiram que os navegadores fossem cada vez mais distante, se aventurando por caminhos e mares até então desconhecidos. No trecho seguinte de sua obra-prima, Os Lusíadas, Camões afirma que
Novos continentes, novas terras e novos caminhos para as Índias foram sendo descobertos. Juntamente com este fato, o massacre (genocídio), a escravização e o sofrimento de muitos povos, que foram dominados e subjugados pelos europeus.
Além das navegações, a Reforma Protestante trouxe mudanças profundas na forma de conceber a Deus, de ler a Bíblia e interpretá-la. O acesso a esta, da parte dos protestantes, foi-se alargando cada vez mais, a todos os que pudessem lê-la. A Reforma também trouxe o rompimento com um modelo religioso e formal, extremamente rigoroso, de celebrar. O culto simplificou-se.
Juntamente com a Reforma, da parte da Igreja Católica, o uso de três grandes instrumentos: o Concílio de Trento (1545), o Índice dos Livros Proibidos, A Inquisição. De acordo com a Encarta: “Inquisição, instituição judicial criada, na Idade Média, para localizar, processar e sentenciar às pessoas culpadas de heresia.” (Enciclopédia Microsoft® Encarta®. © 1993-2001 Microsoft Corporation.).
Agora, nos princípios da época moderna, a Inquisição foi fortalecida e recrudescida, a fim de dar efetivo combate a todos os que tivessem ideias contrárias às da Igreja Católica. No que diz respeito a livros cujas ideias fossem consideradas perigosas, estes iam para o Índice dos Livros Proibidos, isto é, uma lista, mantida pela Inquisição e pela Igreja, de tais livros. A crueldade da Inquisição foi enorme: torturas, fogueiras e tipos variados de sofrimentos impostos aos considerados hereges, culpados. Galileu Galilei, por exemplo, teve que prestar constas à Inquisição de suas ideias.
Outro fato de suma importância para que possa compreender o pensamento moderno foi o Renascimento Artístico, Cultural e Científico. As artes tomaram, nessa época, grande impulso, auxiliadas, de modo especial, por mecenas, pessoas que, dispondo de dinheiro ou de certa riqueza, podiam manter artistas e outros intelectuais sob seu apoio.
No que diz respeito à pintura, o uso da perspectiva, ou seja, da visão de fundo, e a tridimensionalidade, o uso da chamada “regra de ouro” de proporção, sendo cada parte encaixada de maneira diferente. Também na pintura e na escultura, a presença do classicismo e do naturalismo. O classicismo foi uma forma de encarar, com outros olhos, a arte, e tem esse nome porque se buscou nos clássicos gregos e romanos um novo referencial, não mais no mundo medieval. Além deste, o antropocentrismo, isto é, a colocação do homem no centro dos referenciais. Quanto ao naturalismo, este se refere ao fato de se apresentar a obra artística com tanto detalhe que parece uma cópia do original. A obra de arte era feita e apresentada nos mínimos detalhes, parecendo o original.
No que tange ao classicismo, a mitologia greco-romana esteve muito presente nas obras artísticas, tanto na pintura quanto na escultura, quanto em outras manifestações artísticas, como, por exemplo, na literatura. No tange à literatura, a obra-prima de Camões, citada acima, trabalha o tempo todo a presença e a ação dos deuses gregos durante a viagem de Vasco da Gama e dos marinheiros que com ele viajaram rumo às Índias e de volta a Portugal.
Curiosamente, no campo da literatura, escritores puseram muitas de suas obras no papel na própria língua: Camões em português, Cervantes em espanhol, Shakespeare em inglês, e assim por diante. No campo da filosofia, Descartes escreveu alguns de seus livros em francês, Locke em inglês e outros filósofos em suas respectivas línguas. Tal fato é notável, tendo em vista que mais pessoas poderiam ter acesso à leitura direta desses textos em suas próprias línguas e não em latim, como era costume até então.
Referências:
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/chaui.htm
http://www.mundodosfilosofos.com.br/moderno.htm
http://www.geocities.com/cobra_pages/filmod.html
http://www.wikipedia.org/

quinta-feira, 18 de junho de 2009

FILOSOFIA ESCOLÁSTICA (Prof. José Antônio Brazão.)

A Escolástica corresponde a um período da história européia que se inicia no século IX em diante e avança até o século XV, aproximadamente. Ela surgiu graças à existência de escolas monacais e catedrais e das primeiras universidades. Escolas monacais, como o nome indica, foram escolas que surgiram nos mosteiros. Escolas catedrais eram escolas anexas a igrejas catedrais. Esses dois tipos de escolas tinham por função básica preparar os membros do clero.
Havia também a formação de membros da nobreza e de funcionários dos governos. De acordo com a Webartigos:
“Foi durante o governo Carolíngio que a Europa atinge avanços significativos com a construção de vários mosteiros, abadias e conventos, também é criada a escola Palatina que mais tarde serve como referência para vários pontos da Europa. É sob o governo de Carlos Magno que surge o primeiro programa de educação e são trazidos vários religiosos da Europa, educando desta forma a nobreza. De acordo com Martins (2006):
Além de Alcuíno,vão trabalhar na corte imperial, Paulo Diacre, um italiano que trabalhou na corte da Lombardia; Teodulfo que traz de Espanha a riqueza da cultura moçoárabe, Scoto Eriúgena, o teólogo irlandês e por fim, o germano Eginardo. Freqüentavam esta escola o próprio imperador, os príncipes e os jovens da nobreza. Ao lado desta instrução e educação ministrada aos jovens da nobreza por eclesiásticos, a Idade Média oferece-lhes ainda uma educação militar e cortezã, educação à qual, desde cedo, a Igreja procurou também imprimir uma orientação religiosa e doutrinal.”
(In: http://www.webartigos.com/articles/4559/1/educacao-medieval-religiosa/pagina1.html)
Outra instituição educacional de fundamental importância, surgida durante a Idade Média, foi a universidade. A universidade, nas suas origens, era uma espécie de corporação de ofício entre professores e alunos, com fins de aprendizado, mas também de proteção e apoio mútuos. Ao redor de determinados professores, reuniam-se jovens que buscavam o aprendizado e o aprofundamento dos conhecimentos. A Igreja Católica, percebendo riscos doutrinais nessas associações, aos poucos e progressivamente ofereceu locais apropriados e estabeleceu regras para as universidades. Foi no interior daquelas escolas e das primeiras universidades medievais que foi-se gestando e tomando corpo a escolástica, cujo nome advém justamente de “escola”, numa referência clara àquelas instituições de ensino.
Os métodos de ensino usados nas escolas e nas universidades desse tempo: a lectio e a disputatio. A leitura, feita geralmente por um doutor, de conteúdos de aulas determinados, a exposição e explicação e o debate. Além disto, as disputas entre intelectuais de uma mesma área ou de áreas diferentes em torno de um determinado assunto também eram formas fundamentais de ensino. Havia disputas, inclusive, que faziam parte dos calendários em determinadas épocas do ano.
Uma parte do elenco das disciplinas ensinadas nas universidades concentrava-se no trivium e no quadrivium, isto é, nas chamadas sete artes liberais. A respeito delas, a Encarta apresenta o seguinte comentário:
Sete artes liberais, em educação, são os temas dos currículos antigo e medieval. As sete artes, tal como foram estudadas durante a Idade Média, tornaram-se conhecidas sobretudo graças aos trabalhos de Flávio Magno Aurélio Cassiodoro e São Isidoro de Sevilha. A atividade acadêmica medieval dividia-se em um trivium elementar e um quadrivium, mais avançado. O trivium abrangia a Gramática, a Retórica e a Lógica ou Dialética, e concedia o grau de diplomado ou graduado. O quadrivium compreendia a Aritmética, a Geometria (que englobava a Geografia e a História Natural), a Astronomia e a Música, e outorgava o título de licenciado em artes.”
(Enciclopédia Microsoft® Encarta®. © 1993-2001 Microsoft Corporation. Todos os direitos reservados.)
A preocupação, desde a Patrística, de estabelecer um vínculo entre teologia e filosofia, fazendo uso do instrumental teórico desta na defesa da fé, preocupação esta que permanece claramente na Escolástica. Ao longo desta, de fato, muitas obras surgiram, relacionadas, em boa parte, à fundamentação da fé por meio do uso do instrumental lógico e teórico da filosofia. Um dos grandes exemplos disto foi Tomás de Aquino (século XIII), que foi professor e um dos grandes teólogos e filósofos de seu tempo. Ele escreveu uma grande quantidade de obras, dentre as quais se destaca a Suma Teológica. Escreveu também outras sumas, tratados e comentários relacionados tanto à teologia quanto à filosofia. Em Tomás de Aquino e em seu mestre Alberto Magno houve grande presença da filosofia aristotélica.
Por esse tempo, com efeito, a filosofia aristotélica já se encontrava em grande divulgação dentro da Europa, nas escolas e, principalmente, nas universidades.O contato com traduções de filósofos e escritores da antiguidade, particularmente das obras de Aristóteles, se deu, de modo mais intenso, nessa época, graças ao contato com traduções árabes e outros textos, obtidos através do comércio, das cruzadas e de escolas do trabalho de tradutores e copistas, graças aos quais cópias de textos puderam ser trocadas, divulgadas, recopiadas e enviadas a instituições de ensino. Até mesmo dentro das escolas e universidades havia professores que, no preparo de suas aulas, ditavam para copistas o conteúdo destas, de tal modo que seus alunos pudessem ter acesso ao conteúdo ensinado. Provas disto são as sumas e os tratados teológicos e filosóficos desse tempo. Novamente mencionando, Tomás de Aquino fazia uso desse trabalho de copistas. Ele mesmo, como outros professores, também fazia suas anotações dos conteúdos de ensino.
Além de Aristóteles, Platão, outros filósofos gregos, filósofos e escritores romanos e filósofos árabes também fizeram parte dos traduzidos, discutidos e ensinados. Somam-se a eles os textos teológicos e filosóficos de Pedro Lombardo, Santo Agostinho e de outros santos e autoridades teológico-eclesiáticas medievais. A autoridade desses teólogos e filósofos aparece em citações feitas por professores e escritores escolásticos. No que diz respeito ao método de ensino escolástico, a Encarta também afirma:
“Um dos mais importantes métodos da escolástica foi o uso da lógica e do vocabulário filosófico de Aristóteles no ensino, na demonstração e na discussão. A instrução se realizava, igualmente, comentando textos de alguma autoridade inconteste, como era o caso das obras de Aristóteles, da Bíblia e dos Quatro livros de sentenças de Pedro Lombardo. Também se recorria à técnica da discussão por meio de debate público.”
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A citação de autoridades respeitadas e tidas em grande conta nos meios intelectuais daquele tempo reforçava e firmava a apresentação dos temas de estudos e debates. Ainda hoje pode-se ver um reflexo disto nas citações de autores e grandes pesquisadores em textos acadêmicos e livros, sinal de que a autoridade, de alguma forma, aparece. As citações de grandes estudiosos e pesquisadores permitem uma fundamentação científica dos trabalhos, seguramente.
Nos séculos que se seguiram, o perigo do uso inconteste da autoridade manifestou-se, como se verá ao falar da ciência renascentista, no rigorismo e na intransigência, na não aceitação de contestação, do questionamento e da dúvida.
Filosofia e teologia andavam juntas, porém, para muitos pensadores medievais, que sofreram influência do pensamento religioso oficial, a filosofia era um instrumento fundamental de defesa da fé, tendo esta preeminência sobre aquela. Na escolástica essa preeminência também, sem dúvida, se fez presente. Houve textos que bateram diretamente de frente contra heresias, filósofos e pensadores cujas ideias não condiziam com o pensamento religioso oficial. Por exemplo, contra a eternidade do mundo, ideia que se opunha diretamente ao ensino da criação do mundo por Deus. A Suma Contra os Gentios, de Tomás de Aquino, é um exemplo daqueles textos.
Uma das questões candentes do pensamento filosófico medieval foi a QUESTÃO DOS UNIVERSAIS. Bryan Magee a resume da seguinte maneira, ao falar de Pedro Abelardo (1079 – c. 1142), filósofo e teólogo francês, um dos grandes mestres de seu tempo:
“Na filosofia, os escritos mais interessantes de Abelardo tratam do problema do que chamamos universais, termos como ‘vermelho’ ou ‘árvore’ que podem ser aplicados exatamente do mesmo modo a um número infinitamente amplo de objetos diferentes. Esses termos denotam algo que existe em si mesmo ou não? Platão dissera que que sim, que existe uma Forma Ideal de vermelhidade/vermelhidão e que a vermelhidade particular de cada objeto particular de cada objeto vermelho individual é uma cópia ou reflexo dela, embora imperfeita. Aristóteles o negara: existem, é claro, objetos vermelhos, disse ele, mas a vermelhidade não é algo que exista separadamente e à parte dos reais objetos vermelhos que existem. A primeira dessas duas posições, a mais platônica, ficou conhecida como ‘realismo’, porque afirmava que os universais têm uma existência real. A segunda e mais aristotélica ficou conhecida como ‘nominalismo’ por sustentar que os universais são nomes úteis para certas características, mas não coisas que existem em si mesmas. O debate entre realistas e nominalistas tornou-se uma das disputas constantes da filosofia medieval, em parte porque se tratava de uma questão de genuína dificuldade, e em parte porque possuía sérias implicações para a teologia – por exemplo, a natureza da Trindade. Abelardo foi sofisticado e moderado nominalista; mas o problema ainda não foi resolvido para satisfação geral, e, embora não usemos mais a terminologia medieval, ainda estamos lutando com ele.” (Magee, 2001: pp. 57-58)
O problema ou questão dos universais teve, como se pôde ver no comentário de Magee, origem nos textos da antiguidade grega – o texto de Magee faz referência direta a Platão e Aristóteles – e praticamente atravessou boa parte do pensamento filosófico e das discussões medievais. É um problema que, como se pode ver, envolve o uso da linguagem no uso, na definição e na compreensão dos termos. O nome ‘universal’ lembra justamente uma ampla gama de indivíduos aos quais pode se referir um termo. Mas, principalmente, se refere à existência em si desse termo (Magee cita o termo vermelhidade/vermelhidão), da ideia ou do conteúdo contido nele. O universal existe por si, ou seja, tem existência própria, enquanto Forma, nos termos de Platão e como defendiam os realistas, ou é apenas um nome para se referir a uma característica universal abstraída dos seres, como acreditavam os nominalistas? O fato é que com essa questão muitos debates medievais foram aquecidos, com intelectuais defendendo um lado ou outro. Para ajudar a clarear o entendimento a respeito da influência de Platão e de como ele via as ideias, veja-se aqui, neste blog, um dos textos publicados que tratam da filosofia na antiguidade, publicado anteriormente, e que se refere a Platão. Também leia-se o que se refere a Aristóteles.
Dentre os filósofos mais estudados na filosofia escolástica, como já se mencionou anteriormente, encontra-se Aristóteles de Estagira. A redescoberta, as traduções e a divulgação dos textos deste filósofo grego trouxeram novas perspectivas no modo de explicar e de entender o pensamento filosófico e teológico do mundo medieval. Um pequeno exemplo disto, pode-se ver nas provas da existência de Deus de Tomás de Aquino, presentes logo no início da Suma Teológica. Por exemplo, dentre elas, a que fala do Primeiro Motor: tudo encontra-se em movimento, um ser tem o seu movimento ou sua existência em outro, que é seu motor. Na busca dos seres que põem outros em movimento há duas possibilidades: ou se apela para uma busca infindável dos motores, o que seria absurdo, ou se aceita que há um Primeiro Motor, que não seria movido por nenhum outro, o qual seria Deus. Uma outra prova é a das causas, que segue o mesmo raciocínio, indo até a Causa Primeira, não causada: Deus. Esse tipo de raciocínio foi usado por Aristóteles (veja-se, por exemplo, na Física, na Metafísica e no Órganon). A diferença, aqui, é que, além de Aristóteles, a outra e principal autoridade é a Bíblia. O livro do Gênesis, por exemplo, logo no seu início, fala de um Deus criador de todas as coisas, inclusive dos seres humanos (Gênesis 1 – 3).
Anselmo de Cantuária, Boaventura, Tomás de Aquino e outros também fizeram largo uso de Santo Agostinho, cujas idéias filosóficas e teológicas sofreram grande influência de Platão. Como se vê, o pensamento do período chamado “medieval” tem grande imbricação com a antiguidade. Querer entender o pensamento medieval sem se fazer referência à antiguidade é entrar em anacronismo e perder um dos grandes fundamentos daquele mesmo pensamento.
REFERÊNCIAS:
Enciclopédia Microsoft® Encarta®. © 1993-2001 Microsoft Corporation.
MAGEE, Bryan. História da Filosofia. 3.ed. São Paulo, Loyola, 2001.
REZENDE, Antônio (Org.). Curso de Filosofia para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação. 13.ed. Rio de Janeiro, Zahar, 2005.
http://www.webartigos.com/articles/4559/1/educacao-medieval-religiosa/pagina1.html

sexta-feira, 24 de abril de 2009

A PATRÍSTICA. Prof. José Antônio Brazão.

Nos primeiros séculos da era cristã, o contato com o pensamento e a filosofia gregos ocorreu frequentemente. Só para se ter uma idéia, o Novo Testamento, isto é, o conjunto dos livros sagrados relativos ao cristianismo contidos na Bíblia, foi escrito em grego, língua utilizada na comunicação em várias partes do Império Romano, naquela época.
Nos Atos dos Apóstolos (quinto livro do Novo Testamento), Paulo apóstolo teve contato com filósofos no Areópago, durante uma passagem dele pela cidade de Atenas, na Grécia. Interessados no conhecimento da doutrina que Paulo professava, aqueles homens deram-lhe a palavra. Paulo iniciou comentando a respeito da religiosidade do povo grego, que tinha altares para as mais diversas divindades, inclusive para o Deus desconhecido. Falou-lhes, então, a respeito desse Deus e de Jesus Cristo, porém, ao tocar na ressurreição deste, vários dos presentes foram saindo.
Paulo dedicou-se à pregação aos gentios, isto é, aos povos que não eram judeus, boa parte dos quais falavam grego ou se comunicavam através dessa língua. Também escreveu cartas, várias hoje contidas no Novo Testamento, escritas em grego.
À medida em que o tempo foi passando, ainda no primeiro século da era cristã, houve a necessidade passar por escrito informações a respeito da figura de Jesus Cristo. Surgiram, então, os evangelhos, os quais foram escritos em grego (talvez o de Mateus tenha sido escrito em aramaico, porém logo traduzido para o grego). Curiosamente, no Evangelho Segundo João, Jesus aparece como o VERBO de Deus que se fez carne e habitou entre os seres humanos. A palavra “verbo”, aqui utilizada, vem do latim, porém, na língua original do texto, ou seja, a língua grega, é LOGOS, palavra esta que tem alguns significados: palavra, discurso, razão. Jesus é, pois, a Palavra (a Razão, o Discurso) de Deus feito carne.
A palavra “logos” aparece na filosofia, designando, basicamente, a razão ou o pensamento racional. A razão é uma capacidade inerente ao homem e que lhe permite investigar e conhecer a natureza, seja a do mundo, seja a da realidade humana. Inclusive, a passagem do pensamento mítico ao pensamento filosófico é também chamada passagem do mito ao logos, aqui designando o pensamento racional próprio da filosofia. É claro que tal passagem foi paulatina e progressiva. Em razão de tratar-se, aqui, do pensamento medieval, voltar-se-á a ele.
A partir do século II da era cristã, particularmente, cristãos que tinham uma certa formação intelectual realizaram um esforço de compreensão do mistério contido na mensagem cristã, fazendo, para tanto, uso do instrumental oferecido pela filosofia grega. Esses cristãos são chamados “Padres da Igreja”. Patrística é o nome utilizado para designar esse grupo de cristãos, boa parte dos quais, mais que filósofos, foram teólogos, no sentido de estudiosos e intérpretes do pensamento cristão.
A partir daí, se pergunta: pode-se falar de uma “filosofia cristã”? Se se entender por “filosofia cristã” um estudo puramente racional do pensamento cristão, então não se pode fazer uso dessa expressão, pois a finalidade era, em grande parte, teológica. Contudo, se se entender como uma reflexão que busca apoio e instrumental de compreensão no pensar filosófico grego para o entendimento da fé cristã e como um pensar reflexivo, profundo e muito rigoroso sobre os alicerces da fé cristã, aí sim.
Dentre os pensadores da Patrística, destacam-se: Irineu (140? – 202 d.C.), Clemente de Alexandria (150 – 215? d.C.), Tertuliano (160 – 220 d.C.), Jerônimo (345 – 419 d.C.), dentre outros. Mas o mais destacado foi, sem dúvida, Aurélio Agostinho (354 – 430 d.C.). Antes de se tornar cristão, Agostinho foi professor de retórica, leu, dentre outros, Cícero (filósofo romano, 106–43 a.C.), que despertou-lhe um interesse vivo pela filosofia, e conheceu algumas correntes filosóficas, como o ceticismo, o maniqueísmo e o neoplatonismo. Esse contato com a filosofia é bem retratado em sua obra mais conhecida, as Confissões, na qual fala de sua vida passada e de seu processo de conversão ao cristianismo.
Agostinho fez um esforço de aliar à fé cristã o pensamento filosófico platônico e neoplatônico. Do platonismo e do neoplatonismo, por exemplo, Agostinho sofreu influência sobre a teoria da iluminação da alma. De acordo com ele, a alma recebe de Deus a iluminação necessária à busca da verdade, sendo ensinada pelo Mestre Interior – Jesus Cristo ou a própria Santíssima Trindade. Os homens fazem uso das palavras e dos sinais na transmissão de ideias, mas quem ensina verdadeiramente é o Mestre Interior.
Outra influência pensamento platônico aparece em “A Cidade de Deus”, na qual fala de duas cidades: a Cidade de Deus e a cidade dos homens. Na primeira, o empenho individual e coletivo de seus habitantes em viver, de forma íntegra, a fé cristã, na outra, o pecado adentra e se faz presente nos corações dos homens que ali vivem, preocupados com seus próprios interesses, de forma egoísta, que se deixam levar por seus impulsos carnais. A Cidade de Deus é, portanto, uma cidade ideal. Vale lembrar que, em “A República”, Platão fala de uma cidade-Estado ideal, na qual cada um faria sua parte em busca do bem coletivo – os filósofos governando descente e sabiamente, os guardiões protegendo devidamente e os demais membros trabalhando pelo desenvolvimento e o bem estar da cidade. Além do pensamento platônico, a influência do pensamento neotestamentário da nova Jerusalém, salva e edificada por Deus (Apocalipse cap. 21 e 22). Agostinho era eminentemente cristão!
Um outro filósofo dessa época foi Boécio (Anício Mânlio Torquato Severino Boécio), “filósofo, estadista e teólogo romano” (Wikipédia; também na Encarta). Foi tradutor e comentarista de textos filosóficos, por exemplo, de Porfírio e de Aristóteles. De acordo com a Wikipédia: “Enquanto aguardava sob prisão a execução, escreveu De Consolatione Philosophiae (Do Consolo pela Filosofia), obra que versa, entre outros temas, o conceito de eternidade e na qual tenta demonstrar que a procura da sabedoria e do amor de Deus é a verdadeira fonte da felicidade humana. Membro de uma família ligada ao então nascente cristianismo, é considerado pela Igreja Católica Romana, pelo seu contributo para a teologia cristã e pelos serviços que prestou aos cristãos, um mártir e um dos Padres da Igreja.” (www.wikipedia.org/wiki/Bo%C3%A9cio). Sua influência reaparece, por exemplo, na discussão medieval a respeito dos medievais, que será apresentada em outro texto.
FONTES:
AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo, Victor Civita, s/d. (Os Pensadores)
REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo, Paulinas, 1990. (Vol. 1)
www.wikipedia.org/wiki/Bo%C3%A9cio

terça-feira, 3 de março de 2009

O UNIVERSO SEGUNDO OS MEDIEVAIS. Prof. José Antônio Brazão.


De acordo com a visão predominante no mundo medieval, o universo (cosmos) seria geocêntrico, isto é, teria a Terra em seu centro. Os astros, inclusive o Sol e as estrelas, girariam ao redor da Terra em órbitas circulares. A sequência seria: Terra (no centro), Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter, Saturno e a esfera das estrelas fixas. Os planetas Urano e Netuno não eram ainda conhecidos.

O geocentrismo aparece, por exemplo, entre os pitagóricos (séc. VI a.C. em diante). Eudoxo de Cnido e Aristóteles de Estagira, ambos do século IV a.C. e discípulos de Platão, tinham também proposto o geocentrismo. No século II da era cristã tal sistema foi aperfeiçoado por Cláudio Ptolomeu, "astrônomo e geógrafo grego que trabalhou em Alexandria" (Enciclopédia Ilustrada Folha, vol. 2, p. 805), que acrescentou epiciclos (círculos menores dentro das órbitas).

Além desses pensadores, os medievais encontraram outra fundamentação para o geocentrismo na própria Bíblia Sagrada judaico-cristã. De fato, nos livros bíblicos de Josué (cap. 10) e de Isaías (cap. 38, versículos 7 e 8) fala-se do movimento de astros celestiais. No primeiro texto, o movimento do Sol e da Lua. No segundo, o do Sol.

No caso do livro de Josué, especificamente, a menção do movimento se dá no momento de uma batalha. O texto diz claramente: "Então Josué falou ao Senhor, no dia em que o Senhor deu os amorreus na mão dos filhos de Israel, e disse ao olhos dos israelitas: Sol, detém-te em Gibeão, e tu, lua, no vale de Aijalom. E o sol se deteve, e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos. (...) O sol, pois, se deteve no meio do céu, e não se apressou a pôr-se, quase um dia inteiro." (Josué, capítulo 10, versículos 12 e 13, tradução de João Ferreira de Almeida).

Ao assinalar a parada e, depois, a retomada da trajetória normal do sol e da lua, o texto bíblico deixa clara a existência de um movimento desses astros, possibilitando entrever que tal movimento ocorre em torno da Terra, que estaria parada no centro do universo, reforçando assim a teoria do geocentrismo medieval. Ora, a Bíblia, considerada Palavra de Deus, logo verdadeira, não poderia ser contestada. A Igreja, portanto, defendia rigorosamente o geocentrismo, afirmava-o e o ensinava.

O universo seria dividido em duas partes básicas: o mundo sublunar, que corresponderia à Terra, e o mundo supralunar, correspondente à lua e aos demais astros que giravam em torno da Terra circularmente.

O mundo sublunar, sujeito ao devir (vir-a-ser, transformação, movimento) constante, seria composto por quatro elementos: terra, água, ar e fogo, os quais se encontrariam num processo contínuo de agregação e desagreação, na formação e decomposição de corpos e seres. Na Terra habita o ser humano, figura máxima da Criação (veja-se o livro bíblico do Gênesis, capítulos 1 e 2). O mundo supralunar, não sujeito a transformações, seria composto pelo éter, um elemento cristalino, invisível e incorruptível. As estrelas estariam fixas em uma órbita final, como numa abóbada. Daí sua esfera ser chamada de "esfera das estrelas fixas".

Para além do universo, a habitação de Deus. Inexiste, nesse universo, o vácuo. O éter, inclusive, preencheria os espaços entre as órbitas ou esferas celestiais. Deus põe em movimento o universo, de fora para dentro, o qual iria reduzindo gradativamente, até chegar à Terra, parada no centro.
Eis o que diz a Encarta: "No século II d.C., Cláudio Ptolomeu propôs um modelo de universo com a Terra no centro. Cada corpo celeste girava em um pequeno círculo denominado epiciclo, centrado em um ponto que girava, por sua vez, ao redor da Terra em um grande círculo denominado deferente. O modelo representava os movimentos dos corpos celestes de forma bastante precisa, mas não oferecia uma explicação física deles. O modelo de Ptolomeu foi aceito durante mil anos." (Enciclopédia Microsoft® Encarta®. © 1993-2001 Microsoft Corporation.)
Pode-se dizer, na verdade, que esse sistema foi aceito até o século XVI da era cristã, quando veio a ser proposto, por Copérnico, o sistema heliocêntrico. Portanto, mais de mil anos.
Curiosamente, a forma das órbitas é circular. Desde a antiguidade, o círculo era visto como uma figura geométrica perfeita, tendo seu início e fim em si mesmo. Outra curiosidade, o número 7 (sete), também considerado, desde a antiguidade, como símbolo da perfeição, fruto da soma de 3 (três) mais 4 (quatro). O número três indica uma união completa, perfeita. Três pessoas, dando-se as mãos, todas tocam as demais, por exemplo. O número quatro lembra os quatro pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste), dando sinal de uma completude espacial. O sistema ptolomaico é composto de sete esferas que giram em torno da Terra, em círculos!
Fontes:
Enciclopédia Microsoft Encarta.
Enciclopédia Ilustrada Folha.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O MUNDO E A CULTURA MEDIEVAIS Parte 2 (Prof. José Antônio Brazão.)

Jerusalém na época das Cruzadas

Outra forma de contato entre os europeus e os árabes foi através das cruzadas, que foram expedições militares de cristãos da Europa em direção, principalmente, à Terra Santa, com o objetivo religioso de libertá-la do domínio islâmico. Ocorreram entre os séculos XI e XIII, num total de nove (http://pt.wikipedia.org/wiki/Cruzada). Além de motivações religiosas, outras foram o saque, a pilhagem, a obtenção de riquezas, o domínio de áreas, o poder político, econômico e religioso. Em meio a essas guerras, o contato com a religião e, especialmente, com a cultura muçulmana. Aqui, além de riquezas obtidas, o contato com textos, com a arte e com o pensamento de islamitas e de obras de outros povos aí presentes, como, por exemplo, textos gregos e outros da antiguidade.

No que diz respeito à arte, dois estilos arquiteturais se destacaram: o românico e o gótico. Nas construções românicas, a presença marcante dos arcos, e, nas góticas, da ogiva (forma ogival). É interessante notar, a nível de pintura, a presença de afrescos, isto é, pinturas feitas diretamente nas paredes, e de vitrais. No caso das igrejas, ali eram retratadas passagens bíblicas, figuras do céu, do inferno e do purgatório, figuras e imagens de santos e santas da Igreja Católica, dentre outras, com a finalidade de auxiliar na catequização e no aprendizado religioso das pessoas, tendo em vista que a maioria era analfabeta.
Os desenhos e as pinturas, de fato, auxiliavam analfabetos e não analfabetos na visualização e na memorização de idéias e valores religiosos que eram transmitidos pelos padres, que detinham nas mãos o conhecimento religioso e intelectual da Europa medieval. No mundo bizantino, que se formou a partir do Império Romano do Oriente, um bom exemplo disto também são os ícones.
Desenhos e pinturas também se encontram presentes em figurações da vida do dia-a-dia, de reis e rainhas e de batalhas, na forma de afrescos, iluminuras de livros e outras, possibilitando, ainda hoje, uma visualização de como era a vida naquela época. Esse material também contribui para uma maior compreensão do modo de compreender e explicar o mundo e do próprio processo ou modo de viver das pessoas naqueles tempos.

O MUNDO E A CULTURA MEDIEVAIS (Prof. José Antônio Brazão.)

Nos primeiros séculos da era cristã, o Império Romano dominava vastas regiões da Europa, parte da África, da Ásia e do Oriente Médio. No entanto, pouco a pouco, esse mesmo império foi entrando em decadência. Os motivos desta são vários: corrupção, necessidade contínua de proteção das fronteiras frente a inimigos, aumento constante de impostos, retirada de agricultores da terra para servir os exércitos, provocando, com isto, falta de mão-de-obra no campo, redução do número de escravos em razão da redução no alargamento de fronteiras e de conquistas, conflitos internos pelo poder e as invasões bárbaras, que, cada vez mais, foram minando o império e dando-lhe, enfim, o golpe de misericórdia.
No século IV a.C., o imperador Constantino, o Grande, através do Edito de Milão (313), concedeu liberdade de culto ao cristianismo e deu reconhecimento à Igreja Católica Apostólica Romana. Com isto, o cristianismo foi-se institucionalizando, com doutrinas, normas e regras próprias de vida. O Império Romano, por sua, vez, cindiu-se em dois: Império Romano do Ocidente, com sede em Roma, e Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla: “Teodósio I reunificou o Império pela última vez. Após sua morte, Arcádio se converteu em imperador do Oriente e Honório, em imperador do Ocidente. Os povos invasores empreenderam gradualmente a conquista do Ocidente. Rômulo Augústulo, último imperador do Ocidente, foi deposto no ano de 476. O Império do Oriente, também denominado Império Bizantino, perduraria até 1453.” (Enciclopédia Microsoft® Encarta®. © 1993-2001 Microsoft Corporation.)
Com a queda do Império Romano do Ocidente a única estrutura que ficou totalmente de pé foi, justamente, a Igreja Católica. Ademais, ao longo dos séculos anteriores e nos seguintes, a Igreja vinha e continuou trabalhando no sentido de também converter os povos bárbaros. E, no decurso dos séculos que estariam por vir, a Igreja conseguiu manter sua estrutura, por meio de uma hierarquia (papa, cardeais, arcebispos, bispos, padres e leigos/fiéis), de sua influência religiosa e política, de suas regras e do apoio de reis e nobres a ela convertidos ou dela já participantes.
Nos campos intelectual e educacional a Igreja exerceu papéis importantes, como a preservação da cultura antiga (veja-se, por exemplo, abaixo, o comentário sobre os copistas medievais), a disseminação do pensamento e de valores cristãos, a formação do clero e de pessoas que auxiliariam líderes e chefes de Estados, a formação de escolas monacais, catedrais e, posteriormente, das primeiras universidades européias. No que diz respeito ao trabalho com a população, particularmente quanto ao serviço aos empobrecidos, o trabalho de ordens religiosas, destacando-se os beneditinos (séc. VI em diante), os dominicanos (séc. XIII em diante), que deram especial ênfase à pregação, e os franciscanos (início do séc. XIII em diante), a exemplo de seu fundador Francisco de Assis (1182-1226).
No século VI, um fato de fundamental importância foi o surgimento da religião muçulmana, através de Maomé (570-632) e de seus seguidores. O islamismo foi, progressivamente, se difundindo por toda a Arábia e, daí, para outras regiões do Oriente Médio, da África e da Ásia, até chegar à Europa, por meio da conquista de boa parte da Península Ibérica. Os muçulmanos também fizeram comércio com a Europa. Junto com esta atividade, a divulgação de textos inéditos de filósofos gregos e antigos, além de comentários e textos de filósofos islâmicos. Fundaram escolas e centros de estudos, contribuíram para o desenvolvimento da medicina. No que diz respeito a esta última, a Encarta afirma que: “Conseguiram elevar significativamente os valores profissionais, insistindo em examinar os médicos antes da licenciatura. Introduziram numerosas substâncias químicas terapêuticas, foram excelentes nos campos da oftalmologia e da higiene pública e superaram, com competência, os médicos da Europa medieval cristã.” (Enciclopédia Microsoft® Encarta®. © 1993-2001 Microsoft Corporation.).
Além da medicina, o desenvolvimento da alquimia e da matemática, com um sistema numérico que até hoje faz parte do mundo ocidental e geral, bem como da astronomia, com observações dos astros e catalogações de estrelas. O texto sagrado dos muçulmanos é o Alcorão ou Corão, que contém ensinamentos e normas básicos para a vida pessoal, familiar e até mesmo política dos muçulmanos.
A nível filosófico, os árabes tiveram um papel fundamental, que foi o de divulgação de textos filosóficos inéditos dos gregos, dentre os quais de Platão e Aristóteles. Como conseguiram esse material e contribuíram para difundi-lo? Duas das formas de obtenção foram o comércio e as invasões, que permitiram o contato com povos da Europa, da Ásia e do Norte da África. No Norte da África, por exemplo, Alexandria, que, na antiguidade, dispunha de uma formidável e famosa biblioteca e que foi um centro de disseminação de idéias. De acordo com Carl Sagan, uma forma que os alexandrinos acharam para aumentar o número dos livros de que dispunham foi a cópia de documentos e textos que se encontravam em navios que ali ancoravam (Série Cosmos, episódio 1). O contato com outros centros comerciais, na Europa e na Ásia, com certeza, também possibilitou o contato cultural dos árabes com novas idéias, dentre as quais a filosofia grega. Por sua vez, seu contato contribuiu para o espalhar de novas idéias no mundo europeu. A bagagem cultural por eles trazida, juntamente com a cultura que se encontrava nas bibliotecas de mosteiros, escolas catedrais e outras, possibilitaram um ampliar da visão e do enriquecimento culturais do mundo medieval europeu.