COMANDO DE
ENSINO POLICIAL MILITAR
CEPMG -
VASCO DOS REIS
Divisão de
Ensino / Coordenação Pedagógica
TERCEIRO BIMESTRE
AULA 25 DE FILOSOFIA DOS PRIMEIROS ANOS:
O SISTEMA GEOCÊNTRICO EM “OS
LUSÍADAS” DE CAMÕES:
(Prof. José Antônio Brazão.)
Os
Lusíadas, grande poema de Luís Vaz de Camões (1524 – 1580) que conta,
poeticamente, a história da viagem de Vasco da Gama, com sua frota, até as
Índias, contornando os mares que ficam ao Sul da África até chegar àquela
região, onde fariam negócios e trocas, na busca de riquezas e glória. Lusíadas
ou lusitanos são os portugueses. O poema faz uma mescla entre fatos históricos
e mitologia – ação de deuses e deusas greco-romanos, muito comum na era do
Renascimento artístico-cultural europeu. O texto a seguir faz parte do CANTO X,
que trata do retorno dos portugueses, com Vasco da Gama, para Portugal. Para
descansarem, param na Ilha da deusa grega Tétis, uma divindade dos mares.
Vejamos o momento em que ela convida Vasco da Gama e alguns com ele para
subirem a um monte, em cujo cume viriam a ter uma verdadeira aula a respeito da
composição do universo (cosmos) tal como se cria em muitas partes da Europa: o
universo geocêntrico e fechado. O vocabulário é o daquele tempo (séc. XVI).
Eis
o texto (os números correspondem a estrofes do canto X de Os Lusíadas, de
Camões):
“(75)Despois que a corporal necessidade
Se satisfez do mantimento nobre,
E na harmonia e doce suavidade
Viram os altos feitos que descobre,
Téthis, de graça ornada e gravidade,
Pera que com mais alta glória dobre.
As festas deste alegre e claro dia,
Pera o Felice Gama assi[m] dizia:”
Explicação
do Prof. José Antônio: Depois de
terem se alimentado e festejado, após tantas façanhas (feitos e relatos de
viagem e outros), Tétis, uma das deusas dos mares, que havia recebido os
navegantes portugueses em sua ilha, dirige-se a Vasco da Gama (o capitão-mor da
esquadra), no que viria a ser um convite à subida ao monte, como se verá a
seguir. Tétis estava muito bem ornada e arrumada, com certa seriedade
(gravidade).
“(76) – Faz-te mercê, barão, a Sapiência
Suprema de, cos olhos corporais,
Veres o que não pode a vã ciência
Dos errados e míseros mortais.
Sigue-me firme e forte, com prudência,
Por este monte espesso, tu cos mais.
Assi[m] lhe diz e o guia por um mato
Árduo, difícil, duro a humano trato.”
Explicação
do Prof. José Antônio: Mercê é um
favor, um benefício. No caso, um benefício dado pela Sapiência Suprema, isto é,
DEUS. Qual benefício ou prêmio? De ver, com os olhos corporais (os olhos do
corpo) o que a ciência fraca e passageira (vã) dos seres humanos, seres
errados, imperfeitos, miseráveis (míseros) e mortais, não pode oferecer (a
visão do que viriam a ver no alto do monte). Tétis pede que Vasco da Gama e os
que com ele estavam a sigam, firme e forte, com prudência (com cuidado), na
subida de um monte certamente pedregoso e espesso (grosso) por conta do mato
que o rodeava. E assim foram subindo, guiados por Tétis, por um mato (um
matagal) árduo (cansativo...), difícil de atravessar, duro ao modo humano de
tratar, de lidar. Uma subida exigente e difícil. (Para aprender e descobri algo
novo é preciso subir montes de difícil trato! Aprender não é uma tarefa fácil,
como se vê nessa subida, mas a recompensa é certa, como se verá a seguir.)
“(77) Não andam muito que no erguido
cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfície, claramente.”
Explicação
do Prof. José Antônio: Depois de
terem enfrentado uma subida difícil e atravessado um mato de difícil trato,
guiados por Tétis, os convidados chegam ao cume (alto) do monte, vendo aí um
campo muito bonito, cheio de pedras preciosas, tão bonito que parecia chão
divino (vale lembrar: Moisés, ao ver a sarça ardente, num monte, pisou em solo
sagrado também, divino, lá no livro bíblico do Êxodo). O lugar era bonito para
valer! Valeu tanto esforço! A seguir, a deusa Tétis projeta um globo luminoso
no ar (semelhante, hoje, ao holograma), atravessado por uma luz (lume)
claríssima, de tal modo que se podia ver (está evidente) tanto o centro quanto
a superfície do globo. João Manuel Mimoso diz: “Tétis guia Vasco da Gama por um
caminho árduo que talvez simbolize a ignorância que há a vencer para atingir o
Saber.” (Em: https://www.inverso.pt/lusiadas/m%E1quina.htm ) Mais adiante faremos, também uma comparação com a
saída do prisioneiro livre da caverna, na Alegoria da Caverna, de Platão
(República, livro VII).
“(78) Qual a matéria seja não se
enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem
posto.
Volvendo, ora se abaixe, agora se erga,
Nunca s’ergue ou se abaixa, e um mesmo
rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,”
Explicação
do Prof. José Antônio: A matéria de
que era composto o globo não se enxergava (não se podia exatamente saber).
Porém, os visitantes viram, para além da transparência, que o globo era
composto por orbes (globos menores representando os astros), sustentados pela
verga (sustentação... [ao pé da letra, “pau apoiado ao mastro” que segura cada
vela do barco – Wikipédia, verbete Verga]) composta por Deus (Divina verga). Em
resumo: Camões fala da sustentação do universo que é feita por algo a que ele
compara com cada verga presa ao mastro de um navio. A matéria não visível quer
dizer que o globo é transparente, permitindo ver dentro dele, com os orbes
(astros celestiais). Camões compara com um rosto. O rosto do universo é o
mesmo: é redondo, dispõe de movimento (o movimento dos astros ao redor da
Terra, no caso). Feito por divina arte – pelo trabalho de Deus (o universo
maior) e por Tétis (a projeção que estavam vendo). Olhando para os céus,
pode-se ver que cada orbe se move sempre seguindo o seu curso, regularmente,
sempre o mesmo, em círculos e epiciclos (mais adiante serão explicados), todos
os orbes girando em torno do mesmo centro (a Terra), não se erguendo nem se
abaixando como ocorre com as velas de um navio em momentos de falta ou presença
de vento(s).
“(79) Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: - «O transunto,
reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.”
Explicação
do Prof. José Antônio: Eis como João
Manuel Mimoso comenta: “em si sustido-
funcionando por si só, sem intervenção externa (mas talvez se refira
simplesmente ao facto do globo estar suspenso no ar, sem apoio externo); qual... o Arquétipo que o criou- igual
à imagem mental (arquétipo) ou plano divino segundo o qual foi criado (a
maiúscula é usada por de tratar de um plano de Deus); transunto- cópia, modelo.” (João M. Mimoso. Site citado.) Explico
(Prof. José.): O globo luminoso, projetado no ar pela deusa Tétis, é
uniforme (tem uma forma única em todos os lados – de fato, o círculo ou um
globo é uniforme, não tem quebras). Tem funcionamento próprio: o universo segue
leis naturais estabelecidas por Deus. O modelo (transunto, no português antigo)
em tamanho pequeno (reduzido) representa o Mundo (o universo geocêntrico) que
se vê quando se olha para cima. “(...)pera que vejas Por onde vás e irás e o
que desejas”: curiosamente, vale lembrar que os céus noturnos (com as estrelas
e constelações) e até diurno(com a posição do Sol) permitiam, de fato, a
navegação (ir e vir – “vás e irás”) e era objeto da astrologia (que lida com os
desejos humanos de ligação com o mundo, as previsões, etc.). [Hoje, é claro, a
astrologia é uma pseudo-ciência.]
“(80) «Vês aqui a grande máquina do
Mundo,
Etérea e elementar, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o
entende,
Que a tanto o engenho humano não se
estende.”
Explicação
do Prof. José Antônio: João M. Mimoso
comenta: “etérea e elemental-
pensava-se que o Universo tinha uma parte formada dos 4 elementos (terra, ar,
água e fogo) e outra não-elemental, formada de éter (etérea); limada- lisa e polida.”(MIMOSO, ver
site citado). Explico (Prof. José.): De acordo com Aristóteles(filósofo
grego do século IV a.C.) e Cláudio Ptolomeu (astrônomo e geógrafo do século II
d.C.), os antigos e os medievais, o universo geocêntrico (que tem a Terra como
centro) era composto de duas partes: o
mundo sublunar (o mundo abaixo da Lua [luna]) = a Terra propriamente
dita, composta por quatro elementos: terra, água, ar e fogo – caracterizando,
respectivamente, o sólido, líquido, gasoso e energia (luz e calor do fogo); o mundo supralunar, isto é,
acima da Lua (luna), composto pelo ÉTER, substância pura, cristalina, sem
defeito. Com isto, os céus (os astros e corpos celestiais) eram considerados
puros, um globo com superfície limada (lisa, parecida com uma superfície em que
se passou uma lima para alisar). Vale lembrar que, no século XVII, Galileu
Galilei descobrirá, com o telescópio, que não é bem assim (assunto para outro
dia). O Mundo (o universo) é comparado com uma MÁQUINA, com cada peça
funcionando direitinho e contribuindo para o movimento do todo, fabricada por
Deus (o Saber, alto e profundo, sem princípio e sem fim [sem meta limitada],
isto é, eterno – o Saber...: mais uma metonímia para se referir a Deus: usa a
característica para se referir ao possuidor). Deus (o Criador verdadeiro):
ninguém entende ou pode entender o que
Ele é ou como Ele é, a inteligência (o engenho humano) a Ele não consegue
estender-se. [Vale lembrar a história de Santo Agostinho e o menino que queria
colocar o mar em um buraquinho da praia.]
Ver
imagem do universo geocêntrico em: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg700AjCo1gbT3sh2cnZLBqEmXpTxc9YrbaXvpuWn-EWTjaBwNDCHCN1r9bL7LBqqQnBWs68Yr62gf0w0YEDG72YVX3gbp457WUJs8XNKCTvO2VjmrdDcnHHHGR3gdnrtWECskAIxgoKjHs/s1600/000.a1.jpg
O
PRIMEIRO E MAIS EXTERNO ORBE: O EMPÍREO.
(81) «Este orbe que, primeiro, vai
cercando
Os outros mais pequenos que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando
Que a vista cega e a mente vil também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se entende e
alcança,
De quem não há no mundo semelhança.”
Explicação
do Prof. José Antônio: João M. Mimoso
comenta: “segundo o modelo ptolomaico o universo era formado por onze esferas
(orbes), com a Terra por centro. A esfera externa, denominada
"Empíreo" era imóvel e etérea e nela estavam as almas que tinham
ascendido ao Paraíso.” (Em: Ver citação.) Explico (Prof. José.): Orbe é um
pequeno globo, no caso. A explicação de Tétis aos portugueses visitantes é de
fora para dentro do universo (aqui em pequena escala [um transunto, um
modelo]), diferentemente de Dante Alighieri, que, em A Divina Comédia, vai das profundezas da Terra aos céus mais
elevados. O círculo mais externo é o EMPÍREO, lugar onde habitam os santos (as
“puras almas”, a aproveitar (lograr) do benefício de estarem diretamente com
Deus (o Bem Tamanho, com quem ninguém ou nada pode se assemelhar no mundo –
outra metonímia para se referir a Deus). Curiosamente, BEM é um termo que
PLATÃO usa para se referir à Ideia mais elevada do Mundo Inteligível. Aplicado
aqui a Deus, o criador do universo. Orbe (esfera) muito luminoso, irradiante de
luz.
DESCRIÇÃO
DO EMPÍREO, HABITAÇÃO DOS SANTOS:
(82) «Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
Fingidos de mortal e cego engano.
Só pera fazer versos deleitosos
Servimos; e, se mais o trato humano
Nos pode dar, é só que o nome nosso
Nestas estrelas pôs o engenho vosso.”
(83) «E também, porque a santa
Providência,
Que em Júpiter aqui se representa,
Por espíritos mil que têm prudência
Governa o Mundo todo que sustenta
(Ensina-lo a profética ciência,
Em muitos dos exemplos que apresenta);
Os que são bons, guiando, favorecem,
Os maus, em quanto podem, nos empecem;”
(84) «Quer logo aqui a pintura que varia
Agora deleitando, ora ensinando,
Dar-lhe nomes que a antiga Poesia
A seus Deuses já dera, fabulando;
Que os Anjos de celeste companhia
Deuses o sacro verso está chamando,
Nem nega que esse nome preeminente
Também aos maus se dá, mas falsamente.”
Explicação
de João M. Mimoso à estrofe 82: “divos- almas que ascenderam ao Divino,
santos; nome nosso nestas estrelas
(etc...)- Tétis reconhece que os deuses do Olimpo são fabulosos e só
existem nos nomes que foram dados aos planetas (aqui chamados
"estrelas").” Explicação do Prof. José Antônio ao conjunto:
Tétis descreve quem habita no Empíreo: os Divos (santos, santas...), os Anjos,
os seres inteligentes celestiais, com a presença da “santa Providência”, outra
metonímia para se referir a Deus, comparado com
Júpiter (deus romano, o Zeus grego). Só comparado, pois Júpiter e os
outros deuses(as), inclusive ela, Tétis deixa claro que são invenções humanas,
úteis para se fazer, por exemplo, poesia. No final fala dos Anjos bons, que
fazem companhia aos santos e santas, comparados a deuses pela Bíblia (“o sacro
verso está chamando”), mas que, mesmo nela são apenas servos de Deus. Aos anjos
maus (demônios) se dá no nome de deuses falsamente – isto é, não merecem esse
nome.
O
PRIMEIRO MÓBIL (A PRIMEIRA ESFERA CELESTIAL A MOVER, A MAIS RÁPIDA, UMA DAS
MAIS EXTERNAS, ABAIXO DO EMPÍREO):
(85) «Enfim que o Sumo Deus, que por
segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina veneranda,
Debaixo deste círculo onde as mundas
Almas divinas gozam, que não anda,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro
Que não se enxerga: é o Móbile
primeiro.”
Explicação
de João M. Mimoso: “que não anda- a 11ª esfera (Empíreo) era imóvel;
Móbil
Primeiro- a 10ª esfera, denominada Móbil Primeiro, rodava rapidamente (à razão
de uma rotação por dia) e arrastava todas as outras que, assim, eram por ela
movidas a diferentes velocidades de rotação (ver na estância seguinte "com este ...movimento vão todos os que
dentro tem no seio").” [grifo meu] (Ver citação.) Explicação do
Prof. José Antônio: O Sumo Deus governa o mundo por “segundas causas”, isto
é, pelas LEIS NATURAIS. Depois do EMPÍREO, parado, onde moram as “almas
divinas” (santos, santas, ...) vem o “MÓBILE PRIMEIRO” ou MÓBIL PRIMEIRO. O
universo geocêntrico começa a mover-se de fora para dentro, diminuindo a
velocidade a cada esfera ou círculo que compõe esse universo. [Veneranda: digna
de veneração, adoração – a Mão Divina, que criou o Mundo. Comparação
antropológica (com o ser humano): mão humana – Mão Divina (de Deus).]
O
CRISTALINO, A TERCEIRA ESFERA DE CIMA PARA O CENTRO DO UNIVERSO (MUNDO):
(86) «Com este rapto e grande movimento
Vão todos os que dentro tem no seio;
Por obra deste, o Sol, andando a tento,
O dia e noite faz, com curso alheio.
Debaixo deste leve, anda outro lento,
Tão lento e sojugado a duro freio,
Que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
Duzentos cursos faz, dá ele um passo.”
Explicação
de João M. Mimoso: “com curso alheio- sem movimento
próprio mas arrastado pelo movimento alheio (do Móbil Primeiro); anda outro lento- referência à
9ª esfera, aquosa, chamada Cristalino, que era suposta mover-se lentamente; enquanto Febo (etc...)- enquanto
o Sol [Febo] completa duzentos ciclos (isto é, em duzentos anos), o Cristalino
roda apenas um grau.” [grifos meus] (Ver citação.) Explicação do Prof. José
Antônio: Tétis fala da rapidez (rapto, aqui = RÁPIDO) do Móbil (Móbile)
Primeiro e da lentidão da esfera abaixo dele: o CRISTALINO. O Cristalino é tão
lento que o Sol [Febo, na mitologia greco-romana] o ultrapassa em velocidade,
ao redor da Terra, muitas vezes (o Sol é 200 vezes mais rápido que o
Cristalino).
A
ESFERA DO FIRMAMENTO (O CÉU DAS ESTRELAS):
(87)«Olha estoutro debaixo, que
esmaltado
De corpos lisos anda e radiantes,
Que também nele tem curso ordenado
E nos seus axes correm cintilantes.
Bem vês como se veste e faz ornado
Co largo Cinto d, ouro, que estrelantes
Animais doze traz afigurados,
Aposentos de Febo limitados.”
Explicação
de João M. Mimoso: “estoutro debaixo- a 8ª esfera
(Firmamento) onde existiam as estrelas (corpos lisos); co largo Cinto d'Ouro (etc...)- o Zodíaco com as doze constelações
que são os Signos; aposentos de Febo
limitados- o Sol está em cada um dos signos durante um mês apenas.” (Ver
citação.) Explicação do Prof. José Antônio: Estoutro = Este outro.
Embaixo do Cristalino fica o FIRMAMENTO, os Céus de que fala a Bíblia.
Firmamento aparece muito na Bíblia, de fato, para referir-se aos Céus das
estrelas e dos astros. Curiosidade, para lembrar: acreditava-se que o
Firmamento seria composto por “corpos lisos (...) e radiantes”, a andar pelos
céus. O Firmamento é a esfera das ESTRELAS FIXAS, onde existe o CINTO D’OURO,
expressão (conjunto de palavras) que Camões usa para comparar o ZODÍACO, que
tem as doze (no texto; hoje,
treze) constelações, muitas das quais cujas estrelas formam imagens de animais
(“estrelantes animais”: Peixes, Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem,
Libra, Escorpião, Ophiuchus, Sagitário, Capricórnio e Aquário – o ser humano,
da Virgem e dos Gêmeos, é também um animal, um animal racional [e, de acordo
com Aristóteles, também político]). Afigurados, quer dizer, mostrados como
figuras – as constelações formam figuras de animais. No seu movimento anual, o
Sol atravessa cada constelação que compõe o CINTO D’DOURO (o ZODÍACO) – a
astrologia faz uso disto. Quem tem o signo de Touro é porque o Sol está
passando, por volta de julho/agosto, pela constelação. Concepção geocêntrica do
universo!!! E ainda no Firmamento:
(88) «Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrômeda e seu pai, e o Drago horrendo;
Vê de Cassiopéia a formosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.”
Explicação
do Prof. José Antônio: O FIRMAMENTO parece
uma pintura, em que aparecem (fulgem, brilham; “vão fazendo”: vão aparecendo,
vão surgindo... – com o anoitecer, as constelações vão aparecendo
progressivamente, até brilharem todas no Firmamento noturno) as Estrelas
fulgentes (brilhantes), em forma de constelações. Camões cita as constelações
CARRETA, CINOSURA, ANDRÔMEDA E SEU PAI, DRAGÃO, CASSIOPEIA, ORIONTE, CISNE,
LEBRE, CÃES, NAU e LIRA. Camões conhecia bem os Céus e era grande admirador,
como se pode ver, das constelações do Firmamento, aliás, do universo como um
todo.
OS
PLANETAS, O SOL E A LUA, ABAIXO DO FIRMAMENTO:
(89) «Debaixo deste grande Firmamento,
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
E Marte abaixo, bélico inimigo;
O claro Olho do céu, no quarto assento,
E Vênus, que os amores traz consigo;
Mercúrio, de eloquência soberana;
Com três rostos, debaixo vai Diana.”
Explicação
de João M. Mimoso: Referência às 7
últimas esferas: a do planeta Saturno; a de Júpiter, a de Marte; a do Sol (o
claro Olho do Céu); a de Vénus, a de Mercúrio; e, finalmente a da Lua, cujos
três rostos são as três fases (ou "faces") em que está visível.” (Ver
citação.) Explicação do Prof. José Antônio: Os nomes dos planetas,
inclusive da Lua, representam deuses a
mitologia greco-romana. Esses astros, com o Sol, ficam embaixo do Firmamento:
Saturno (grego Cronos) é o deus da geração, filho do Céu e da Terra (Gaia ou
Geia), de acordo com a Wikipédia; Júpiter (o grego Zeus) é o pai dos deuses;
Marte (grego Ares), deus da guerra (“bélico inimigo”); o Sol (Hélios, deus
grego da luz), comparado a um grande Olho que está no Céu; Vênus (Afrodite,
entre os gregos), deusa do amor; Mercúrio (Hermes, entre os gregos), “é um
mensageiro e Deus da venda, lucro e comércio, o filho de Maia, uma Plêiade, e
Júpiter” (Wikipédia).; a Lua (DIANA ou, entre os gregos, Ártemis, deusa da
caça, adorada, por exemplo, em Éfeso, citada nos Atos dos Apóstolos, quando
Paulo estava pregando e acabou apedrejado, sem morrer, por conta dos adoradores
de Diana).
(90) «Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
Ora fogem do Centro longamente,
Ora da Terra estão caminho breve,
Bem como quis o Padre onipotente,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Os quais verás que jazem mais a dentro
E tem com Mar a Terra por seu centro.”
Explicação
de João M. Mimoso: “nuns grave e noutros leve- uns lentos e
os outros rápidos;ora fogem do centro
(etc...)- os planetas eram supostos ter órbitas circulares (na realidade são
elípticas com o Sol num dos focos), excêntricas em relação à Terra.
Durante o seu curso tanto se afastam muito (fogem do centro longamente), como
se aproximam da Terra (ora da Terra estão caminho breve).” (Ver citação.) (O
grifo central é meu.) Explicação do Prof. José Antônio: Sabemos hoje
(século XXI) que as órbitas planetárias são elípticas, isto é, em forma de
elipses, não circulares. Mas, na antiguidade e no tempo de Camões, se
acreditava que eram circulares, redondinhas! Aí aparecida o problema dos
desvios dos planetas em certas épocas de cada ano. Para corrigir esse problema
e facilitar encontrar os planetas nos céus, Cláudio Ptolomeu (astrônomo e
geógrafo, seguidor de Aristóteles) inventou os EPICICLOS – círculos menores em
torno dos círculos orbitais maiores. Depois de falar disto, Camões volta-se,
finalmente, para a TERRA, paradinha no centro do universo, onde o Pai (Padre)
Onipotente (DEUS) fez o fogo, o ar, o vento, o mar, etc., e pôs a Terra bem no
centro desse universo.
TERRA,
PARADA NO CENTRO DO UNIVERSO GEOCÊNTRICO:
(91) «Neste centro, pousada dos humanos,
Que não somente, ousados, se contentam
De sofrerem da terra firme os danos,
Mas inda o mar instável experimentam,
Verás as várias partes, que os insanos
Mares dividem, onde se aposentam
Várias nações que mandam vários Reis,
Vários costumes seus e várias leis.”
Explicação
de João M. Mimoso: “várias leis-
várias religiões.” (Ver citação.) Explicação do Prof. José Antônio: A
Terra é a morada dos seres humanos, postos aí por Deus, desde o sexto dia da
Criação (Gênesis 1,1 – 2,4). Os seres humanos são ousados (corajosos), não se
contentam pelo fato de sofrerem os danos da terra firme e, portanto, buscam até
o mar instável, onde experimentam sua força, sua instabilidade (o mar é feito e
água e se revolta com o agitar das ondas). Na Terra há várias partes, divididas
pelos mares: os continentes, as ilhas... Nela habitam povos (nações) governados
por diversos (“vários”) Reis, com seus costumes e leis sagradas (religiões,
como o cristianismo da Europa e da América, o islamismo da Arábia e outros
povos, o hinduísmo da Índia, o Budismo de outras partes do Oriente, etc.).
(92)«Vês Europa Cristã, mais alta e
clara
Que as outras em polícia e fortaleza.
Vês África, dos bens do mundo avara,
Inculta e toda cheia de bruteza;
Co Cabo que até aqui se vos negara,
Que assentou pera o Austro a Natureza.
Olha essa terra toda, que se habita
Dessa gente sem Lei, quase infinita.”
Explicação
do Prof. José Antônio: Na Terra
encontram-se a Europa Cristã, caracterizada pela altivez, a clareza, a polícia
(polimento, educação) e a fortaleza; a África, caracterizada pela avareza, a
falta de cultura e bruteza (característica de quem é bruto), que tem o Cabo das
Tormentas ou, hoje, Cabo da Boa Esperança, ao Sul (Austro), a África fica ao
Sul também (Austro) e tem uma Natureza exuberante, além da que aparece no Cabo,
com muitas terras, habitada por gente sem Lei (a Lei do Deus cristão), “quase
infinita”, quer dizer, gente em grande quantidade. Nas estrofes seguintes, que
não serão comentadas, por não fazerem parte do estudo que aqui se interessou,
aparecerão outros povos (nações) e outros personagens. Curiosamente, pode-se
ver, na comparação entre Europa e África a visão dos europeus daquele tempo
(século XVI) sobre a África. Uma visão um tanto preconceituosa.
REFERÊNCIAS:
CAMÕES, Luís
Vaz de. Os Lusíadas. Disponível em:
< http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000178.pdf > Acesso em
29/09/2020.
CAMÕES, Luís
Vaz de. Os Lusíadas. São Paulo,
Martin Claret, 2001. (Col. A Obra-Prima de Cada Autor, 33.)
CHAUÍ,
Marilena. Iniciação à Filosofia.
3.ed. São Paulo, Ática, 2017.
FERREIRA,
João. Chave Bíblica. Sociedade
Bíblica do Brasil, Brasília, 1970.
GOOGLE.
Disponível em: < https://www.google.com/webhp?hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwityISf2o7sAhVTHLkGHbniCdIQPAgI > Acesso em 29/09/2020.
MIMOSO, João
Manuel. Os Lusíadas de Luís de Camões.
Disponível em: < https://www.inverso.pt/lusiadas/m%E1quina.htm > Acesso em 29/09/2020.
WIKIPÉDIA.
Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal > Acesso em 29/09/2020.
VER TAMBÉM:
http://filosofianodia-a-dia.blogspot.com/2016/09/camoes-e-filosofia-1-um-estudo-do.html
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