segunda-feira, 20 de julho de 2020

DEMÓCRITO, OS ÁTOMOS E O VAZIO – UM POUCO MAIS (Prof. José Antônio Brazão.)


Em outros textos, neste blog, já se comentou sobre Demócrito, os átomos e o vazio. Aqui mais um pouco será dito. Algumas possibilidades, com base no que havia naquele tempo e há ainda hoje, serão levantadas. Serão usadas a observação, a razão e muita imaginação.
Leucipo e Demócrito são chamados, com outros que os antecederam, de filósofos pré-socráticos ou físicos (estudiosos da natureza, physis, em grego). Além deles: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto, Heráclito de Éfeso, Pitágoras de Samos e outros mais. Buscavam a arque\arché, palavra traduzida do grego por princípio. Aquilo que, naturalmente, deu origem a todas as coisas existentes.
Acerca da relação átomos-vazio, em Demócrito, o que mais é possível acrescentar? O que mais teria, naquele tempo – uns dois mil e quinhentos anos atrás –, permitiria a Leucipo e, especialmente, Demócrito enxergar e abstrair (formar ideias), além da visão comum, aquela relação? Fatos curiosos, corriqueiros inclusive naquele tempo, podem ser citados.
Quando se mistura vinho na água ou vice-versa, o vinho fica claro e mesclado a ela. Ora, essa mescla só seria possível havendo espaços na água por onde as partículas de vinho pudessem passar: uma evidência de espaços vazios nos líquidos e de que suas partículas não são coesas (agregadas rigidamente). Vazio!
Pó de tinta também pode mesclar-se à água. Na época de Demócrito, pinturas eram comuns e continuam sendo até hoje. Pode-se colorir a água com tintas em pó. Fato que pode ter sido observado também por Leucipo e Demócrito.
Além de se encontrarem no estado líquido, água e vinho podem sofrer evaporação. Na evaporação do vinho o que sobra pode ser uma borra ou um pó fino. Em ebulição a água transforma-se em vapor, estado gasoso. Fenômenos também perceptíveis no mundo antigo. A água e o vinho têm partículas que facilmente podem se espalhar, mediante o calor. E o que mais isto mostra?
Que o ar permita passar por ele é um fato comum, sem necessidade de reflexão. Pessoas e animais, por exemplo, se movem de um lugar a outro, por entre espaços vazios. O fato de ser rarefeito (extremamente fino e espalhado) aponta que o ar dispõe de espaços vazios, a ponto de suas partículas não poderem ser vistas a olho nu. Isto mostra igualmente que suas partículas (átomos) não são coesas quanto as do ferro sólido ou do bronze. Os ganchos ou encaixes ou engates que prendem essas partículas são menos fortes ou as ligações proporcionadas. Eis o que Aristóteles, em um fragmento doxográfico (fragmento 10), a respeito de Demócrito, diz:
“Afirmam que o movimento se dá graças ao vazio; com efeito, segundo estes, o movimento dos corpos naturais e elementares é um movimento local; porque o movimento devido ao vazio é um transporte, como em um lugar; quanto aos outros movimentos, nenhum pertence, pensam eles, aos corpos elementares, mas somente àqueles que deles são formados; dizem que o crescimento, o perecimento e a alteração provêm da reunião e da separação dos corpos insecáveis. (Arist. Phys. VIII, 9, 265b)” (BORNHEIM, 1998, p. 125).
Corpos elementares, no texto de Aristóteles: os átomos.
Quando há fogo em madeira, a fumaça mistura-se ao ar, podendo ser até levada pelo vento (ar em movimento). Mais um sinal de que há espaços vazios no ar por onde as partículas de fumaça (átomos) possam passar, atravessar. Outra evidência da relação átomos-vazio. Além do mais, a fumaça espalhada pelo ar se rarefaz, isto é, espalha-se e afina-se até sumir em meio à enorme quantidade de partículas de ar-vento. Os encaixes dos átomos de ar e fumaça são tão tênues que aqueles se soltam e se expandem mais. O mesmo, com certeza, vale para outros gases.
No caso da água que evapora e que se agrega. Dois fenômenos comuns: calor e frio, em sua dualidade (dois opostos). O calor expande, fazendo entrar em ebulição e evaporação, além de também derreter até metais. O frio agrega, ajunta, reúne. A água que virou vapor e subiu até as nuvens agregou-se e caiu na forma de gotas (chuva, tempestade), voltando a reunir-se novamente em poças, lagos, rios, mares, oceano(s)!
Mas o ar, por que não se liquidifica em condições de frio, como a água? Muito certamente por conta dos encaixes\engates\ganchos serem mais tênues (fracos) que os dos átomos da água. (Sorte dos seres vivos, os quais precisam respirar o ar.)
E os átomos de metais sólidos? Ferreiros sabiam e sabem bem que a espada de ferro ou bronze, depois de forjada, precisa ser afiada, formando os gumes e a ponta. Nesse processo é preciso atritar o metal contra certas pedras ou em torno de pedra abrasiva (desgastadora). O que sobra? Pó de metal e de pedra, partículas finíssimas. Se se desbastar o metal demais, a espada vai se acabando. Ainda que os engates\encaixes\ganchos que prendam um átomo de metal no outro sejam fortes, podem ser soltos pela força, o atrito e até pelo derretimento! O bronze de uma espada derretida pode-se transformar em objetos menores, dependendo das fôrmas usadas e do que se quer produzir.
O fogo é produzido pela combustão de madeira, liberando calor e luz. É sensível, isto é, pode ser sentido, percebido. Queima. Na época de Leucipo e Demócrito, como nos dias de hoje, o fogo era (e continua sendo) fundamental. Seus átomos (partículas) têm, portanto, energia proveniente da combustão.
Quanto ao fogo, um fragmento doxográfico, o de número 21, traz pontos importantes, esclarecedores, ao falar da alma-espírito e do fogo:
“Alguns filósofos afirmam que a alma é fogo; pois este é o mais sutil dos elementos e o que mais se aproxima do incorpóreo; além disto, o fogo move-se e movimenta outros corpos. Demócrito explicou também o fundamento destes dois atributos da alma. Alma e espírito, diz ele, são uma e a mesma coisa, e pertencem aos corpos primários e indivisíveis, atribuindo sua aptidão ao movimento, à sutileza e forma. E de todas as formas, as esféricas são as mais movediças, constituindo estas tanto o fogo quanto o espírito. (Arist., De Anima, I, 2, 405a).” (BORNHEIM, op. cit., p. 127).
Corpos primários e indivisíveis: os átomos – a palavra átomo, no grego, significa, justamente, indivisível, não divisível. Eles têm formas variadas. As do espírito e do FOGO são esféricas, que “são as mais movediças”, isto é, que têm mais facilidade de mover-se. Isto aponta que, além dos ganchos\engates\encaixes que unem os átomos, as formas influenciam também, inclusive no modo como se movimentam.
Enfim, como se pode ver, fenômenos naturais e artificiais não faltaram a Leucipo e Demócrito, usando a visão, a observação de fenômenos corriqueiros, do dia a dia, comuns às pessoas, usando ambos a inteligência, para quererem entender mais, levando-os à descoberta dos átomos. Curiosamente, ao dizerem que tudo é composto de átomos, ainda que diferentes em formas e tamanhos (minúsculos), fazem uma afirmação universal. Uso do pensamento indutivo-dedutivo.
Ao tratar do ar, da fumaça, da água, dos metais tirados da terra e usados em espadas, o que se quis aqui mostrar é a presença dos átomos em diferentes corpos, compostos pelos três estados da matéria: o gasoso, o líquido e o sólido. Ademais, o fogo, que representa energia na forma de calor e luz, além de movimento. Leucipo e Demócrito conheciam bem esses fenômenos. Souberam usar a experiência sensorial (dos cinco sentidos), a razão e a imaginação, viajando além do senso comum, ou seja, buscando ver para além do que viam as pessoas comuns, no dia a dia.
Além de Leucipo e Demócrito, vale lembrar de Anaxágoras de Clazômenas, que deu às partículas primordiais da matéria o nome de homeomerias (fragmentos doxográficos 1 e 2 de Anaxágoras). Também ele, como se vê, acreditava em uma pluraridade de partículas minúsculas a compor todos os corpos e seres. As homeomerias têm esse nome em razão de comporem corpos com características semelhantes a elas, como o osso, formado por homeomerias resistentes e brancas (ou quase brancas). A discutir em outro texto futuro.
REFERÊNCIAS:
BORNHEIM, Gerd. Os Filósofos Pré-Socráticos. 14.ed. São Paulo, Cultrix, 1998. Disponível em: < https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxpZnJqZmlsb3NvZmlhfGd4OjU0MzgwMzA2MDY0NWQ4ZDk > Acesso em 20/07/2020.
HISTORY. O Primeiro Computador do Mundo Mecanismo de Antikitera. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=uWNBRnuzsTg > Acesso em 20/07/2020.
HISTORY CHANNEL. Os incríveis robôs da antiguidade. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=5diSQFEJTTY > Acesso em 20/07/2020.
HISTORY CHANNEL/TV ESCOLA. Descobertas da Antiguidade Mecânica. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=lEt6vvDFJGs > Acesso em 20/07/2020.
Ver neste blog também:
COMENTÁRIO SOBRE UMA QUESTÃO DE FILOSOFIA DO ENEM 2017:
LEUCIPO, DEMÓCRITO E EPICURO: OS ÁTOMOS:


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