sexta-feira, 24 de novembro de 2017

COMENTÁRIO SOBRE UMA QUESTÃO DE FILOSOFIA DO ENEM 2017: (Prof. José Antônio Brazão.)

COMENTÁRIO SOBRE UMA QUESTÃO DE FILOSOFIA DO ENEM 2017: (Prof. José Antônio Brazão.)
Fonte das questões: Caderno 3 Branco – Primeiro dia.
QUESTÃO 49: A representação de Demócrito é semelhante à de Anaxágoras, na medida em que o infinitamente múltiplo é a origem; mas nele a determinação dos princípios fundamentais aparece de maneira tal que aquilo que para o que foi formado não é, absolutamente, o aspecto simples para si. Por exemplo, partículas de carne e de ouro seriam princípios que, através de sua concentração, formam aquilo que aparece como figura. (HEGEL, G. W.F. Crítica moderna. In: SOUZA, J.C. (Org.) Os pré-socráticos: vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 2000 (adaptado).
O texto faz uma apresentação crítica acerca do pensamento de Demócrito, segundo o qual o “princípio constitutivo das coisas” estava representado pelo(a)
(A) número, que fundamenta a criação dos deuses.
(B) devir, que simboliza o constante movimento dos objetos.
(C) água, que expressa a causa material da origem do universo.
(D) imobilidade, que sustenta a existência do ser atemporal.
(E) átomo, que explica o surgimento dos entes.
RESPOSTA: Letra E – átomo, que explica o surgimento dos entes.
Um primeiro ponto de destaque a respeito da estrutura da questão, que pode permitir encontrar a resposta diretamente: depois do texto de Hegel, o enunciado da questão possibilita o encontro da resposta, com ou sem o texto. Quando diz “..., segundo o qual [segundo Demócrito] o ‘princípio constitutivo das coisas’ estava representado pelo(a)”. Ora, aqueles que prestam o ENEM costumam ter contado e leituras de livros didáticos, apostilas e outros materiais, incluindo de Filosofia. A maioria desses materiais traz informações sobre os filósofos pré-socráticos (filósofos que antecederam o filósofo grego Sócrates, que viveu entre aproximadamente 468 e 399 antes de Cristo). Os pré-socráticos estenderam-se do período aproximado entre os séculos 7 e 6 e o século 4 antes de Cristo. Demócrito foi um dos últimos deles.
Ao falarem daqueles filósofos, aqueles materiais geralmente apontam, resumidamente, o que cada pré-socrático tinha como princípio primordial de tudo. Pitágoras acreditava que tudo era constituído pelos números. Heráclito acreditava que tudo surgiu do fogo primordial e que tudo encontra-se em devir (palavra que aparece na questão), ou seja, tudo está em movimento, transformação (devir ou vir-a-ser). Segundo Tales de Mileto, o primeiro filósofo grego (pré-socrático), tudo proveio da água e é composto por ela. E, segundo Parmênides, o Ser é imóvel, porque é perfeito, completo e pleno em si mesmo. Parmênides, portanto, não aceitava, ao pé da letra, o devir de Heráclito de Éfeso. Demócrito cria, com Leucipo, seu mestre, que tudo é feito de átomos, partículas minúsculas e indivisíveis que formam todos os seres. Então, sabendo disto, seria possível ir direto à resposta.
Outro ponto, que aparece no texto claramente: a palavra “partículas”. Ora, o que é o átomo? Uma partícula! Partícula indivisível, segundo Demócrito.
Tendo estudado bastante e prestando atenção a pontos como os apresentados, é possível ter certeza, clareza e rapidez na resposta. Para quem vier a prestar outros ENENs, fica aí dica. Isto não quer dizer que toda questão expõe claramente os pontos que permitem clara e rapidamente encontrar a resposta, para quem está preparado(a). Em outro texto comentarei outra questão do ENEM 2017.
Agora, tomando o texto de Georg Wilhelm Friedrich HEGEL: “A representação de Demócrito é semelhante à de Anaxágoras, na medida em que o infinitamente múltiplo é a origem; mas nele a determinação dos princípios fundamentais aparece de maneira tal que aquilo que para o que foi formado não é, absolutamente, o aspecto simples para si. Por exemplo, partículas de carne e de ouro seriam princípios que, através de sua concentração, formam aquilo que aparece como figura.” (HEGEL, G. W.F. Crítica moderna. In: SOUZA, J.C. (Org.) Os pré-socráticos: vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 2000 (adaptado).
Hegel é um filósofo alemão que viveu entre 1770 e 1831. Vamos toma-lo por partes, a fim de buscar descomplica-lo.
Primeiro trecho do texto: “A representação de Demócrito é semelhante à de Anaxágoras, na medida em que o infinitamente múltiplo é a origem (...)”. Demócrito e Anaxágoras, dois filósofos pré-socráticos, acreditavam que tudo é feito de partículas imensamente pequenas e invisíveis. Anaxágoras as chamava HOMEOMERIAS, da raiz homo, o mesmo, o igual. Por quê? Porque os corpos formados por essas partículas tinham características semelhantes aos corpos formados – o osso é branco e duro porque suas homeomerias são brancas e duras. Demócrito, por sua vez, com Leucipo, chamava as partículas originais ÁTOMOS, de A-, prefixo que quer dizer não, e TOMO, divisão, divisível (para dar um exemplo: os tomos de uma enciclopédia comum são livros que correspondem às suas divisões por letras ou números). Homeomerias e átomos são infinitos e múltiplos, isto é, de acordo com aqueles filósofos, são de muitos tipos e formas – se fossem partículas totalmente iguais o cosmos teria uma única aparência, certamente, e não haveria diversidade de seres.
Segundo trecho do texto de Hegel: “(...)mas nele a determinação dos princípios fundamentais aparece de maneira tal que aquilo que para o que foi formado não é, absolutamente, o aspecto simples para si.” (grifo meu). Este trecho continua o anterior, o segue. Nele, Hegel fala da determinação de Demócrito a respeito das partículas. Determinação significa definição, apresentação, delimitação, precisão, aqui a determinação dos princípios fundamentais (princípios originários de tudo e que estão presentes em todos os seres). Essa determinação é diferente em Anaxágoras e em Demócrito. Para Anaxágoras, que antecedeu Demócrito, a matéria é infinitamente divisível, portanto, também as homeomerias que a compõem. Para Demócrito, o átomo é uma partícula imensamente pequena, como as homeomerias, porém é INDIVISÍVEL. Cada átomo é um ponto limite na divisão da matéria.
Terceiro trecho do texto hegeliano: “(...)Por exemplo, partículas de carne e de ouro seriam princípios que, através de sua concentração, formam aquilo que aparece como figura.”. (grifo e negritado meus). Um outro texto, do autor Rodolfo César, pode esclarecer bem. Eis o que diz César:
“Para o filósofo pré-socrático Anaxágoras de Clazomene uma coisa é composta de partículas desta mesma coisa em menor escala. ‘Como os atomistas que ele precedeu e influenciou, Anaxágoras supõe que a matéria existe na forma de um número infinito de partículas; mas suas partículas diferem dos átomos pois têm substância heterogênea; ele acreditava na infinita divisibilidade da matéria e negava a existência do átomo. O termo homeomeria, que significa ‘similaridade das partes’, provavelmente não foi usado pelo próprio Anaxágoras (M.F. Smith tr.intr., Lucretius – De Rerum Natura, 1975, p. 75). Lucrécio comentando sobre Anaxágoras: ‘...Ele claramente sustenta que ossos são feitos de pequenos ossos menores, a carne é feita de pequenas partículas de carne, o sangue de pequenas gotas de sangue...’.” (CÉSAR, Rodolfo. Círculos Ceifados. São Paulo, FAPESP/7 Letras, 2008. P. 32.) (grifos e negritado meus)
Não entrarei em detalhes do texto de Rodolfo César. Apenas comparar o terceiro trecho de Hegel e o texto sublinhado de César, que cita o escritor e filósofo antigo Lucrécio, que expressou, como outros, opiniões sobre filósofos antigos e suas ideias.
Observe os dois trechos grifados em negrito. Eles falam da carne, citada por Hegel e citada por Lucrécio, filósofos bem distantes um do outro. Hegel, com certeza, leu o livro de Lucrécio, como dá a perceber no uso do mesmo termo. Se “a carne é feita de pequenas partículas de carne”, na citação de Lucrécio, segundo Anaxágoras, como os ossos e o sangue com suas características, em Demócrito, voltando ao texto de Hegel, os átomos afiguram (compõem a figura, a forma, de) cada ser por meio da concentração. É claro, não é uma concentração caótica, desorganizada. É uma concentração estruturada – a palavra figura significa imagem, algo que representa (torna presente) um ser de modo determinado – não porque são partes similares (semelhantes, iguais) a um corpo ou objeto simplesmente. Os átomos têm formas (estruturas) diferentes, que os permitem combinar-se e recombinar-se, formando corpos dos mais diversos tipos e, ao desintegrarem-se estes, formam outros seres, como as homeomerias. Contudo, os átomos não são divisíveis infinitamente como estas mesmas homeomerias. Os átomos de Demócrito convivem com o vazio, parte integrante, com a matéria, do cosmos (universo ordenado, organizado). Anaxágoras não aceitava o vazio (o vácuo). (Grifos meus em meu próprio texto, para chamar a atenção.)

Para entender melhor o exposto na segunda parte deste estudo, leitor(a), releia todo o texto, discuta com colegas, leia sobre os filósofos citados! Leia textos deles!

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