QUESTÃO 2
COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018 (Prof.
José Antônio Brazão.)
QUESTÃO 59 DO
CADERNO 3 BRANCO DO ENEM 2018 (FILOSOFIA):
TEXTO
1: Tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é
inimigo de todo homem, é válido também para o tempo durante o qual os homens
vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria
força e invenção. (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural,
1983.)
TEXTO
2: Não vamos concluir, com Hobbes que, por não ter nenhuma ideia de bondade, o
homem seja naturalmente mau. Este autor deveria dizer que, sendo o estado de
natureza aquele em que o cuidado de nossa conservação é menos prejudicial à dos
outros, este estado era, por conseguinte, o mais próprio à paz e o mais
conveniente ao gênero humano. (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e o fundamento da
desigualdade entre os homens. São Paulo, Martins Fontes, 1993 [adaptado].)
Os trechos apresentam divergências conceituais
entre autores que sustentam um entendimento segundo o qual a igualdade entre os
homens se dá em razão de uma
(A) predisposição ao conhecimento.
(B) submissão ao transcendente.
(C) tradição epistemológica.
(D) condição original.
(E) vocação política.
RESPOSTA:
letra (D) CONDIÇÃO ORIGINAL.
Analisando
alternativa por alternativa:
Alternativa
(A): predisposição ao conhecimento. Predisposição é uma
disposição, tendência natural, inclinação, propensão. A palavra é composta por:
pré/pre-, que significa antes de, anterior a; dispor, que significa pôr,
colocar, apresentar; ação, ato de agir. Predisposição ao conhecimento é disposição
ou tendência natural ou inclinação ao conhecimento, seja à busca do
conhecimento, seja à facilidade de aprender, adquirir conhecimentos. Porém, é
preciso prestar atenção em um fato: nenhum dos textos está tratando de
conhecimento ou de aprendizagem. Então, pode-se descartar a alternativa (A).
Alternativa
(B): submissão ao transcendente. Submissão é o ato de
submeter-se, estar sob o domínio de. No caso, estar sob o domínio do
transcendente. Transcendente, por sua vez, é o que está além da realidade
material, referindo-se a Deus ou aos deuses ou seres divinos. Poder-se-á dizer:
submissão a Deus. Mas os dois textos não falam disto, não tocam nem no nome de
Deus ou de qualquer ser que transcenda a realidade material, cotidiana.
Portanto, é preciso descartar a alternativa (B) como resposta.
Alternativa
(C):
tradição epistemológica. Tradição é
aquilo que é transmitido ao longo do tempo, em uma sociedade ou em um grupo,
por aquela ou este às gerações seguintes. Epistemológica vem de epistemologia,
referindo-se ao conhecimento e à ciência (episteme, em grego). Tradição
epistemológica pode ser a transmissão de ideias, conhecimentos e descobertas
científicas ou filosóficas, no decurso do tempo. Pode referir-se a uma corrente
filosófica ou científica que tem vários pensadores e pensadoras que a sigam e
transmitam. No entanto, nenhum dos dois textos trata de ciência ou
conhecimento. Logo, esta alternativa pode ser igualmente descartada.
Alternativa
(E): vocação política. Vocação, ao pé da letra, é o ato de
chamar (do latim vocare),
referindo-se ao fato de alguém sentir-se chamado ou despertado para a busca de
algo. Neste caso, chamado ou despertado para o mundo político, para seguir a
política. Ainda que ambos os textos tratem de temas ligados à política (ex.:
guerra, inimigo, segurança; estado de natureza, paz...), nenhum deixa entender
que a igualdade entre as pessoas é fruto de um chamado de todos à vida política
e à participação nela. Então, não pode ser a alternativa (E).
Resta
a alternativa (D) condição original.
De acordo com o
Dicio – Dicionário Online de Português:
“Significado de
Condição
substantivo
feminino
Característica,
aspecto ou essência que determina algo ou alguém: condição humana; condição
financeira.
Estado em que
algo ou alguém se encontra: o carro está em boas condições; o doente está em
péssimas condições.
Categoria ou
estado de alguém em relação ao seu nascimento, ao seu status social, acadêmico
ou familiar: condição de solteira.
Circunstância em
que algo ou alguém se encontra num certo momento; conjuntura, estado, nível,
ocasião: as condições da prefeitura são desesperadoras; o desemprego piorou a
sua condição.
Aspecto
excessivamente importante para que algo aconteça.
Estado do que
pode acontecer; chance: não tenho condições de os hospedar.
O que determina,
ou não, a realização de alguma coisa: as condições da prova.
[Jurídico]
Cláusula que estabelece realização de uma situação ou de uma ação, para que
ocorra o ato jurídico.
Etimologia (origem da palavra condição).
Do latim conditio.onis.”
(DICIO – Dicionário Online de Português.
Significado de Condição. Disponível
em https://www.dicio.com.br/condicao/ Acesso em 28 de abril de 2019.)
Dois trechos
desse significado poderão nos dar pistas: Condição = “Estado em que algo
ou alguém se encontra” e Condição = “Circunstância em que algo ou alguém
se encontra num certo momento; conjuntura, estado, nível, ocasião”.
(Grifos meus.) O texto de Hobbes diz: “para um tempo de guerra, em que
todo homem é inimigo de todo homem, é válido também para o tempo durante o
qual vivem sem outra segurança...” (grifos meus). Tempo
de que e tempo durante o qual indicam circunstâncias (condições de tempo,
conjuntura, momento, ocasião) em que fatos se situam ou situaram, ocorrem ou
ocorreram.
Original quer
dizer da origem, referente à origem ou às origens. Origens, no caso, de quê?
Dos seres humanos (todo homem, homem, como aparecem nos textos). Houve uma
passagem do tempo de guerra, no caso de Hobbes, ao tempo de paz. Supõe-se
também o conhecimento das ideias de Hobbes e Rousseau. Um resumo a seguir.
Thomas Hobbes
(1588 – 1679), filósofo inglês, e Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), filósofo
suíço, estão entre os filósofos do mundo moderno (séculos XV – XVIII), que se
preocuparam com a questão das origens e das bases da(s) sociedade(s). Eles e
outros perceberam que a sociedade é fruto da saída do ser humano do mundo
natural (estado de natureza) para o mundo social, com leis e governo. O
estado natural foi a condição inicial em que as pessoas se encontravam, na
natureza, antes de formarem sociedade(s).
Thomas Hobbes
escreveu o livro Leviatã ou Matéria,
Forma e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil, simplesmente referido
como Leviatã. Para ele, o homem é mau
por natureza e o estado de natureza é um estado de luta de todos contra todos. Um
tempo de contínua guerra. Para não se matarem e se destruírem mutuamente, as
pessoas fizeram um acordo, no qual surgiu a escolha de um governante
todo-poderoso, que teria poderes plenos sobre todos, inclusive sobre a vida e a
morte dos súditos, com a condição de garantir a vida e a propriedade de súditos
e súditas. Por que absoluto, todo-poderoso? Porque o ser humano não deixou de
ser mau por natureza, isto é, interesseiro, egoísta, ambicioso, belicoso (dado
à luta por seus interesses), etc. O governante escolhido é comparado ao LEVIATÃ,
daí o nome do livro, mencionado. Leviatã é um monstro marítimo poderoso citado
na Bíblia, temido por séculos e milênios por marinheiros e navegadores,
dominável somente por Deus. De fato, o governante escolhido só teria acima de
si o próprio Deus.
Jean-Jacques
Rousseau, por sua vez, escreveu O CONTRATO SOCIAL e acreditava que o homem (o
ser humano) é bom por natureza. No estado de natureza os seres humanos eram
bons. Porém, tendo-se deixado levar pela ambição e o próprio interesse, alguns
tomaram terras e as separaram para si, obrigando os demais a concordarem.
Nascia, então, a sociedade. A sociedade é, pois, um mal. O ser humano, não
tendo mais como voltar ao estado original de natureza, à sua condição original
e natural, precisa, contudo, buscar um retorno à natureza. O primeiro contrato,
que deu origem à sociedade, foi imposto pelos fortes, os usurpadores. Um novo
contrato é necessário, um contrato social, baseado no pacto social e na vontade
geral. O pacto social seria a aceitação livre de deixar os interesses
mesquinhos e pessoais e o excesso em favor de todos, a fim de formar uma
sociedade mais justa e livre. A vontade geral seria não a vontade de um governante absoluto que a
impõe sobre todos, como no caso de Hobbes, mas a vontade de todos, expressa
pela maioria das pessoas em votações e definições. A sociedade não seria
perfeita, é claro, mas seria mais justa.
Quanto ao
retorno à natureza, o livro EMÍLIO OU DA EDUCAÇÃO, de J.-J. Rousseau, propõe
uma educação que ponha cada aprendiz em contado constante com a natureza,
aprendendo com ela e a partir dela. Uma educação que respeite a natureza humana
e trate a criança como criança e não como um adulto em miniatura. É um livro
muito rico e que vale a pena, com os outros dois citados, ser lido.
Uma curiosidade:
a ideia de bondade no estado de natureza, em Rousseau, fez surgir o mito do bom
selvagem, presente na literatura brasileira do indianismo, tendo tido como
representantes, por exemplo, Gonçalves Dias (poema I-Juca-Pirama) e José de
Alencar (O Guarani, Ubirajara, Iracema ...). Vale a pena também conferir.
Enfim, a
resposta é a ALTERNATIVA (D) CONDIÇÃO ORIGINAL, por referência direta ou
indireta às condições humanas no estado de natureza e a este estado original da
humanidade, antes da formação da(s) sociedade(s).
LEMBRETE:
Estudante que se
prepara para o ENEM:
*Preste muita atenção nas aulas de Filosofia. Tire dúvidas, na hora, com o(a) professor(a).
*Preste muita atenção nas aulas de Filosofia. Tire dúvidas, na hora, com o(a) professor(a).
*Estude e
conheça bem as teorias dos filósofos. Você as encontrará no livro didático de Filosofia em uso na sua escola, em outros livros, didáticos ou não, que se encontrem na biblioteca de sua escola.
*Empenhe-se
igualmente por dispor de bom vocabulário e conhecimento das palavras, que
adentram na Língua Portuguesa. Atente para a Filosofia e a Língua Portuguesa,
matérias que andam de mãos dadas. Você tem três anos do ensino médio para as
aprender. Aprenda o máximo que puder.
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