domingo, 28 de abril de 2019

QUESTÃO 2 COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018 (Prof. José Antônio Brazão.)


QUESTÃO 2 COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018 (Prof. José Antônio Brazão.)
QUESTÃO 59 DO CADERNO 3 BRANCO DO ENEM 2018 (FILOSOFIA):
TEXTO 1: Tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, é válido também para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua própria força e invenção. (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1983.)
TEXTO 2: Não vamos concluir, com Hobbes que, por não ter nenhuma ideia de bondade, o homem seja naturalmente mau. Este autor deveria dizer que, sendo o estado de natureza aquele em que o cuidado de nossa conservação é menos prejudicial à dos outros, este estado era, por conseguinte, o mais próprio à paz e o mais conveniente ao gênero humano. (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e o fundamento da desigualdade entre os homens. São Paulo, Martins Fontes, 1993 [adaptado].)
 Os trechos apresentam divergências conceituais entre autores que sustentam um entendimento segundo o qual a igualdade entre os homens se dá em razão de uma
(A)  predisposição ao conhecimento.
(B)  submissão ao transcendente.
(C)  tradição epistemológica.
(D) condição original.
(E)  vocação política.
RESPOSTA: letra (D) CONDIÇÃO ORIGINAL.
Analisando alternativa por alternativa:
Alternativa (A): predisposição ao conhecimento. Predisposição é uma disposição, tendência natural, inclinação, propensão. A palavra é composta por: pré/pre-, que significa antes de, anterior a; dispor, que significa pôr, colocar, apresentar; ação, ato de agir. Predisposição ao conhecimento é disposição ou tendência natural ou inclinação ao conhecimento, seja à busca do conhecimento, seja à facilidade de aprender, adquirir conhecimentos. Porém, é preciso prestar atenção em um fato: nenhum dos textos está tratando de conhecimento ou de aprendizagem. Então, pode-se descartar a alternativa (A).
Alternativa (B): submissão ao transcendente. Submissão é o ato de submeter-se, estar sob o domínio de. No caso, estar sob o domínio do transcendente. Transcendente, por sua vez, é o que está além da realidade material, referindo-se a Deus ou aos deuses ou seres divinos. Poder-se-á dizer: submissão a Deus. Mas os dois textos não falam disto, não tocam nem no nome de Deus ou de qualquer ser que transcenda a realidade material, cotidiana. Portanto, é preciso descartar a alternativa (B) como resposta.
Alternativa (C): tradição epistemológica. Tradição é aquilo que é transmitido ao longo do tempo, em uma sociedade ou em um grupo, por aquela ou este às gerações seguintes. Epistemológica vem de epistemologia, referindo-se ao conhecimento e à ciência (episteme, em grego). Tradição epistemológica pode ser a transmissão de ideias, conhecimentos e descobertas científicas ou filosóficas, no decurso do tempo. Pode referir-se a uma corrente filosófica ou científica que tem vários pensadores e pensadoras que a sigam e transmitam. No entanto, nenhum dos dois textos trata de ciência ou conhecimento. Logo, esta alternativa pode ser igualmente descartada.
Alternativa (E): vocação política. Vocação, ao pé da letra, é o ato de chamar (do latim vocare), referindo-se ao fato de alguém sentir-se chamado ou despertado para a busca de algo. Neste caso, chamado ou despertado para o mundo político, para seguir a política. Ainda que ambos os textos tratem de temas ligados à política (ex.: guerra, inimigo, segurança; estado de natureza, paz...), nenhum deixa entender que a igualdade entre as pessoas é fruto de um chamado de todos à vida política e à participação nela. Então, não pode ser a alternativa (E).
Resta a alternativa (D) condição original.
De acordo com o Dicio – Dicionário Online de Português:
“Significado de Condição
substantivo feminino
Característica, aspecto ou essência que determina algo ou alguém: condição humana; condição financeira.
Estado em que algo ou alguém se encontra: o carro está em boas condições; o doente está em péssimas condições.
Categoria ou estado de alguém em relação ao seu nascimento, ao seu status social, acadêmico ou familiar: condição de solteira.
Circunstância em que algo ou alguém se encontra num certo momento; conjuntura, estado, nível, ocasião: as condições da prefeitura são desesperadoras; o desemprego piorou a sua condição.
Aspecto excessivamente importante para que algo aconteça.
Estado do que pode acontecer; chance: não tenho condições de os hospedar.
O que determina, ou não, a realização de alguma coisa: as condições da prova.
[Jurídico] Cláusula que estabelece realização de uma situação ou de uma ação, para que ocorra o ato jurídico.
Etimologia (origem da palavra condição). Do latim conditio.onis.”
(DICIO – Dicionário Online de Português. Significado de Condição. Disponível em https://www.dicio.com.br/condicao/ Acesso em 28 de abril de 2019.)
Dois trechos desse significado poderão nos dar pistas: Condição = “Estado em que algo ou alguém se encontra” e Condição = “Circunstância em que algo ou alguém se encontra num certo momento; conjuntura, estado, nível, ocasião”. (Grifos meus.) O texto de Hobbes diz: “para um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, é válido também para o tempo durante o qual vivem sem outra segurança...” (grifos meus). Tempo de que e tempo durante o qual indicam circunstâncias (condições de tempo, conjuntura, momento, ocasião) em que fatos se situam ou situaram, ocorrem ou ocorreram.
Original quer dizer da origem, referente à origem ou às origens. Origens, no caso, de quê? Dos seres humanos (todo homem, homem, como aparecem nos textos). Houve uma passagem do tempo de guerra, no caso de Hobbes, ao tempo de paz. Supõe-se também o conhecimento das ideias de Hobbes e Rousseau. Um resumo a seguir.
Thomas Hobbes (1588 – 1679), filósofo inglês, e Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), filósofo suíço, estão entre os filósofos do mundo moderno (séculos XV – XVIII), que se preocuparam com a questão das origens e das bases da(s) sociedade(s). Eles e outros perceberam que a sociedade é fruto da saída do ser humano do mundo natural (estado de natureza) para o mundo social, com leis e governo. O estado natural foi a condição inicial em que as pessoas se encontravam, na natureza, antes de formarem sociedade(s).
Thomas Hobbes escreveu o livro Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil, simplesmente referido como Leviatã. Para ele, o homem é mau por natureza e o estado de natureza é um estado de luta de todos contra todos. Um tempo de contínua guerra. Para não se matarem e se destruírem mutuamente, as pessoas fizeram um acordo, no qual surgiu a escolha de um governante todo-poderoso, que teria poderes plenos sobre todos, inclusive sobre a vida e a morte dos súditos, com a condição de garantir a vida e a propriedade de súditos e súditas. Por que absoluto, todo-poderoso? Porque o ser humano não deixou de ser mau por natureza, isto é, interesseiro, egoísta, ambicioso, belicoso (dado à luta por seus interesses), etc. O governante escolhido é comparado ao LEVIATÃ, daí o nome do livro, mencionado. Leviatã é um monstro marítimo poderoso citado na Bíblia, temido por séculos e milênios por marinheiros e navegadores, dominável somente por Deus. De fato, o governante escolhido só teria acima de si o próprio Deus.
Jean-Jacques Rousseau, por sua vez, escreveu O CONTRATO SOCIAL e acreditava que o homem (o ser humano) é bom por natureza. No estado de natureza os seres humanos eram bons. Porém, tendo-se deixado levar pela ambição e o próprio interesse, alguns tomaram terras e as separaram para si, obrigando os demais a concordarem. Nascia, então, a sociedade. A sociedade é, pois, um mal. O ser humano, não tendo mais como voltar ao estado original de natureza, à sua condição original e natural, precisa, contudo, buscar um retorno à natureza. O primeiro contrato, que deu origem à sociedade, foi imposto pelos fortes, os usurpadores. Um novo contrato é necessário, um contrato social, baseado no pacto social e na vontade geral. O pacto social seria a aceitação livre de deixar os interesses mesquinhos e pessoais e o excesso em favor de todos, a fim de formar uma sociedade mais justa e livre. A vontade geral seria  não a vontade de um governante absoluto que a impõe sobre todos, como no caso de Hobbes, mas a vontade de todos, expressa pela maioria das pessoas em votações e definições. A sociedade não seria perfeita, é claro, mas seria mais justa.
Quanto ao retorno à natureza, o livro EMÍLIO OU DA EDUCAÇÃO, de J.-J. Rousseau, propõe uma educação que ponha cada aprendiz em contado constante com a natureza, aprendendo com ela e a partir dela. Uma educação que respeite a natureza humana e trate a criança como criança e não como um adulto em miniatura. É um livro muito rico e que vale a pena, com os outros dois citados, ser lido.
Uma curiosidade: a ideia de bondade no estado de natureza, em Rousseau, fez surgir o mito do bom selvagem, presente na literatura brasileira do indianismo, tendo tido como representantes, por exemplo, Gonçalves Dias (poema I-Juca-Pirama) e José de Alencar (O Guarani, Ubirajara, Iracema ...). Vale a pena também conferir.
Enfim, a resposta é a ALTERNATIVA (D) CONDIÇÃO ORIGINAL, por referência direta ou indireta às condições humanas no estado de natureza e a este estado original da humanidade, antes da formação da(s) sociedade(s).
LEMBRETE:
Estudante que se prepara para o ENEM:
*Preste muita atenção nas aulas de Filosofia. Tire dúvidas, na hora, com o(a) professor(a).
*Estude e conheça bem as teorias dos filósofos. Você as encontrará no livro didático de Filosofia em uso na sua escola, em outros livros, didáticos ou não, que se encontrem na biblioteca de sua escola.
*Empenhe-se igualmente por dispor de bom vocabulário e conhecimento das palavras, que adentram na Língua Portuguesa. Atente para a Filosofia e a Língua Portuguesa, matérias que andam de mãos dadas. Você tem três anos do ensino médio para as aprender. Aprenda o máximo que puder.

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