QUESTÕES
COMENTADAS DE FILOSOFIA DO ENEM 2018
PRIMEIRA QUESTÃO
COMENTADA (Prof. José Antônio Brazão.)
QUESTÃO
58 – CADERNO 3 BRANCO DO ENEM 2018:
Desde
que tenhamos compreendido o significado da palavra “Deus”, sabemos, de
imediato, que Deus existe. Com efeito, essa palavra designa uma coisa de tal
ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior. Ora, o que existe na
realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento.
Donde se segue que o objeto designado pela palavra “Deus”, que existe no
pensamento, desde que se entenda essa palavra, também existe na realidade. Por
conseguinte, a existência de Deus é evidente. (TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica.
Rio de Janeiro. Loyola, 2002.)
O
texto apresenta uma elaboração teórica de Tomás de Aquino caracterizada por
(A) Reiterar a ortodoxia religiosa
contra os heréticos.
(B) Sustentar racionalmente doutrina
alicerçada na fé.
(C) Explicar as virtudes teologais pela
demonstração.
(D) Flexibilizar a interpretação
oficial dos textos sagrados.
(E) Justificar pragmaticamente crença
livre de dogmas.
RESPOSTA:
(B) Sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé.
EXPLICANDO A
RESPOSTA:
Tomás de Aquino
foi um teólogo e filósofo, professor universitário, do século XIII (13). O
período em que viveu foi o da escolástica. O que foi a filosofia escolástica?
Foi a que se desenvolveu nas escolas e universidades do mundo medieval, na Europa,
com destaque para os séculos XII, XIII e XIV, quando aquelas instituições de
ensino atingiram seu auge. Um diálogo muito profundo se instaurou entre a teologia
(estudo das coisas divinas, dos dogmas, da religião...) e a filosofia. Momento
em que traduções de filósofos gregos vinham sendo feitas, do árabe para o latim
ou do grego para o latim (o latim era língua de estudos dominante nos centros
de conhecimento europeus).
O uso das ideias
filosóficas na defesa racional da fé tornou-se fundamental. Buscava-se, então, sustentar
racionalmente doutrinas alicerçadas na fé.
Sustentar, no sentido de dar base, de fundamentar e demonstrar a
veracidade das doutrinas religiosas, aqui, mais especificamente, cristãs,
católicas (Tomás de Aquino foi um padre católico). Racionalmente, ou seja, com
base na razão, na capacidade humana de investigar e entender o mundo. A razão (logos, em grego, ratio, em latim) simbolizando a filosofia e sua estrutura
argumentativa. E como Tomás de Aquino faz uso da razão filosófica aqui?
Tomás de Aquino
usa uma estrutura lógica. A lógica lida com argumentos dos quais se tiram
conclusões. Como? Vejamos detalhadamente.
“Desde que
tenhamos compreendido o significado da palavra ‘Deus’, sabemos, de imediato,
que Deus existe. Com efeito, essa palavra designa uma coisa de tal ordem que
não podemos conceber nada que lhe seja maior.” (Tomás de Aquino)
Primeiramente,
Tomás de Aquino diz que da compreensão do significado da palavra ‘Deus’ é
possível saber, imediatamente (diretamente, na mesma hora), que Deus existe. Para
demonstrar esta proposição – afirmação (neste caso), colocação, declaração –
Tomás de Aquino toma, na primeira
premissa (proposição posta antes da conclusão), a designação, o
significado, da palavra Deus: “uma coisa de tal ordem que não podemos conceber
nada que lhe seja maior”. A palavra Deus, com efeito, define um ser supremo,
todo-poderoso, eterno, perfeitíssimo. Nenhum ser, portanto, é mais perfeito que
Deus, nem superior a ele.
Segunda
premissa (proposição, declaração, que antecede a
conclusão): “Ora, o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o
que existe apenas no pensamento.” (Tomás de Aquino). O que existe na
realidade E no pensamento é maior do
que existe apenas no pensamento é maior do que o que existe apenas no
pensamento, por quê? Porque é real, existe de fato, comprovadamente, é
realidade! E a realidade vai além do pensamento, conforme se pode entender
do que Tomás quer dizer.
Conclusão:
“Donde se segue que o objeto designado pela palavra ‘Deus’, que existe no
pensamento, desde que se entenda essa palavra, também existe na realidade.
Por conseguinte, a existência de Deus é evidente.” (Tomás de Aquino). Objeto é
um ser, algo que existe. O objeto aqui tratado é ‘Deus”, palavra que existe no
pensamento, mas que guarda consigo a realidade existencial. Pela definição de
Deus, nada há mais perfeito que ele. Se o termo existe como palavra pensada e
como suma perfeição, que está para além de tudo que existe (todos os seres
[criados]), sendo real e não uma mera ideia, então, Deus existe evidentemente,
isto é, claramente. Evidente é o que é claro, é o que é posto com clareza,
nitidez. Deus existe de fato, Deus é real, não é mera ideia do pensamento.
Para aprofundar,
vale citar a quarta via (o quarto caminho) que Tomás de Aquino segue, na Suma
Teológica, para provar a existência de Deus:
“A quarta via procede dos graus
que se encontram nas coisas. — Assim, nelas se encontram em proporção maior e
menor o bem, a verdade, a nobreza e outros atributos semelhantes. Ora, o mais e
o menos se dizem de diversos atributos enquanto se aproximam de um máximo,
diversamente; assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do maximamente
cálido. Há, portanto, algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por consequente,
maximamente ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres,
como diz o Filósofo. Ora, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de
tudo o que esse gênero compreende; assim o fogo, maximamente cálido, é causa de
todos os cálidos, como no mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e
da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus.” (AQUINO, Tomás
de. Artigo 2: Se é demonstrável a existência de Deus. IN: _______________. Suma
Teológica. Disponível em: https://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf Acesso em 12 de abril de 2019.).
Resumindo: Existem,
no mundo, graus de perfeição diferentes nos seres. Extrapolando o texto: uma planta
é mais perfeita que uma pedra, pois é um ser vivo, a pedra é um ser bruto e sem
vida; um animal é mais perfeito que uma planta, pois, além de se alimentar e
estar vivo como a planta, é capaz de usar os sentidos e até mover-se; uma
pessoa (ser humano), por sua vez, é mais perfeita que um animal, pois, além de
alimentar-se e viver como a planta, de sentir e locomover-se como os animais, é
um ser que dispõe de razão (intelecto, capacidade de investigar, entender e
explicar, com uso das palavras, o mundo e os seres que nele existem). Mas o
mais e o menos perfeito apontam para um grau mais superior de perfeição, um
grau perfeitíssimo. Ora, o mais perfeito ou perfeitíssimo que há só pode ser
Deus. Na questão do ENEM, Deus é “uma coisa de tal ordem que não podemos
conceber nada que lhe seja maior” (ver o texto no início). Sendo Deus um ser
perfeitíssimo, nada havendo maior que ele, e tendo por certo que o mais
perfeito e o menos perfeito apontam para algo perfeitíssimo, esse ser
perfeitíssimo, que é Deus, EXISTE.
Voltando ao
texto: Dos graus de perfeição, Tomás de Aquino usa o termo cálido, que
significa quente. Para além do quente (cálido) há o máximo quente, o
quentíssimo, em graus que vão do menos para o máximo. Entre os seres há graus
de perfeição, do menos perfeito ao mais perfeito, até o perfeitíssimo. Esse
perfeitíssimo é “um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em
tudo quanto existe, e chama-se Deus” (Tomás de Aquino), o ser mais nobre e
perfeito que existe (nobilíssimo e perfeitíssimo).
Um termo que
Tomás de Aquino usa é gênero. Gênero é o que engloba várias espécies com
características comuns. Espécie é a reunião de indivíduos com características
semelhantes. Indivíduo é cada ser que existe. Um exemplo para entender bem:
Animal (gênero), espécies (homens, mulheres, mamíferos, peixes, entre outras
espécies de animais), indivíduo (Manuel, boi, vaca, tucunaré, etc., indivíduos de
espécies animais diferentes). Na palavra animal (gênero) se condensam
características comuns a muitos seres vivos. E ainda existe um gênero maior: o
SER, que engloba animais, plantas, pedras, tudo que existe. Ser é tudo que
existe.
No caso da
questão: há graus diferentes de ser e de perfeição nos seres – o ser que se
define como ser perfeitíssimo e nobilíssimo (mais nobre) é Deus! Repetindo o
trecho do texto da questão do ENEM 2018: “uma coisa de tal ordem que não podemos
conceber nada que lhe seja maior” (Tomás de Aquino) (ver o texto no início).
Esse ser divino EXISTE, é real, de acordo com o raciocínio de Tomás de Aquino.
Raciocínio é um trabalho da razão (ratio,
em latim). Pode-se ver, portanto, que Tomás de Aquino quis SUSTENTAR
RACIONALMENTE (usando a razão) DOUTRINA (ensinamento religioso, neste caso)
ALICERÇADA NA FÉ (na crença religiosa). Fé e razão precisam uma da outra, mas,
é claro, a fé está acima da razão. A razão é um instrumento essencial na
demonstração da fé, na sustentação (fundamentação, embasamento) desta, jamais
esquecendo-se de que a fé é o alicerce, como defendia a doutrina católica
medieval.
Um comentário:
Gratidão pela postagem!
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