sexta-feira, 12 de abril de 2019

PRIMEIRA QUESTÃO COMENTADA DE FILOSOFIA DO ENEM 2018 (Prof. José Antônio Brazão.)


QUESTÕES COMENTADAS DE FILOSOFIA DO ENEM 2018
PRIMEIRA QUESTÃO COMENTADA (Prof. José Antônio Brazão.)
QUESTÃO 58 – CADERNO 3 BRANCO DO ENEM 2018:
Desde que tenhamos compreendido o significado da palavra “Deus”, sabemos, de imediato, que Deus existe. Com efeito, essa palavra designa uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior. Ora, o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento. Donde se segue que o objeto designado pela palavra “Deus”, que existe no pensamento, desde que se entenda essa palavra, também existe na realidade. Por conseguinte, a existência de Deus é evidente. (TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Rio de Janeiro. Loyola, 2002.)
O texto apresenta uma elaboração teórica de Tomás de Aquino caracterizada por
(A)  Reiterar a ortodoxia religiosa contra os heréticos.
(B)  Sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé.
(C)  Explicar as virtudes teologais pela demonstração.
(D) Flexibilizar a interpretação oficial dos textos sagrados.
(E)  Justificar pragmaticamente crença livre de dogmas.
RESPOSTA: (B) Sustentar racionalmente doutrina alicerçada na fé.
EXPLICANDO A RESPOSTA:
Tomás de Aquino foi um teólogo e filósofo, professor universitário, do século XIII (13). O período em que viveu foi o da escolástica. O que foi a filosofia escolástica? Foi a que se desenvolveu nas escolas e universidades do mundo medieval, na Europa, com destaque para os séculos XII, XIII e XIV, quando aquelas instituições de ensino atingiram seu auge. Um diálogo muito profundo se instaurou entre a teologia (estudo das coisas divinas, dos dogmas, da religião...) e a filosofia. Momento em que traduções de filósofos gregos vinham sendo feitas, do árabe para o latim ou do grego para o latim (o latim era língua de estudos dominante nos centros de conhecimento europeus).
O uso das ideias filosóficas na defesa racional da fé tornou-se fundamental. Buscava-se, então, sustentar racionalmente doutrinas alicerçadas na fé.  Sustentar, no sentido de dar base, de fundamentar e demonstrar a veracidade das doutrinas religiosas, aqui, mais especificamente, cristãs, católicas (Tomás de Aquino foi um padre católico). Racionalmente, ou seja, com base na razão, na capacidade humana de investigar e entender o mundo. A razão (logos, em grego, ratio, em latim) simbolizando a filosofia e sua estrutura argumentativa. E como Tomás de Aquino faz uso da razão filosófica aqui?
Tomás de Aquino usa uma estrutura lógica. A lógica lida com argumentos dos quais se tiram conclusões. Como? Vejamos detalhadamente.
“Desde que tenhamos compreendido o significado da palavra ‘Deus’, sabemos, de imediato, que Deus existe. Com efeito, essa palavra designa uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior.” (Tomás de Aquino)
Primeiramente, Tomás de Aquino diz que da compreensão do significado da palavra ‘Deus’ é possível saber, imediatamente (diretamente, na mesma hora), que Deus existe. Para demonstrar esta proposição – afirmação (neste caso), colocação, declaração – Tomás de Aquino toma, na primeira premissa (proposição posta antes da conclusão), a designação, o significado, da palavra Deus: “uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior”. A palavra Deus, com efeito, define um ser supremo, todo-poderoso, eterno, perfeitíssimo. Nenhum ser, portanto, é mais perfeito que Deus, nem superior a ele.
Segunda premissa (proposição, declaração, que antecede a conclusão): “Ora, o que existe na realidade e no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento.” (Tomás de Aquino). O que existe na realidade E  no pensamento é maior do que existe apenas no pensamento é maior do que o que existe apenas no pensamento, por quê? Porque é real, existe de fato, comprovadamente, é realidade! E a realidade vai além do pensamento, conforme se pode entender do que Tomás quer dizer.
Conclusão: “Donde se segue que o objeto designado pela palavra ‘Deus’, que existe no pensamento, desde que se entenda essa palavra, também existe na realidade. Por conseguinte, a existência de Deus é evidente.” (Tomás de Aquino). Objeto é um ser, algo que existe. O objeto aqui tratado é ‘Deus”, palavra que existe no pensamento, mas que guarda consigo a realidade existencial. Pela definição de Deus, nada há mais perfeito que ele. Se o termo existe como palavra pensada e como suma perfeição, que está para além de tudo que existe (todos os seres [criados]), sendo real e não uma mera ideia, então, Deus existe evidentemente, isto é, claramente. Evidente é o que é claro, é o que é posto com clareza, nitidez. Deus existe de fato, Deus é real, não é mera ideia do pensamento.
Para aprofundar, vale citar a quarta via (o quarto caminho) que Tomás de Aquino segue, na Suma Teológica, para provar a existência de Deus:
“A quarta via procede dos graus que se encontram nas coisas. — Assim, nelas se encontram em proporção maior e menor o bem, a verdade, a nobreza e outros atributos semelhantes. Ora, o mais e o menos se dizem de diversos atributos enquanto se aproximam de um máximo, diversamente; assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do maximamente cálido. Há, portanto, algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por consequente, maximamente ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres, como diz o Filósofo. Ora, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de tudo o que esse gênero compreende; assim o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos, como no mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus.” (AQUINO, Tomás de. Artigo 2: Se é demonstrável a existência de Deus. IN: _______________. Suma Teológica. Disponível em:  https://sumateologica.files.wordpress.com/2017/04/suma-teolc3b3gica.pdf   Acesso em 12 de abril de 2019.).
Resumindo: Existem, no mundo, graus de perfeição diferentes nos seres. Extrapolando o texto: uma planta é mais perfeita que uma pedra, pois é um ser vivo, a pedra é um ser bruto e sem vida; um animal é mais perfeito que uma planta, pois, além de se alimentar e estar vivo como a planta, é capaz de usar os sentidos e até mover-se; uma pessoa (ser humano), por sua vez, é mais perfeita que um animal, pois, além de alimentar-se e viver como a planta, de sentir e locomover-se como os animais, é um ser que dispõe de razão (intelecto, capacidade de investigar, entender e explicar, com uso das palavras, o mundo e os seres que nele existem). Mas o mais e o menos perfeito apontam para um grau mais superior de perfeição, um grau perfeitíssimo. Ora, o mais perfeito ou perfeitíssimo que há só pode ser Deus. Na questão do ENEM, Deus é “uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior” (ver o texto no início). Sendo Deus um ser perfeitíssimo, nada havendo maior que ele, e tendo por certo que o mais perfeito e o menos perfeito apontam para algo perfeitíssimo, esse ser perfeitíssimo, que é Deus, EXISTE.
Voltando ao texto: Dos graus de perfeição, Tomás de Aquino usa o termo cálido, que significa quente. Para além do quente (cálido) há o máximo quente, o quentíssimo, em graus que vão do menos para o máximo. Entre os seres há graus de perfeição, do menos perfeito ao mais perfeito, até o perfeitíssimo. Esse perfeitíssimo é “um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus” (Tomás de Aquino), o ser mais nobre e perfeito que existe (nobilíssimo e perfeitíssimo).
Um termo que Tomás de Aquino usa é gênero. Gênero é o que engloba várias espécies com características comuns. Espécie é a reunião de indivíduos com características semelhantes. Indivíduo é cada ser que existe. Um exemplo para entender bem: Animal (gênero), espécies (homens, mulheres, mamíferos, peixes, entre outras espécies de animais), indivíduo (Manuel, boi, vaca, tucunaré, etc., indivíduos de espécies animais diferentes). Na palavra animal (gênero) se condensam características comuns a muitos seres vivos. E ainda existe um gênero maior: o SER, que engloba animais, plantas, pedras, tudo que existe. Ser é tudo que existe.
No caso da questão: há graus diferentes de ser e de perfeição nos seres – o ser que se define como ser perfeitíssimo e nobilíssimo (mais nobre) é Deus! Repetindo o trecho do texto da questão do ENEM 2018: “uma coisa de tal ordem que não podemos conceber nada que lhe seja maior” (Tomás de Aquino) (ver o texto no início). Esse ser divino EXISTE, é real, de acordo com o raciocínio de Tomás de Aquino. Raciocínio é um trabalho da razão (ratio, em latim). Pode-se ver, portanto, que Tomás de Aquino quis SUSTENTAR RACIONALMENTE (usando a razão) DOUTRINA (ensinamento religioso, neste caso) ALICERÇADA NA FÉ (na crença religiosa). Fé e razão precisam uma da outra, mas, é claro, a fé está acima da razão. A razão é um instrumento essencial na demonstração da fé, na sustentação (fundamentação, embasamento) desta, jamais esquecendo-se de que a fé é o alicerce, como defendia a doutrina católica medieval.

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