domingo, 27 de março de 2016

SÉCULOS XVI\XVII XIX E XX: O DESLOCAMENTO DO HOMEM. (Prof. José Antônio Brazão.)

Nos últimos cinco séculos (XVI – XX), o ser humano sofreu o deslocamento de algumas posições privilegiadas que ocupava no universo.

Até o século XVI, os seres humanos ocupavam o centro do universo, numa visão geocêntrica muito antiga, anterior ao tempo do próprio Cristo. O geocentrismo foi um sistema astronômico que predominou por mais de dois milênios, até mais, no mundo ocidental. A Terra, Geia\Geo, em grego, ocupava o centro, em torno da qual giravam todos os demais astros, inclusive o Sol e as estrelas fixas. Eudoxo de Cnido e Aristóteles de Estagira, discípulos de Platão, na Academia, no século IV a.C., defenderam e buscaram sistematizar o conhecimento em torno no universo geocêntrico. No século II da era cristã, na Biblioteca de Alexandria, o astrônomo e geógrafo Cláudio Ptolomeu, no livro Almagesto, sistematizou, mais ainda, o geocentrismo, acrescentando epiciclos para explicar as variações nas órbitas planetárias. A voz de Aristarco de Samos, matemático e astrônomo grego do século III a.C., que defendera o heliocentrismo, foi silenciada. No século XVI, em seu magnífico poema Os Lusíadas, Luís Vaz de Camões, o português, descreve poeticamente o sistema geocêntrico!

No século XVI, um sacerdote, matemático e astrônomo, depois de muitas observações, cálculos e anotações, usando os olhos e ferramentas astronômicas rudimentares, chegou à conclusão ousada de que a Terra nada mais é do que um planeta, que, como quaisquer outros, gira em torno do glorioso e iluminado Sol! Chamava-se Nicolau Copérnico, era polonês. Seu livro, Da Revolução dos Orbes Celestes, foi, inclusive, posto no Índice dos Livros Proibidos (em latim, Index Librorum Prohibitorum), pela Inquisição Católica e criticado até por Martinho Lutero, o reformista. Mas, mesmo proibido, foi lido e, com muita argúcia, conhecimentos profundos dos céus e muitas experiências, cálculos e observações, Galileu Galilei, no século XVII, concluiu e provou que Copérnico estava certíssimo. Aristarco também. O HELIOCENTRISMO é uma realidade. O ser humano perdia, então, o privilégio de viver no centro do universo, onde fora colocado por Deus, conforme o livro do Gênesis, da Bíblia.

Até o século XVIII e parte do XIX, além de ser imagem e semelhança de Deus, o ser humano era visto como um ser racional por excelência. Partindo do século XVII, até o XIX, René Descartes, Immanuel Kant e Friedrich Hegel, por exemplo, foram grandes defensores e estudiosos da racionalidade humana! O próprio Iluminismo tratou muito das luzes da razão. No entanto, no século XIX e início do XX, um médico e psicoterapeuta alemão, chamado Sigmund Freud, descobriu algo impressionante: o INCONSCIENTE, isto é, uma estrutura que existe na mente humana, na qual ficam escondidos desejos, pulsões, lembranças e uma porção de informações aparentemente esquecidas, que atuam sobre o ser humano e conduzem, muitas vezes, suas ações e seus traumas psicológicos. Muitas das ações humanas têm, na verdade, motivações inconscientes. O ser humano deixou de ser visto como um ser puramente racional! Deslocou-se do pedestal da racionalidade pura.

Ainda, mais uma vez. Até os séculos XVIII e parte do XIX da era cristã, o ser humano era visto pela maioria das pessoas como o centro da criação divina, conforme o Gênesis bíblico, em seus capítulos 1 a 3 (um a três), imagem e semelhança de Deus, do Criador (Gênesis, cap. 1). No século XIX, os estudos, as observações e as descobertas de dois naturalistas ingleses, Charles Darwin e Alfred Russel Wallace, demonstraram e provaram a existência de um mecanismo de evolução de todos os seres vivos, incluindo o próprio ser humano, dentro da natureza. Um mecanismo regido por meio da SELEÇÃO NATURAL, numa luta constante, da qual somente os mais fortes e os mais bem adaptados sobrevivem, evoluem e passam suas características a seus descendentes.

O evolucionismo prova que o homem (homens e mulheres) é um ser vivo, um animal, que sofreu (e sofre), ao longo de milhões de anos, um processo evolutivo, provocado pela seleção natural e a adaptação das espécies vivas.

Com o advento da genética, nascida, já no século XIX, com Gregor Mendel, um sacerdote católico, botânico e cientista, a descoberta do DNA nos inícios da segunda metade do século XX, outras descobertas genéticas, descobertas geológicas (tempo da Terra), biológicas (fósseis) e a teoria comprovada, no campo da astronomia, do BIG BANG, descobriu-se que todo o universo passou por um processo de expansão (astronomia), de formação de galáxias e estrelas e de sistemas estelares, como o do Sol, e, juntamente com este, a Terra (astronomia e geologia), o que levou avante o surgimento e a evolução natural dos seres vivos.

Na sequência da evolução do universo, na evolução da Terra, com a água e os materiais orgânicos básicos necessários, o surgimento da vida e sua paulatina evolução, no transcurso de 3,5 (três e meio) bilhões de anos, aproximadamente, até hoje (biologia). Aliás,  os seres vivos continuam e continuarão evoluindo. No entanto,  como as mudanças não ocorrem de uma vez, as pessoas têm a sensação de que as coisas sempre foram assim, do modo como são. Contudo, os fósseis e as descobertas genéticas estão aí para provar, de fato, inegavelmente, o evoluir das espécies. O ser humano, visto como um animal como qualquer outro, melhor que os demais por conta de seu intelecto evoluído, perdeu seu lugar primordial, sendo deslocado do centro da Criação.

No campo das relações humanas, o deslocamento do homem, literalmente dito, o masculino, do lugar central no ambiente familiar. Lutas femininas, guerras terríveis, nas quais morreram muitos homens, a colocação da mulher no mundo do mercado e do trabalho, sua formação educativa maior, entre outras mudanças, puseram o machismo em xeque. Não que ele ainda não exista, mas que perdeu parte da força que teve no decorrer de milênios de história humana.

 
Por sua vez, tem-se também a aparência de que Deus perdeu seu lugar. Muito pelo contrário, a fé é algo tão arraigado na imensa maioria dos seres humanos que se torna dificílimo, ou talvez impossível, querer-se afirmar seu fim. Cabe aqui, portanto, a busca de um mútuo respeito, entre os que têm fé, os ateus\ateias e os mais diversos fiéis de muitas religiões existentes, de todos entre si, tendo em vista um bem maior: o bem comum. Independentemente de crer num Deus criador ou em uma evolução criadora e puramente natural, desafios se põem a todos, hoje, mais do que nunca: aquecimento global, novas doenças e antigas doenças que agora manifestam-se com mais força,  poluição, devastação secular do meio ambiente, causados pelo uso intenso da natureza, pelo consumismo constante, que mina inexoravelmente o mundo natural, guerras, conflitos, terrorismos de diferentes tipos e em muitos lugares, fome, corrupção, dentre outros males, demandam DE TODOS, homens e mulheres, independentemente de crenças religiosas e científicas, a união e o diálogo, fundamentados numa percepção ética e humanística, aberta, tolerante e clara, de mundo e de humanidade.

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