quinta-feira, 6 de junho de 2013

A ESCRITA FILOSÓFICA E OS GÊNEROS LITERÁRIOS (Prof. José Antônio Brazão.)

É interessante observar que, assim como na literatura, portuguesa ou mundial, também na escrita filosófica aparecem gêneros. A seguir, resumidamente, vão alguns deles:

POESIA. Curiosamente, logo no início, no nascimento, da filosofia ocidental, um gênero bem utilizado pelos filósofos pré-socráticos ou físicos (final do séc. VII e, principalmente, séc. VI/V a.C., aproximadamente) foi a poesia, da qual ainda existem fragmentos esparsos em autores diversos, que os citaram, ao longo dos séculos que se seguiram, e que foram, posteriormente (séculos XIX e XX), compilados, reunidos. Tais fragmentos, boa parte poéticos, apontam para um estilo que era comum também entre os rapsodos (poetas, declamadores) que contavam aos gregos as histórias dos deuses. Contudo, com os filósofos houve o direcionamento para a discussão não mítica das questões. Houve aqueles que escreveram em prosa. Um poema magnífico é o de Parmênides, que vale a pena ser lido e apreciado, que conta sua visita à Justiça e sua conversa filosófica com esta, aprendendo a buscar o caminho do SER, da verdade, e a fugir do caminho do NÃO-SER, da aparência e da transitoriedade ilusória. No século XVIII da era cristã, Voltaire também fez bom uso de poesias, envolvendo temas filosóficos e históricos.

MITO ou ALEGORIA: Platão (séc. V/IV a.C.) fez largo uso de histórias que pudessem introduzir e facilitar o entendimento dos leitores no aprendizado de filosofia. O nome mito tem, em sua origem, justamente, o significado de história, relato. Alegoria, uma história comparativa. Platão foi, pois, um verdadeiro inventor e contador de histórias. Tem o mito ou alegoria da caverna, o mito ou alegoria de Er, o mito do andrógino, dentre outros. Todos eles apontando para a discussão e o entendimento de conceitos mais profundos da filosofia platônica.

CARTAS. No decorrer dos séculos, um estilo de escrita também muito usado foi/foram a(s) carta(s). Cartas escritas a pessoas determinadas ou abertas ao público. Voltaire (século XVIII), iluminista, escreveu muitas, em boa parte das quais apresentou e discutiu questões filosóficas. Dentre elas, as mais conhecidas são as Cartas Filosóficas. Nestas o filósofo francês elogia a cultura e o povo inglês, discute ciências, tolerância religiosa, dentre vários outros temas. Outros filósofos também escreveram cartas. O estilo carta tem a vantagem de não ter o rigorismo dos tratados filosóficos, obras mais densas. As cartas filosóficas são também curtas e mais diretas.

SUMAS. No mundo escolástico (aproximadamente, entre os séculos X/XI ao XVI), destacadamente em Tomás de Aquino (século XIII), um estilo de escrita muito usado foi o das sumas, isto é, obras que apresentavam resumos relacionados a temas filosóficos e teológicos ou mistos, boa parte das quais eram usadas por estudantes. A Suma Teológica, a Suma Contra os Gentios e outras sumas de Tomás de Aquino demonstram bem essa preocupação de discussão filosófico-teológica e de ensino. A estrutura lógica é bem clara, apresentando questões contra e a favor e discutindo-as a seguir, a respeito de diferentes temas e ideias que envolviam o debate filosófico. A Suma Teológica é grande, mas, se for feita uma observação mais detalhada, nela encontram-se temas discutidos filosófica e teologicamente de forma resumida e com rigor lógico (a lógica Aristotélica e medieval).

AFORISMO. Aforismos são textos curtos, que põem em discussão temas determinados. São, geralmente, densos em termos de conteúdo e significação. É um estilo marcante em Friedrich Nietzsche, filósofo alemão do século XIX. A escolha do aforismo, por este filósofo, sofreu influência da objetividade de cada texto e, certamente, das viagens que ele fez ao longo da vida.

TRATADO. Obras, geralmente, de tamanho médio ou longas e aprofundadas a respeito de temas filosóficos, podendo ser separadas por capítulos ou partes integradas entre si. Locke escreveu, por exemplo, um Tratado Sobre a Tolerância, em que discute a questão da tolerância religiosa e no mundo social. De fato, no seu tempo, pessoas ainda eram perseguidas e até morriam por suas ideias e suas crenças. Hume (séc. XVIII) escreveu um Tratado da Natureza Humana, no qual expõe e defende suas idéias marcadamente empiristas a respeito do mundo, da natureza e do conhecimento humanos. Wittgenstein, filósofo austríaco (século XX), escreveu o Tratado Lógico-Filosófico, obra em que põe em discussão questões filosóficas relacionadas com a linguagem e sua construção.

ROMANCE. O romance é o relato um pouco mais longo e que conta alguma história que envolve questões relacionadas à vida, à existência, dentre outras, vistas sob perspectiva filosófica, no caso do romance filosófico. Exemplos podem ser encontrados, por exemplo, em Jean-Paul Sartre e Albert Camus, filósofos existencialistas do século XX. A Peste, de Camus, é um bom exemplo e mostra a luta de uma cidade francesa contra a uma peste de ratos que, progressivamente, vinha infestando-a. Verdadeira crítica à invasão nazista, utilizando imagens muito ricas e expressivas, expondo valores existenciais e ideias existencialistas.

CONTO. Contos são histórias curtas, em prosa, menores que o romance. Na filosofia, um grande contista filosófico e escritor foi o francês Voltaire. Em seus contos, Voltaire trata de questões diversas, viagens, conflitos, problemas de seu tempo, ideias filosóficas, valores éticos, questionamentos sobre a vida humana.
Conhecer o estilo literário utilizado em certa obra, escrita por certo filósofo, pode ajudar no estudo e na melhor compreensão das ideias por ele discutidas, pode ajudar a entender melhor uma parte de sua filosofia. Nesse sentido, o trabalho interdisciplinar com a Língua Portuguesa pode ajudar bastante, podendo ser estudados aspectos filosóficos e literários da obra. Professora de Filosofia, professor de Filosofia, converse com o(a) professor(a) de Língua Portuguesa (quem sabe, também com o[a] de Língua Inglesa e/ou Espanhola) para um trabalho conjunto, filosófico-literário! De repente, pode ajudar muito no aprendizado das e dos estudantes.
O conhecimento daqueles estilos e de outros que não foram mencionados, mas que podem ser pesquisados, verificados, pode ser de muito valor para o aprendizado de Filosofia, como o é em Língua Portuguesa. Mas cabe lembrar que a linguagem da filosofia tem sua complexidade própria, questões e discussões próprias, ainda que algumas destas sejam discutidas também em outras áreas do conhecimento humano. Novamente, a interdisciplinaridade pode ajudar muito.
No mais, utilize bons dicionários de Filosofia e Língua Portuguesa (de outras línguas também, caso envolva outros e outras profissionais de línguas), atualizados, dentro da nova ortografia. O livro didático e outros livros poderão ajudar muito também, encontrando-se aí informações preciosas sobre o(a) filósofo(a) em estudo. No mais, bom trabalho!

2 comentários:

Rogério Horácio Silva disse...

Dias atrás um aluno de 7o ano, ao topar com um trecho de Maquiavel, me perguntou (sou prof. de português) que gênero seria aquele - tratava-se de um fragmento de O príncipe -, e eu não soube explicar na hora. Agora, encontrando esse seu texto, tudo ficou muito mais claro. Este seu pequeno resumo de tantos séculos de filosofia, é o melhor que posso recomendar ao dito aluno. Também dei uma olhada em outras partes do teu blog. Você tem feito um belo trabalho, obrigado por compartilhar conhecimento.

Sobre Nós disse...

Obrigado. Sou estudante de filosofia. Eu também penso que a língua portuguesa é um auxiliar indispensável para entender textos filosóficos