domingo, 20 de agosto de 2023

TERCEIRO BIMESTRE - AULA 23 DE TCH DOS SEGUNDOS ANOS: A QUESTÃO INDÍGENA NA ÉPOCA DA MONARQUIA E DO IMPÉRIO NO BRASIL – UM RELATO DO NATURALISTA AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE (Século XIX) comentado (Prof. José Antônio Brazão.)

 

SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

COMANDO DE ENSINO POLICIAL MILITAR

 CEPMG - VASCO DOS REIS

Divisão de Ensino / Coordenação Pedagógica

TERCEIRO BIMESTRE

AULA 23 DE TCH DOS SEGUNDOS ANOS:

A QUESTÃO INDÍGENA NA ÉPOCA DA MONARQUIA E DO IMPÉRIO NO BRASIL – UM RELATO DO NATURALISTA AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE (Século XIX):

1)    APRESENTAR O RELATO DO NATURALISTA FRANCÊS.

2)    ANALISAR ESSE RELATO.

COMENTÁRIO (Prof. José Antônio Brazão.)

A Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, traz um relato do contato pacífico tido entre portugueses (navegadores chefiados por Pedro Álvares Cabral) e indígenas, bem como o interesse daqueles pelas potencialidades das novas terras descobertas. Porém, desde o início da colonização do Brasil pelos portugueses, a relação dos europeus com os índios (ou indígenas) frequentemente foi conflituosa: ataques de ambos os lados, escaramuças, vidas perdidas. Claro, as perdas maiores foram dos índios.

Com a vinda de bandeirantes para o Brasil, além da busca por ouro, outros metais e pedras preciosas, também a escravização de índios, mais baratos que os negros africanos e relativamente disponíveis. Outro drama sofrido pelos índios: as doenças trazidas pelos portugueses e para as quais seus sistemas imunológicos não estavam preparados. Portanto, mais mortes.

Mais: a perda de terras para colonos portugueses.

Em Goiás não foi muito diferente. Os bandeirantes atacaram, estupraram, mataram e escravizaram indígenas, além de invadirem suas terras à procura do tão desejado ouro e das pedras preciosas. Tribos foram dizimadas. Dos índios goiases resta apenas o nome do Estado de Goiás.

Um papel importante teve a Igreja Católica Romana, aliada da Coroa Portuguesa: pregação, conversão, catequização dos índios, tornando-os fiéis da religião e súditos do rei e da rainha. De acordo com o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que passou por Goiás no século XIX, além de outras partes do Brasil, em tribos realocadas e em outras nas quais haviam, próximas, guarnições de soldados e eram atendidas por padres, o tratamento dado pelos padres era melhor e mais organizado. Os soldados agiam, muitas vezes, com truculência (força e violência).

O trabalho dos padres com os índios incluiu, em muitos casos, o uso de roupas, já que os índios andavam nus. Passaram, pois, a ter que usar roupas, acomodando-se aos costumes europeus trazidos pelos sacerdotes católicos.

O texto abaixo, de Saint-Hilaire, dá uma boa ideia da questão indígena naqueles tempos.

Os Índios Coiapós (Relato de Auguste de Saint-Hilaire):

Chegando ao alto da serra tive uma ampla visão de todas as terras ao redor e distingui nitidamente Vila Boa, ao longe, parecendo um oásis no meio de um deserto. Mais longe ainda, avistei os dois cumes dos Montes Pireneus."

"Antes de chegar à Aldeia de S. José avista-se de longe o povoado. Entediado pela triste monotonia da região, é com prazer que o visitante vê o encantador efeito produzido na paisagem pela série de construções regulares que contrastam com o aspecto selvagem e desértico das terras circunvizinhas.

Essa aldeia, habitadas pelos índios Caiapós, ou Coiapós, como se diz geralmente na região, não foi originalmente destinada a essa nação indígena.

Desde os primeiros tempos da descoberta de Goiás, os aventureiros que se espalharam por estas terras fizeram contra os índios as mais temíveis crueldades, e estes se vingaram muitas vezes por meio de represálias não menos terríveis. O governo português, geralmente generoso em relação aos índios, tomou-os sob sua proteção, expedindo ordens para que fossem tratados com doçura, mandando chamar jesuítas para que os catequizassem e civilizassem, determinando que não fosse poupada nenhuma despesa e se fizesse um inquérito contra os seus carrascos. É grande, porém, a distância entre Lisboa e Goiás, e essas medidas bem-intencionadas não surtiram nenhum resultado.

Não obstante, foram fundadas algumas aldeias, com grande dispêndio de dinheiro, entre elas as do Douro e de Formiga, perto do Arraial das Almas, na parte setentrional da província. Inicialmente, foi confiada a direção dessas aldeias aos jesuítas, que logo exerceram sobre os Acróas ali reunidos uma enorme influência. Todavia, cinco anos mais tarde foi instalada uma guarnição militar junto aos indígenas. Estes se revoltaram e a maioria foi massacrada.

No governo do Capitão-geral José de Almeida, Barão de Mossamedes, por volta de 1773 ou 1774, eles tornaram a se revoltar. os chefes foram executados, e o resto aprisionado e levado para as proximidades da capital, onde todos os cativos foram instalados numa aldeia construída em 1755 a 5 léguas de Vila Boa. Era a Aldeia S. José de Mossamedes, ou S. José, como é simplesmente chamada, nome dado em homenagem ao capitão-geral.

Os acroás não tardaram a se extinguir ou se dispensar, e por volta de 1781 foram substituídos pelos Javaés e os Carajás, trazidos da Aldeia da Nova Beira, no norte da província, os quais por sua vez não tardaram a desaparecer.

Enquanto esses fatos iam se sucedendo, outros ocorriam em diferentes partes do país.

Tão logo foi descoberta a província de Goiás começou a guerra entre os aventureiros paulistas e os índios Coiapós, que vagueavam a sudoeste da província por vastas extensões de terras praticamente inexploradas. A guerra de desencadeava com igual crueldade de ambos os lados. Os Coiapós atacavam de surpresa as tropas de burros que vinham de São Paulo, tendo forçado os portugueses a abandonarem vários postos estabelecidos por eles na parte setentrional da província do mesmo nome. As hostilidades se prolongaram até 1780, quando então um simples soldado chamado Luís, que tomara parte em várias expedições contra os índios, tomou a si o encargo, sob a proteção do Capitão-geral Luís da Cunha Menezes, de subjugar os Coiapós, tido até então como indomáveis. Acompanhado apenas de meia centena de portugueses e três índios, ele se pôs a caminho em 15 de fevereiro de 1780, embrenhando-se no território dos Coiapós. Durante vários meses esses destemidos aventureiros viveram apenas do que caçavam e de mel silvestre. Aproximavam-se, com sinais de amizade, de todos os Coiapós que encontravam e conversavam com eles ajudados por três intérpretes. Mostravam-se afáveis, davam-lhes presentes e por fim conseguiram convencer um certo número deles a acompanhá-los até Vila Boa para conhecerem o grande capitão, nome que os índios dão ao chefe supremo. Um grupo de cerca de quarenta pessoas, composto de um velho, seis guerreiros, mulheres e crianças, chegou à capital da província com o soldado Luís, sendo recebido com toda pompa possível. Organizaram-se festas, deram-se tiros de canhão, cantou-se um Te Deum [uma oração de louvor católica] e batizaram-se as crianças. O velho encantado com essa recepção, declarou que não voltaria mais para suas matas. Permaneceu em Goiás com as mulheres e as crianças, mandando os seis guerreiros de volta e lhes recomendando que retornassem á cidade, passadas seis luas, trazendo um grupo ainda maior. No mês de maio de 1781 duzentos e trinta e sete Coiapós fizeram sua entrada em Vila Boa sob o comando de dois caciques, tendo uma recepção semelhante à dos primeiros. O capitão-geral mandou construir para todos eles, a 11 léguas da capital, uma aldeia que recebeu o nome de Maria, em honra de D. Maria I, Rainha de Portugal. Ali se instalou uma população composta de 600 Coiapós. Parece que, a partir dessa época, as tropas de burros jamais voltaram a ser atacadas pelos índios na estrada de S. Paulo."

"Habituados nas matas a dormir em choças, nas quais só podem entrar agachados, os índios acharam muito frias as casas de teto alto e cobertas de telhas que lhe foram reservadas, e eles próprios construíram outras, mais baixas, a poucos passos da aldeia. O teto destas é feito de palha e a sua estrutura é a mesma das casas luso-brasileiras, compondo-se de varas fincadas no chão e atadas com cipó a compridos bambus dispostos transversalmente. Mas, enquanto que os portugueses costumam tapar com barro os espaços vazios entre as varas cruzadas, os Coiapós se limitam a trançar folhas de palmeiras entre elas, como outros indígenas, tentando imitar as construções europeias. As choças que os Coiapós construíram nas proximidades da aldeia não ultrapassam uma dezena. É a uma légua de S. José, nas suas plantações, que se encontra a maioria de suas moradas."

"O governo geral da aldeia é confiado a um coronel que mora em Vila Boa e dirige todas as aldeias da província. Os Coiapós se acham em S. José sob a tutela imediata de um destacamento militar composto de um cabo, que tem o título de comandante, de um simples soldado dos Dragões - ambos pertencentes à Companhia de Vila Boa - e de quinze pedestres, dos quais dois são oficiais subalternos. Entre os restantes encontram-se um serralheiro e um carpinteiro, sendo o primeiro encarregado de consertar as ferramentas dos Coiapós e o segundo de fazer as construções da aldeia. O cabo-comandante tem autoridade para punir os índios, amarrando os homens ao tronco e aplicando a palmatória nas mulheres e crianças. Os Coiapós cultivam a terra em comum, trabalhando cinco dias por semana, sob a supervisão do pedestre. A colheita é recolhida aos armazéns da aldeia e em seguida destribuída, pelo cabo-comandante, entre as famílias indígenas, de acordo com a necessidade de cada uma. O excedente é vendido à cidade ou aos pedestres, que são obrigado a custear seu próprio alimento. Com o produto dessa venda, o diretor geral compra sal, fumo, tecidos de algodão e utensílios de ferro, que envia ao cabo-comandante para que sejam distribuídos entre os indígenas. Há na aldeia um moinho de água que move ao mesmo tempo uma mó destinada a moer o milho, uma máquina de descaroçar o algodão e, finalmente, vinte e quatro fusos. Uma mulata recebe 50.000 réis por ano para ensinar as mulheres coiapós a fiar e tecer o algodão. O produto desse trabalho também pertence à comunidade, como os produtos da terra. Os dois dias de folga que tem os índios são o domingo e a segunda-feira, que eles aproveitam para caçar ou cuidar de pequenas plantações particulares de inhame e de batatas.

A forma de governo que acabo de descrever foi calcada na que havia sido adotada pelos jesuítas, e forçoso é admitir que ela convém aos índios, os quais, por sua total falta de previdência, são incapazes de governarem a si próprios. Mas não bastam apenas bons regulamentos. É preciso que haja também homens capazes de fazer com que sejam obedecidos, e não há ninguém que não perceba que é absurdo pretender conseguir com soldados o mesmo resultado obtido com missionários. Os jesuítas eram movidos por duas forças que sempre produziram grandes coisas: a religião e a honra. Eles teriam tido sucesso ainda que tivessem escolhido para os índios uma forma de governo mais imperfeita. Mas que se pode esperar de homens como os pedestres, todos eles mulatos e oriundos da camada mais baixa da sociedade, homens que não se deixam dominar nem mesmo pelo temor, pois vivem afastados de seus superiores, e que, mal remunerado, não têm outro objetivo senão o do se aproveitarem dos Coiapós em seu próprio interesse? Os índios se sentem insatisfeitos e fogem para as matas. São perseguidos e recapturados, mas tornam a fugir. Um único padre da Companhia de Jesus governava às vezes milhares de índios, enquanto que dezessete soldados mal conseguem manter reunidos duzentos Coiapós, sem nenhuma utilidade para o Estado e quase nenhum proveito para eles próprios."

"Os portugueses deram, não sei porque, o nome de Coiapós ou Caiapós a esses indígenas. Pelo que me disseram, parece que um grupo deles, que ainda vive nas matas (1819), sem nenhuma outra tribo nas vizinhanças, não tinha nome que os identificasse, e por isso passaram a usar a palavra panariá a fim de se distinguirem, como raça, dos negros e dos brancos. De onde se deve concluir, ao que me parece, que essa palavra passou a ser usada posteriormente à descoberta, bastante recente, da região, e que antes dessa época os Caiapós provavelmente, se julgavam sozinhos no Universo.

São encontrados nesses indígenas todos os traços os traços característicos da raça americana: Cabeça grande, socada entre os ombros, cabelos lisos, pretos, duros e bastos, tórax largo, pele parda, pernas finas. As características particulares de sua tribo são a cabeça arredondada, a fisionomia aberta e inteligente, a elevada estatura, os olhos e a cor escura da pele. Os Coiapós são uma bela raça.(SAINT-HILAIRE, Auguste de. Os Índios Coiapós. Pirenópolis, s/data. Disponível em: < https://pirenopolis.tur.br/cultura/historia/saint-hilaire > Acesso em 12/08/2023.)

REFERÊNCIAS:

COMANDO DE ENSINO DA POLÍCIA MILITAR DE GOIÁS. Apostila de Cultura Goiana. Goiânia, [década de 2010].

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Os Índios Coiapós. Pirenópolis, s/data. Disponível em: < https://pirenopolis.tur.br/cultura/historia/saint-hilaire > Acesso em 12/08/2023.

VATICAN NEWS. Te Deum. Disponível em: < https://www.vaticannews.va/pt/oracoes/te-deum.html > Acesso em 12/08/2023.

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