COMANDO DE
ENSINO POLICIAL MILITAR
CEPMG -
VASCO DOS REIS
Divisão de
Ensino / Coordenação Pedagógica
TERCEIRO BIMESTRE
AULA 23 DE TCH DOS SEGUNDOS ANOS:
A QUESTÃO INDÍGENA NA ÉPOCA DA MONARQUIA E DO
IMPÉRIO NO BRASIL – UM RELATO DO NATURALISTA AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE (Século
XIX):
1)
APRESENTAR O RELATO DO NATURALISTA FRANCÊS.
2)
ANALISAR ESSE RELATO.
COMENTÁRIO (Prof. José Antônio Brazão.)
A Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, traz um relato
do contato pacífico tido entre portugueses (navegadores chefiados por Pedro
Álvares Cabral) e indígenas, bem como o interesse daqueles pelas
potencialidades das novas terras descobertas. Porém, desde o início da
colonização do Brasil pelos portugueses, a relação dos europeus com os índios
(ou indígenas) frequentemente foi conflituosa: ataques de ambos os lados,
escaramuças, vidas perdidas. Claro, as perdas maiores foram dos índios.
Com a vinda de bandeirantes para o Brasil, além da
busca por ouro, outros metais e pedras preciosas, também a escravização de
índios, mais baratos que os negros africanos e relativamente disponíveis. Outro
drama sofrido pelos índios: as doenças trazidas pelos portugueses e para as
quais seus sistemas imunológicos não estavam preparados. Portanto, mais mortes.
Mais: a perda de terras para colonos portugueses.
Em Goiás não foi muito diferente. Os bandeirantes
atacaram, estupraram, mataram e escravizaram indígenas, além de invadirem suas
terras à procura do tão desejado ouro e das pedras preciosas. Tribos foram
dizimadas. Dos índios goiases resta apenas o nome do Estado de Goiás.
Um papel importante teve a Igreja Católica Romana,
aliada da Coroa Portuguesa: pregação, conversão, catequização dos índios,
tornando-os fiéis da religião e súditos do rei e da rainha. De acordo com o
naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que passou por Goiás no século
XIX, além de outras partes do Brasil, em tribos realocadas e em outras nas
quais haviam, próximas, guarnições de soldados e eram atendidas por padres, o
tratamento dado pelos padres era melhor e mais organizado. Os soldados agiam,
muitas vezes, com truculência (força e violência).
O trabalho dos padres com os índios incluiu, em
muitos casos, o uso de roupas, já que os índios andavam nus. Passaram, pois, a
ter que usar roupas, acomodando-se aos costumes europeus trazidos pelos
sacerdotes católicos.
O texto abaixo, de Saint-Hilaire, dá uma boa ideia
da questão indígena naqueles tempos.
Os Índios Coiapós (Relato de Auguste de
Saint-Hilaire):
“Chegando ao alto da serra
tive uma ampla visão de todas as terras ao redor e distingui nitidamente Vila
Boa, ao longe, parecendo um oásis no meio de um deserto. Mais longe ainda,
avistei os dois cumes dos Montes Pireneus."
"Antes de chegar à
Aldeia de S. José avista-se de longe o povoado. Entediado pela triste monotonia
da região, é com prazer que o visitante vê o encantador efeito produzido na paisagem
pela série de construções regulares que contrastam com o aspecto selvagem e
desértico das terras circunvizinhas.
Essa aldeia, habitadas
pelos índios Caiapós, ou Coiapós, como se diz geralmente na região, não foi
originalmente destinada a essa nação indígena.
Desde os primeiros tempos
da descoberta de Goiás, os aventureiros que se espalharam por estas terras
fizeram contra os índios as mais temíveis crueldades, e estes se vingaram
muitas vezes por meio de represálias não menos terríveis. O governo português,
geralmente generoso em relação aos índios, tomou-os sob sua proteção, expedindo
ordens para que fossem tratados com doçura, mandando chamar jesuítas para que
os catequizassem e civilizassem, determinando que não fosse poupada nenhuma
despesa e se fizesse um inquérito contra os seus carrascos. É grande, porém, a
distância entre Lisboa e Goiás, e essas medidas bem-intencionadas não surtiram
nenhum resultado.
Não obstante, foram
fundadas algumas aldeias, com grande dispêndio de dinheiro, entre elas as do
Douro e de Formiga, perto do Arraial das Almas, na parte setentrional da
província. Inicialmente, foi confiada a direção dessas aldeias aos jesuítas,
que logo exerceram sobre os Acróas ali reunidos uma enorme influência. Todavia,
cinco anos mais tarde foi instalada uma guarnição militar junto aos indígenas.
Estes se revoltaram e a maioria foi massacrada.
No governo do
Capitão-geral José de Almeida, Barão de Mossamedes, por volta de 1773 ou 1774,
eles tornaram a se revoltar. os chefes foram executados, e o resto aprisionado
e levado para as proximidades da capital, onde todos os cativos foram
instalados numa aldeia construída em 1755 a 5 léguas de Vila Boa. Era a Aldeia
S. José de Mossamedes, ou S. José, como é simplesmente chamada, nome dado em
homenagem ao capitão-geral.
Os acroás não tardaram a
se extinguir ou se dispensar, e por volta de 1781 foram substituídos pelos
Javaés e os Carajás, trazidos da Aldeia da Nova Beira, no norte da província,
os quais por sua vez não tardaram a desaparecer.
Enquanto esses fatos iam
se sucedendo, outros ocorriam em diferentes partes do país.
Tão logo foi descoberta a
província de Goiás começou a guerra entre os aventureiros paulistas e os índios
Coiapós, que vagueavam a sudoeste da província por vastas extensões de terras
praticamente inexploradas. A guerra de desencadeava com igual crueldade de
ambos os lados. Os Coiapós atacavam de surpresa as tropas de burros que vinham
de São Paulo, tendo forçado os portugueses a abandonarem vários postos
estabelecidos por eles na parte setentrional da província do mesmo nome. As
hostilidades se prolongaram até 1780, quando então um simples soldado chamado
Luís, que tomara parte em várias expedições contra os índios, tomou a si o
encargo, sob a proteção do Capitão-geral Luís da Cunha Menezes, de subjugar os
Coiapós, tido até então como indomáveis. Acompanhado apenas de meia centena de
portugueses e três índios, ele se pôs a caminho em 15 de fevereiro de 1780,
embrenhando-se no território dos Coiapós. Durante vários meses esses destemidos
aventureiros viveram apenas do que caçavam e de mel silvestre. Aproximavam-se,
com sinais de amizade, de todos os Coiapós que encontravam e conversavam com
eles ajudados por três intérpretes. Mostravam-se afáveis, davam-lhes presentes
e por fim conseguiram convencer um certo número deles a acompanhá-los até Vila
Boa para conhecerem o grande capitão, nome que os índios dão ao chefe supremo.
Um grupo de cerca de quarenta pessoas, composto de um velho, seis guerreiros,
mulheres e crianças, chegou à capital da província com o soldado Luís, sendo
recebido com toda pompa possível. Organizaram-se festas, deram-se tiros de
canhão, cantou-se um Te Deum [uma oração de louvor católica] e batizaram-se as
crianças. O velho encantado com essa recepção, declarou que não voltaria mais
para suas matas. Permaneceu em Goiás com as mulheres e as crianças, mandando os
seis guerreiros de volta e lhes recomendando que retornassem á cidade, passadas
seis luas, trazendo um grupo ainda maior. No mês de maio de 1781 duzentos e
trinta e sete Coiapós fizeram sua entrada em Vila Boa sob o comando de dois
caciques, tendo uma recepção semelhante à dos primeiros. O capitão-geral mandou
construir para todos eles, a 11 léguas da capital, uma aldeia que recebeu o
nome de Maria, em honra de D. Maria I, Rainha de Portugal. Ali se instalou uma
população composta de 600 Coiapós. Parece que, a partir dessa época, as tropas
de burros jamais voltaram a ser atacadas pelos índios na estrada de S.
Paulo."
"Habituados nas
matas a dormir em choças, nas quais só podem entrar agachados, os índios
acharam muito frias as casas de teto alto e cobertas de telhas que lhe foram
reservadas, e eles próprios construíram outras, mais baixas, a poucos passos da
aldeia. O teto destas é feito de palha e a sua estrutura é a mesma das casas
luso-brasileiras, compondo-se de varas fincadas no chão e atadas com cipó a
compridos bambus dispostos transversalmente. Mas, enquanto que os portugueses costumam
tapar com barro os espaços vazios entre as varas cruzadas, os Coiapós se
limitam a trançar folhas de palmeiras entre elas, como outros indígenas,
tentando imitar as construções europeias. As choças que os Coiapós construíram
nas proximidades da aldeia não ultrapassam uma dezena. É a uma légua de S.
José, nas suas plantações, que se encontra a maioria de suas moradas."
"O governo geral da
aldeia é confiado a um coronel que mora em Vila Boa e dirige todas as aldeias
da província. Os Coiapós se acham em S. José sob a tutela imediata de um
destacamento militar composto de um cabo, que tem o título de comandante, de um
simples soldado dos Dragões - ambos pertencentes à Companhia de Vila Boa - e de
quinze pedestres, dos quais dois são oficiais subalternos. Entre os restantes
encontram-se um serralheiro e um carpinteiro, sendo o primeiro encarregado de
consertar as ferramentas dos Coiapós e o segundo de fazer as construções da
aldeia. O cabo-comandante tem autoridade para punir os índios, amarrando os
homens ao tronco e aplicando a palmatória nas mulheres e crianças. Os Coiapós
cultivam a terra em comum, trabalhando cinco dias por semana, sob a supervisão
do pedestre. A colheita é recolhida aos armazéns da aldeia e em seguida
destribuída, pelo cabo-comandante, entre as famílias indígenas, de acordo com a
necessidade de cada uma. O excedente é vendido à cidade ou aos pedestres, que
são obrigado a custear seu próprio alimento. Com o produto dessa venda, o
diretor geral compra sal, fumo, tecidos de algodão e utensílios de ferro, que
envia ao cabo-comandante para que sejam distribuídos entre os indígenas. Há na
aldeia um moinho de água que move ao mesmo tempo uma mó destinada a moer o
milho, uma máquina de descaroçar o algodão e, finalmente, vinte e quatro fusos.
Uma mulata recebe 50.000 réis por ano para ensinar as mulheres coiapós a fiar e
tecer o algodão. O produto desse trabalho também pertence à comunidade, como os
produtos da terra. Os dois dias de folga que tem os índios são o domingo e a
segunda-feira, que eles aproveitam para caçar ou cuidar de pequenas plantações
particulares de inhame e de batatas.
A forma de governo que
acabo de descrever foi calcada na que havia sido adotada pelos jesuítas, e
forçoso é admitir que ela convém aos índios, os quais, por sua total falta de
previdência, são incapazes de governarem a si próprios. Mas não bastam apenas
bons regulamentos. É preciso que haja também homens capazes de fazer com que
sejam obedecidos, e não há ninguém que não perceba que é absurdo pretender
conseguir com soldados o mesmo resultado obtido com missionários. Os jesuítas
eram movidos por duas forças que sempre produziram grandes coisas: a religião e
a honra. Eles teriam tido sucesso ainda que tivessem escolhido para os índios
uma forma de governo mais imperfeita. Mas que se pode esperar de homens como os
pedestres, todos eles mulatos e oriundos da camada mais baixa da sociedade,
homens que não se deixam dominar nem mesmo pelo temor, pois vivem afastados de
seus superiores, e que, mal remunerado, não têm outro objetivo senão o do se
aproveitarem dos Coiapós em seu próprio interesse? Os índios se sentem
insatisfeitos e fogem para as matas. São perseguidos e recapturados, mas tornam
a fugir. Um único padre da Companhia de Jesus governava às vezes milhares de índios,
enquanto que dezessete soldados mal conseguem manter reunidos duzentos Coiapós,
sem nenhuma utilidade para o Estado e quase nenhum proveito para eles
próprios."
"Os portugueses
deram, não sei porque, o nome de Coiapós ou Caiapós a esses indígenas. Pelo que
me disseram, parece que um grupo deles, que ainda vive nas matas (1819), sem
nenhuma outra tribo nas vizinhanças, não tinha nome que os identificasse, e por
isso passaram a usar a palavra panariá a fim de se distinguirem, como raça, dos
negros e dos brancos. De onde se deve concluir, ao que me parece, que essa
palavra passou a ser usada posteriormente à descoberta, bastante recente, da
região, e que antes dessa época os Caiapós provavelmente, se julgavam sozinhos
no Universo.
São encontrados nesses indígenas
todos os traços os traços característicos da raça americana: Cabeça grande,
socada entre os ombros, cabelos lisos, pretos, duros e bastos, tórax largo,
pele parda, pernas finas. As características particulares de sua tribo são a
cabeça arredondada, a fisionomia aberta e inteligente, a elevada estatura, os
olhos e a cor escura da pele. Os Coiapós são uma bela raça.” (SAINT-HILAIRE, Auguste
de. Os Índios Coiapós. Pirenópolis, s/data. Disponível em: < https://pirenopolis.tur.br/cultura/historia/saint-hilaire > Acesso em
12/08/2023.)
REFERÊNCIAS:
COMANDO
DE ENSINO DA POLÍCIA MILITAR DE GOIÁS. Apostila de Cultura Goiana. Goiânia, [década de 2010].
SAINT-HILAIRE,
Auguste de. Os Índios Coiapós.
Pirenópolis, s/data. Disponível em: < https://pirenopolis.tur.br/cultura/historia/saint-hilaire > Acesso em 12/08/2023.
VATICAN
NEWS. Te Deum. Disponível em: < https://www.vaticannews.va/pt/oracoes/te-deum.html > Acesso em 12/08/2023.
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