COMANDO DE
ENSINO POLICIAL MILITAR
CEPMG -
VASCO DOS REIS
Divisão de
Ensino / Coordenação Pedagógica
GOIAS NA ÉPOCA COLONIAL E DO OURO – A VISITA DE
AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE (Parte 4/Comentários): OS ÍNDIOS (Prof. José
Antônio Brazão.):
Tendo vindo ao Brasil, ao passar por
Goiás, Auguste de Saint-Hilaire, o naturalista e pesquisador francês, fez todo
um levantamento de espécies animais e vegetais por onde passou, tendo observado
muito as populações que moravam, então, no país e, especialmente, neste Estado.
TEXTO DE AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE:
Os Índios Coiapós (A.Saint-Hilaire)
“Chegando ao alto da serra tive uma ampla visão de todas as
terras ao redor e distingui nitidamente Vila Boa, ao longe, parecendo um oásis
no meio de um deserto. Mais longe ainda, avistei os dois cumes dos Montes
Pireneus."
"Antes de chegar à Aldeia de S.
José avista-se de longe o povoado. Entediado pela triste monotonia da região, é
com prazer que o visitante vê o encantador efeito produzido na paisagem pela
série de construções regulares que contrastam com o aspecto selvagem e
desértico das terras circunvizinhas.
Essa aldeia, habitada pelos índios
Caiapós, ou Coiapós, como se diz geralmente na região, não foi originalmente
destinada a essa nação indígena.
Desde os primeiros tempos da
descoberta de Goiás, os aventureiros que se espalharam por estas terras fizeram
contra os índios as mais temíveis crueldades, e estes se vingaram muitas vezes
por meio de represálias não menos terríveis. O governo português, geralmente
generoso em relação aos índios, tomou-os sob sua proteção, expedindo ordens
para que fossem tratados com doçura, mandando chamar jesuítas para que os
catequizassem e civilizassem, determinando que não fosse poupada nenhuma
despesa e se fizesse um inquérito contra os seus carrascos. É grande, porém, a
distância entre Lisboa e Goiás, e essas medidas bem-intencionadas não surtiram nenhum
resultado.
Não obstante, foram fundadas algumas
aldeias, com grande dispêndio de dinheiro, entre elas as do Douro e de Formiga,
perto do Arraial das Almas, na parte setentrional da província. Inicialmente,
foi confiada a direção dessas aldeias aos jesuítas, que logo exerceram sobre os
Acróas ali reunidos uma enorme influência. Todavia, cinco anos mais tarde foi
instalada uma guarnição militar junto aos indígenas. Estes se revoltaram e a
maioria foi massacrada.
No governo do Capitão-geral José de
Almeida, Barão de Mossamedes, por volta de 1773 ou 1774, eles tornaram a se
revoltar. os chefes foram executados, e o resto aprisionado e levado para as
proximidades da capital, onde todos os cativos foram instalados numa aldeia
construída em 1755 a 5 léguas de Vila Boa. Era a Aldeia S. José de Mossamedes,
ou S. José, como é simplesmente chamada, nome dado em homenagem ao
capitão-geral.
Os acroás não tardaram a se extinguir
ou se dispensar, e por volta de 1781 foram substituídos pelos Javaés e os
Carajás, trazidos da Aldeia da Nova Beira, no norte da província, os quais por
sua vez não tardaram a desaparecer.
Enquanto esses fatos iam se
sucedendo, outros ocorriam em diferentes partes do país.
Tão logo foi descoberta a província
de Goiás começou a guerra entre os aventureiros paulistas e os índios Coiapós,
que vagueavam a sudoeste da província por vastas extensões de terras
praticamente inexploradas. A guerra de desencadeava com igual crueldade de
ambos os lados.
Os Coiapós atacavam de surpresa as
tropas de burros que vinham de São Paulo, tendo forçado os portugueses a
abandonarem vários postos estabelecidos por eles na parte setentrional da
província do mesmo nome. As hostilidades se prolongaram até 1780, quando então
um simples soldado chamado Luís, que tomara parte em várias expedições contra
os índios, tomou a si o encargo, sob a proteção do Capitão-geral Luís da Cunha
Menezes, de subjugar os Coiapós, tido até então como indomáveis. Acompanhado
apenas de meia centena de portugueses e três índios, ele se pôs a caminho em 15
de fevereiro de 1780, embrenhando-se no território dos Coiapós. Durante vários
meses esses destemidos aventureiros viveram apenas do que caçavam e de mel
silvestre. Aproximavam-se, com sinais de amizade, de todos os Coiapós que
encontravam e conversavam com eles ajudados por três intérpretes. Mostravam-se
afáveis, davam-lhes presentes e por fim conseguiram convecer um certo número
deles a acompanhá-los até Vila Boa para conhecerem o grande capitão, nome que
os índios dão ao chefe supremo. Um grupo de cerca de quarenta pessoas, composto
de um velho, seis guerreiros, mulheres e crianças, chegou à capital da
província com o soldado Luís, sendo recebido com toda pompa possível. Organizaram-se
festas, deram-se tiros de canhão, cantou-se um Te Deum e batizaram-se as
crianças. O velho encantado com essa recepção, declarou que não voltaria mais
para suas matas. Permaneceu em Goiás com as mulheres e as crianças, mandando os
seis guerreiros de volta e lhes recomendando que retornassem á cidade, passadas
seis luas, trazendo um grupo ainda maior. No mês de maio de 1781 duzentos e
trinta e sete Coiapós fizeram sua entrada em Vila Boa sob o comando de dois
caciques, tendo uma recepção semelhante à dos primeiros. O capitão-geral mandou
construir para todos eles, a 11 léguas da capital, uma aldeia que recebeu o
nome de Maria, em honra de D. Maria I, Rainha de Portugal. Ali se instalou uma
população composta de 600 Coiapós. Parece que, a partir dessa época, as tropas
de burros jamais voltaram a ser atacadas pelos índios na estrada de S.
Paulo."
"Habituados nas matas a dormir
em choças, nas quais só podem entrar agachados, os índios acharam muito frias
as casas de teto alto e cobertas de telhas que lhe foram reservadas, e eles
próprios construíram outras, mais baixas, a poucos passos da aldeia. O teto
destas é feito de palha e a sua estrutura é a mesma das casas
lusos-brasileiras, compondo-se de varas fincadas no chão e atadas com cipó a
compridos bambus dispostos transversalmente. Mas, enquanto que os portugueses
costumam tapar com barro os espaços vazios entre as varas cruzadas, os Coiapós
se limitam a trançar folhas de palmeiras entre elas, como outros indígenas,
tentando imitar as construções européias. As choças que os Coiapós construíram
nas proximidades da aldeia não ultrapassam uma dezena. É a uma légua de S.
José, nas suas plantações, que se encontra a maioria de suas moradas."
"O governo geral da aldeia é
confiado a um coronel que mora em Vila Boa e dirige todas as aldeias da
província. Os Coiapós se acham em S. José sob a tutela imediata de um
destacamento militar composto de um cabo, que tem o título de comandante, de um
simples soldado dos Dragões - ambos pertencentes à Companhia de Vila Boa - e de
quinze pedestres, dos quais dois são oficiais subalternos. Entre os restantes
encontram-se um serralheiro e um carpinteiro, sendo o primeiro encarregado de
consertar as ferramentas dos Coiapós e o segundo de fazer as construções da
aldeia. O cabo-comandante tem autoridade para punir os índios, amarrando os
homens ao tronco e aplicando a palmatória nas mulheres e crianças. Os Coiapós
cultivam a terra em comum, trabalhando cinco dias por semana, sob a supervisão
do pedestre. A colheita é recolhida aos armazéns da aldeia e em seguida
destribuída, pelo cabo-comandante, entre as famílias indígenas, de acordo com a
necessidade de cada uma. O excedente é vendido à cidade ou aos pedestres, que
são obrigado a custear seu próprio alimento. Com o produto dessa venda, o
diretor geral compra sal, fumo, tecidos de algodão e utensílios de ferro, que
envia ao cabo-comandante para que sejam distribuídos entre os indígenas. Há na
aldeia um moinho de água que move ao mesmo tempo uma mó destinada a moer o
milho, uma máquina de descaroçar o algodão e, finalmente, vinte e quatro fusos.
Uma mulata recebe 50.000 réis por ano para ensinar as mulheres coiapós a fiar e
tecer o algodão. O produto desse trabalho também pertence à comunidade, como os
produtos da terra. Os dois dias de folga que tem os índios são o domingo e a
segunda-feira, que eles aproveitam para caçar ou cuidar de pequenas plantações
particulares de inhame e de batatas.
A forma de governo que acabo de
descrever foi calcada na que havia sido adotada pelos jesuítas, e forçoso é
admitir que ela convém aos índios, os quais, por sua total falta de
previdência, são incapazes de governarem a si próprios. Mas não bastam apenas
bons regulamentos. É preciso que haja também homens capazes de fazer com que
sejam obedecidos, e não há ninguém que não perceba que é absurdo pretender
conseguir com soldados o mesmo resultado obtido com missionários. Os jesuítas
eram movidos por duas forças que sempre produziram grandes coisas: a religião e
a honra. Eles teriam tido sucesso ainda que tivessem escolhido para os índios
uma forma de governo mais imperfeita. Mas que se pode esperar de homens como os
pedestres, todos eles mulatos e oriundos da camada mais baixa da sociedade,
homens que não se deixam dominar nem mesmo pelo temor, pois vivem afastados de
seus superiores, e que, mal remunerado, não têm outro objetivo senão o do se
aproveitarem dos Coiapós em seu próprio interesse? Os índios se sentem
insatisfeitos e fogem para as matas. São perseguidos e recapturados, mas tornam
a fugir. Um único padre da Companhia de Jesus governava às vezes milhares de
índios, enguanto que dezessete soldados mal conseguem manter reunidos duzentos
Coiapós, sem nenhuma utilidade para o Estado e quase nenhum proveito para eles
próprios."
"Os portuguêses deram, não sei
porque, o nome de Coiapós ou Caiapós a esses indígenas. Pelo que me disseram,
parece que um grupo deles, que ainda vive nas matas (1819), sem nenhuma outra
tribo nas vizinhanças, não tinha nome que os identificasse, e por isso passaram
a usar a palavra panariá a fim de se distinguirem, como raça, dos negros e dos
brancos. De onde se deve concluir, ao que me parece, que essa palavra passou a
ser usada posteriormente à descoberta, bastante recente, da região, e que antes
dessa época os Caiapós provavelmente, se julgavam sozinhos no Universo.
São encontrados nesses indígenas
todos os traços os traços característicos da raça americana: Cabeça grande,
socada entre os ombros, cabelos lisos, pretos, duros e bastos, tórax largo,
pele parda, pernas finas. As características particulares de sua tribo são a
cabeça arredondada, a fisionomia aberta e inteligente, a elevada estatura, os
olhos e a cor escura da pele. Os Coiapós são uma bela raça.”
(SAINT-HILAIRE.A. Os Índios Coiapós. Disponível em:<https://pirenopolis.tur.br/cultura/historia/saint-hilaire>
VISUALIZAÇÃO (COMPLEMENTO):
https://tertuliabibliofila.blogspot.com/2011/05/auguste-de-saint-hilaire-apontamentos.html
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