SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DE GOIÁS
ENSINO MÉDIO – PRIMEIROS ANOS
CULTURA GOIANA– PROF. JOSÉ ANTÔNIO BRAZÃO.
AULA 12 DO SEGUNDO
SEMESTRE DE 2021 DE CULTURA GOIANA
GOIAS NA ÉPOCA
COLONIAL E DO OURO – A VISITA DE AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE EM 1816 (Parte 2)
(Prof. José Antônio Brazão.):
Um
aspecto importante dos séculos XVIII e XIX foi o interesse pelas pesquisas
científicas, no mundo ocidental, a partir da Europa. Esse interesse vinha sendo
impulsionado desde séculos anteriores, tendo como base a revolução científica
moderna, desde os séculos XV/XVI até o XVIII. Outro fato de determinante peso
foram as grandes navegações e descobertas marítimas. A necessidade de mapas
cada vez mais precisos, de informações sobre os povos que habitavam os
diferentes lugares do mundo para além da Europa, do potencial agrícola,
agropecuário e comercial das regiões descobertas e colonizadas, entre outros
motivos. Até mesmo, com certeza, bases militares.
Tendo
vindo ao Brasil, ao passar por Goiás, Auguste de Saint-Hilaire, o naturalista e
pesquisador francês, fez todo um levantamento de espécies animais e vegetais
por onde passou, tendo observado muito as populações que moravam, então, no
país e, especialmente, neste Estado.
Vejamos um comentário que fez a uma fazenda situada na região de Pirenópolis:
“Uma
Fazenda Modelo [Fazenda Babilônia]
A 5 léguas de
Gonçalo Marques parei na fazenda do comandante de Meia-Ponte, Joaquim Alves de
Oliveira, para quem o governador da província me tinha dado uma carta de
recomendação, tendo nessa ocasião feito grandes elogios a ele. A acolhida que
me deu foi perfeita, e passei alguns dias em sua propriedade.
IMAGENS:
O comendador:
https://pirenopolis.tur.br/cultura/biografias/joaquim-alves
Conjunto 1 (geral):
http://www.fazendababilonia.com.br/galerias
Conjunto 2 (A fazenda):
http://www.fazendababilonia.com.br/galerias/galeria?id=4
Joaquim Alves de
Oliveira amealhara à custa do próprio esforço a sua fortuna, que era
considerável. Tinha sido educado por um jesuíta, e parece que absorvera nessa
escola o espírito metódico e equilibrado que o fazia sobressair entre os seus
compatriotas. A princípio dedicou-se ao comércio, mas como tinha mais pendor
para a agricultura, acabou por renunciar quase que inteiramente aos seus
interesses mercantis. Não obstante, entregava-se ainda a transações comerciais
quando esperava poder obter um lucro razoável. Assim, por ocasião de minha
passagem por ali ele tinha acabado de enviar o genro a Cuiabá com uma numerosa
tropa carregada de mercadorias variadas.
IMAGENS (tropeiros do século XIX):
Tinha, porém, o
hábito de jamais falar com quem quer que fosse sobre os seus negócios, e
ninguém ficava sabendo quando ele ganhava ou perdia dinheiro nas suas
transações. Entre os brasileiros que conheci, era ele, talvez, o que tinha mais
aversão à ociosidade. ‘Concedo a meus hóspedes’, dizia-me ele sorrindo, ‘três
dias de descanso. Ao cabo desse tempo, porém, descarrego sobre eles uma parte
dos serviços da casa’. As conversas de Joaquim Alves revelavam que ele era
dotado de um grande amor à justiça e de uma religião sem mesquinhez. Era homem
de muito senso, de uma grande simplicidade e de uma bondade extrema.
IMAGENS (capela da fazenda
Babilônia):
A fazenda, fundada
por ele, nunca tivera outro nome a não ser o seu. Tratava-se, inegavelmente, da
mais bela propriedade que havia em toda a região de Goiás que eu tinha
percorrido. Reinavam ali uma limpeza e uma ordem que eu ainda não vira em
nenhuma outra parte. A casa da fazenda era ao rés-do-chão e nada tinha de
extraordinária, mas era ampla e muito bem conservada. Na frente, uma extensa
varanda oferecia sombra e ar fresco em todas as horas do dia.
IMAGENS (Varanda da fazenda):
O
engenho-de-açúcar, conjugado à casa, fora construído de maneira que, da sala de
jantar, pudesse ser visto o trabalho que se fazia junto às caldeiras, e da
varanda, o que se passava no moinho de cana. Este último dava para um pátio
quadrado. O corpo da casa se prolongava numa série de construções, que formavam
um dos lados do pátio, nas quais estavam instaladas a selaria, as oficinas do
serralheiro, do sapateiro, a sala dos arreios e, finalmente, a cocheira. Outro
lado era construído pelos alojamentos dos escravos casados. Esses alojamentos
eram cobertos de telhas e divididos em cubículos por paredes até certa altura.
Um muro de adobe fechava os dois lados restantes do pátio.
IMAGENS (moinho de cana da Fazenda
Babilônia):
A casa fora
organizada desde o princípio com tamanha perfeição que o seu proprietário já
não tinha, por assim dizer, necessidade de dar nenhuma ordem. Cada um sabia o
que tinha de fazer e tratava de se colocar no seu posto de trabalho por sua
própria conta. Para se fazer entender, bastava ao dono, se quisesse, dizer
apenas uma palavra ou fazer um simples gesto. No meio de uma centena de
escravos não se ouviam ordens gritadas nem se viam homens apressados andando de
um lado para o outro, apenas aparentando grande atividade, mas na verdade sem
saberem o que fazer. Em toda parte reinavam o silêncio, a ordem e uma tranquilidade
que se harmonizava perfeitamente com a que a Natureza costuma oferecer naqueles
climas amenos. Dir-se-ia que um gênio invisível governava a casa. Seu proprietário
ficava sentado tranquilamente na varanda, mas era fácil ver que nada lhe
escapava e que bastava um rápido olhar para manter tudo sob controle.
IMAGENS (calmaria da fazenda
visitada por Saint-Hilaire):
As regras
estabelecidas por Joaquim Alves quanto ao tratamento dado aos escravos
consistiam em mantê-los bem alimentados e vestidos decentemente, em cuidar
deles adequadamente quando adoeciam e em jamais deixá-los ociosos. Todo ano ele
provia o casamento de alguns, e as mães só iam trabalhar nas plantações quando
os filhos já podiam dispensar os seus cuidados. As crianças eram então
confiadas a uma só mulher, que zelava por todas. Uma sábia precaução fora
tomada para evitar, tanto quanto possível, as ciumadas e as brigas: os quartos
dos solteiros ficavam situados a uma boa distância dos alojamentos dos casados.
IMAGENS (Pequeno vídeo):
https://www.youtube.com/watch?v=vClCQHnyYZQ
O domingo
pertencia aos escravos. Eles não tinham permissão para ir procurar ouro, mas
recebiam um pedaço de terra que podiam cultivar em seu próprio proveito.
Joaquim Alves instalara em sua própria casa uma venda onde os negros podiam
comprar as coisas que geralmente são do agrado dos africanos. Nas suas
transações o algodão fazia o papel do dinheiro. Dessa maneira ele livrava os
escravos da tentação do roubo, estimulava-os ao trabalho acenando-lhes com os
lucros de suas lavouras, fazia com que se apegassem ao lugar e ao seu senhor,
ao mesmo tempo que aumentava a produção de suas terras.
Durante minha
permanência na casa do comandante de Meia-Ponte visitei as várias dependências
de sua fazenda, o chiqueiro, o paiol, o moinho de farinha, o local onde era
ralada a mandioca e onde ficava instalada a máquina de descaroçar o algodão, a
fábrica de fiação, etc. etc., e em toda parte encontrei uma ordem e uma limpeza
incomparáveis. Os fornos do engenho-de-açúcar não tinham sido feitos de acordo
com as especificações da técnica moderna. Seu aquecimento era feito pelo lado
de fora, o que pelo menos tornava menos penosa para os trabalhadores a operação
de cozimento. Um tambor horizontal movido a água punha em movimento doze
pequenas máquinas de descaroçar algodão.
IMAGENS (descaroçador de algodão do
século XIX):
IMAGENS (O casarão da fazenda):
https://www.fazendababilonia.com.br/galerias/galeria?id=3
Era também a água
a máquina de ralar mandioca, da qual darei aqui uma descrição. A casa onde se
achava instalada era construída sobre estacas e embaixo do assoalho fora
colocada uma roda em posição horizontal, que era movida pela água que caía de
uma calha em plano inclinado. O eixo da roda atravessava o assoalho e se
elevava até certa altura, tendo na extremidade outra roda horizontal cujo aro
era revestido por um ralo de metal. O eixo e a roda superior ficavam encaixados
dentro de um quadrado formado por quatro estacas, cada uma das quais tinha uma
chanfradura na parte interna, ao nível do ralo. Quando a roda começava a girar,
quatro pessoas seguravam as mandiocas, encaixando-as nas chanfraduras. Tendo
esse ponto de apoio, seus braços podiam manter-se firmes e a ação da máquina
não sofria interrupção.
IMAGENS (máquina de ralar
mandioca):
Conjunto 1:
Conjunto 2:
Numa parte de suas
terras o comandante de Meia-Ponte [Pirenópolis] tinha deixado de lado o método
primitivo adotado geralmente pelos brasileiros em suas lavouras. Passara a usar o arado e adubava a
terra com o bagaço da cana. Dessa forma não havia necessidade de queimar novas
matas todo ano. A cana era replantada sempre no mesmo terreno, que
ficava situado perto da casa para facilitar a supervisão do dono e poupar tempo
aos escravos. O açúcar e a cachaça eram vendidos em Meia-Ponte e Vila Boa, mas
o algodão era exportado para o Rio de Janeiro e Bahia. Joaquim Alves foi o
primeiro, como já disse, a demonstrar a vantagem dessas exportações, e seu
exemplo foi seguido por vários outros colonos. Por ocasião de minha viagem ele
estava planejando aumentar ainda mais suas plantações de algodão e tinha
intenção de instalar no próprio arraial de Meia-Ponte uma descaroçadora, bem
como uma fiação onde pretendia empregar as mulheres e as crianças sem trabalho.
Depois de descaroçado, o algodão da região, cuja qualidade é excelente, era vendido
no local a 3.000 réis a arroba. O transporte de Meia-Ponte à Bahia custava
1.800 réis a arroba, e até o Rio de Janeiro 2.000. O lucro obtido com as
exportações a esse preço era tão garantido que Joaquim Alves não vacilara em se
oferecer para comprar, à razão der 3.000 réis, o algodão produzido por todos os
agricultores das redondezas.
IMAGENS:
Obs.:
Arroba = (METROLOGIA [estudo das
medidas]) antiga unidade de medida de peso que corresponde a 32 arráteis
(cerca de 14,7 kg). (Definições Oxford Languages, Google).
Ao dedicar sua
atenção a um produto que podia ser exportado com proveito, o comandante de
Meia-Ponte [Pirenópolis] incentivava seus compatriotas a tomar novos rumos,
indicando-lhes o que devia ser feito para arrancar sua região do estado de
penúria em que a mergulhara uma exportação
do ouro mal orientada. Enquanto ele agia de maneira prática, vários de
seus concidadãos afirmavam que só havia salvação para a província numa ideia
absurda apresentada por Luís Antônio da Silva e Souza. Segundo eles, a única
maneira de deter a decadência sempre crescente da província seria impedir a
saída do ouro para fora de suas fronteiras, criando-se para isso uma moeda
provincial.
Poder-se-ia
argumentar, entretanto, que se essa moeda não tivesse valor como metal não
haveria força humana capaz de lhe dar algum crédito. Se, pelo contrário, ela
fosse de cobre, de ouro ou de prata, acabaria saindo da província de uma forma
ou outra, por mais rigorosa que fosse a proibição, como acontecem todos os dias
com o ouro em pó. Uma vez fora de suas fronteiras, porém, ela só seria aceita
pelo seu valor intrínseco, e em consequência os comerciantes de Goiás passarão
a vender suas mercadorias por um preço que compense a sua desvalorização. O
ouro adulterado que circula em Goiás já pode ser considerado uma espécie de
moeda provincial, pois só é aceito ali, e quando o comerciante o remete para
fora ele se vê obrigado a reduzi-lo ao seu valor real, purificando-o, para em
seguida reajustar os seus preços de acordo com a redução de peso sofrida pelo
ouro.
OBS.: Ouro adulterado era ouro
misturado com outros metais, a fim de aumentar o peso. Por exemplo, com parte
de prata ou outro metal. (Prof. José Antônio.)
IMAGENS (ouro misturado):
Depois de tantas
jornadas tediosas e cansativas através dos sertões, senti-me feliz por me achar
numa casa que reunia todo o conforto que a região podia oferecer, onde eu
gozava de inteira liberdade e cujo proprietário, um homem esclarecido, tinha
por mim toda consideração. O tempo que
passei na casa de Joaquim Alves foi muito proveitoso. Meus homens fizeram uma
esplêndida caçada nas margens de uma lagoa situada nas proximidades. Quanto a
mim, passei para o papel uma parte dos dados que recolhera sobre vários
assuntos e obtive novas informações em conversas com meu hospedeiro. [Grifo
feito pelo Prof. José Antônio, a título de destaque.]
Deixei a fazenda
cheio de gratidão pela excelente acolhida que me deu o seu proprietário e me
dirigi a Meia-Ponte, distante dali uma légua.”
(SAINT-HILAIRE, Auguste de. Uma
fazenda modelo. Disponível em: < https://pirenopolis.tur.br/cultura/historia/saint-hilaire#Uma%20Fazenda%20Modelo
> Acesso em 01 de novembro de 2021.) (O que está entre chaves e/ou grifado é
meu.)
O
que há de muito interessante nesses relatos de Auguste de Saint-Hilaire, em sua
visita à Fazenda Babilônia, em Pirenópolis, são elementos que marcaram muito a história
e a cultura do Brasil e, particularmente, de Goiás nos séculos XVIII e XIX,
como, por exemplo:
1) A
produção de açúcar e derivados da cana (ex.: cachaça).
2) O
poder de fazendeiros e a importância das grandes fazendas.
3) A
influência do poder desses grandes fazendeiros em sua região.
4) O
trabalho escravo nas fazendas, nas minas, em diferentes funções e trabalhos.
5) A
produção de algodão. Exportado como matéria-prima para as indústrias europeias.
Época do auge da Revolução Industrial.
6) O
cuidado dos naturalistas visitantes em registrar o máximo de informações
possíveis, desde a natureza até mesmo locais e costumes.
7) A
utilização do bagaço de cana de açúcar na adubação da terra, no intuito de
evitar maiores desmatamentos.
8) O
comentário do risco de uma moeda própria na Província de Goiás, de sua não
aceitação até a desvalorização (no penúltimo parágrafo do texto de
Saint-Hilaire acima).
9) Etc.
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