SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DE GOIÁS
COORDENAÇÃO REGIONAL METROPOLITANA DE EDUCAÇÃO DE
GOIÂNIA
COLÉGIO ESTADUAL DEPUTADO JOSÉ DE ASSIS
ENSINO MÉDIO – SEGUNDOS ANOS
FILOSOFIA – PROF. JOSÉ ANTÔNIO BRAZÃO.
AULA DE 29 DE SETEMBRO DE 2020. (Apresentação preliminar.)
O SISTEMA
GEOCÊNTRICO EM “OS LUSÍADAS” DE CAMÕES:
(Prof. José
Antônio Brazão.)
Diálogo interdisciplinar: FILOSOFIA - LÍNGUA PORTUGUESA - SOCIOLOGIA.
Os
Lusíadas, grande poema de Luís Vaz de Camões (1524 – 1580) que conta,
poeticamente, a história da viagem de Vasco da Gama, com sua frota, até as
Índias, contornando os mares que ficam ao Sul da África até chegar àquela região,
onde fariam negócios e trocas, na busca de riquezas e glória. Lusíadas ou
lusitanos são os portugueses. O poema faz uma mescla entre fatos históricos e
mitologia – ação de deuses e deusas greco-romanos, muito comum na era do
Renascimento artístico-cultural europeu. O texto a seguir faz parte do CANTO X,
que trata do retorno dos portugueses, com Vasco da Gama, para Portugal. Para
descansarem, param na Ilha da deusa grega Tétis, uma divindade dos mares.
Vejamos o momento em que ela convida Vasco da Gama e alguns com ele para
subirem a um monte, em cujo cume viriam a ter uma verdadeira aula a respeito da
composição do universo (cosmos) tal como se cria em muitas partes da Europa: o
universo geocêntrico e fechado. O vocabulário é o daquele tempo (séc. XVI).
Eis
o texto (os números correspondem a estrofes do canto X de Os Lusíadas, de
Camões):
“(75)Despois que a
corporal necessidade
Se satisfez do
mantimento nobre,
E na harmonia e
doce suavidade
Viram os altos
feitos que descobre,
Téthis, de graça
ornada e gravidade,
Pera que com mais
alta glória dobre.
As festas deste
alegre e claro dia,
Pera o Felice Gama
assi[m] dizia:”
Explicação
do Prof. José Antônio:
Depois de terem se alimentado e festejado, após tantas façanhas (feitos e
relatos de viagem e outros), Tétis, uma das deusas dos mares, que havia
recebido os navegantes portugueses em sua ilha, dirige-se a Vasco da Gama (o
capitão-mor da esquadra), no que viria a ser um convite à subida ao monte, como
se verá a seguir. Tétis estava muito bem ornada e arrumada, com certa seriedade
(gravidade).
“(76) – Faz-te
mercê, barão, a Sapiência
Suprema de, cos
olhos corporais,
Veres o que não
pode a vã ciência
Dos errados e
míseros mortais.
Sigue-me firme e
forte, com prudência,
Por este monte
espesso, tu cos mais.
Assi[m] lhe diz e
o guia por um mato
Árduo, difícil,
duro a humano trato.”
Explicação
do Prof. José Antônio:
Mercê é um favor, um benefício. No caso, um benefício dado pela Sapiência
Suprema, isto é, DEUS. Qual benefício ou prêmio? De ver, com os olhos corporais
(os olhos do corpo) o que a ciência fraca e passageira (vã) dos seres humanos,
seres errados, imperfeitos, miseráveis (míseros) e mortais, não pode oferecer
(a visão do que viriam a ver no alto do monte). Tétis pede que Vasco da Gama e
os que com ele estavam a sigam, firme e forte, com prudência (com cuidado), na
subida de um monte certamente pedregoso e espesso (grosso) por conta do mato
que o rodeava. E assim foram subindo, guiados por Tétis, por um mato (um
matagal) árduo (cansativo...), difícil de atravessar, duro ao modo humano de
tratar, de lidar. Uma subida exigente e difícil. (Para aprender e descobrir algo
novo é preciso subir montes de difícil trato! Aprender não é uma tarefa fácil,
como se vê nessa subida, mas a recompensa é certa, como se verá a seguir.)
“(77) Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde
um campo se esmaltava
De esmeraldas,
rubis, tais que presume
A vista que divino
chão pisava.
Aqui um globo vêm
no ar, que o lume
Claríssimo por ele
penetrava,
De modo que o seu centro
está evidente,
Como a sua
superfície, claramente.”
Explicação
do Prof. José Antônio:
Depois de terem enfrentado uma subida difícil e atravessado um mato de difícil
trato, guiados por Tétis, os convidados chegam ao cume (alto) do monte, vendo
aí um campo muito bonito, cheio de pedras preciosas, tão bonito que parecia
chão divino (vale lembrar: Moisés, ao ver a sarça ardente, num monte, pisou em
solo sagrado também, divino, lá no livro bíblico do Êxodo). O lugar era bonito
para valer! Valeu tanto esforço! A seguir, a deusa Tétis projeta um globo
luminoso no ar (semelhante, hoje, ao holograma), atravessado por uma luz (lume)
claríssima, de tal modo que se podia ver (está evidente) tanto o centro quanto
a superfície do globo. João Manuel Mimoso diz: “Tétis guia Vasco da Gama por um
caminho árduo que talvez simbolize a ignorância que há a vencer para atingir o
Saber.” (Em: https://www.inverso.pt/lusiadas/m%E1quina.htm
) Mais adiante faremos, também uma comparação com a saída do prisioneiro livre
da caverna, na Alegoria da Caverna, de Platão (República, livro VII).
“(78) Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem
que está composto
De vários orbes,
que a Divina verga
Compôs, e um
centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se
abaixe, agora se erga,
Nunca s’ergue ou
se abaixa, e um mesmo rosto
Por toda a parte
tem; e em toda a parte
Começa e acaba,
enfim, por divina arte,”
Explicação
do Prof. José Antônio:
A matéria de que era composto o globo não se enxergava (não se podia exatamente
saber). Porém, os visitantes viram, para além da transparência, que o globo era
composto por orbes (globos menores representando os astros), sustentados pela
verga (sustentação... [ao pé da letra, “pau apoiado ao mastro” que segura cada vela do barco –
Wikipédia, verbete Verga ])
composta por Deus (Divina verga). Em resumo: Camões fala da sustentação do
universo que é feita por algo a que ele compara com cada verga presa ao
mastro de um navio . A matéria não visível quer dizer que o globo é transparente, permitindo
ver dentro dele, com os orbes (astros celestiais). Camões compara com um rosto.
O rosto do universo é o mesmo: é redondo, dispõe de movimento (o movimento dos
astros ao redor da Terra, no caso). Feito por divina arte – pelo trabalho de
Deus (o universo maior) e por Tétis (a projeção que estavam vendo). Olhando para os céus
pode-se ver que cada orbe se move sempre seguindo o seu curso, regularmente,
sempre o mesmo, em círculos e epiciclos (mais adiante serão explicados), em torno do mesmo centro (a Terra), não se erguendo nem se abaixando como ocorre com as velas de um
navio.
“(79) Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o
Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este
globo, comovido
De espanto e de
desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: -
«O transunto, reduzido
Em pequeno volume,
aqui te dou
Do Mundo aos olhos
teus, pera que vejas
Por onde vás e
irás e o que desejas.”
Explicação
do Prof. José Antônio:
Eis como João Manuel Mimoso comenta: “em
si sustido- funcionando por si só, sem intervenção externa (mas talvez se
refira simplesmente ao facto do globo estar suspenso no ar, sem apoio externo);
qual... o Arquétipo que o criou-
igual à imagem mental (arquétipo) ou plano divino segundo o qual foi criado (a
maiúscula é usada por de tratar de um plano de Deus); transunto- cópia, modelo.” (João M. Mimoso. Site citado.) Explico
(Prof. José.): O globo luminoso, projetado no ar pela deusa Tétis, é
uniforme (tem uma forma única em todos os lados – de fato, o círculo ou um
globo é uniforme, não tem quebras). Tem funcionamento próprio: o universo segue
leis naturais estabelecidas por Deus. O modelo (transunto, no português antigo)
em tamanho pequeno (reduzido) representa o Mundo (o universo geocêntrico) que
se vê quando se olha para cima. “(...)pera que vejas Por onde vás e irás e o que
desejas”: curiosamente, vale lembrar que os céus noturnos (com as estrelas e
constelações) e até diurno(com a posição do Sol) permitiam, de fato, a
navegação (ir e vir – “vás e irás”) e era objeto da astrologia (que lida com os
desejos humanos de ligação com o mundo, as previsões, etc.). [Hoje, é claro, a
astrologia é uma pseudo-ciência.]
“(80) «Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e
elementar, que fabricada
Assim foi do
Saber, alto e profundo,
Que é sem
princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor
este rotundo
Globo e sua
superfície tão limada,
É Deus: mas o que
é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o
engenho humano não se estende.”
Explicação
do Prof. José Antônio:
João M. Mimoso comenta: “etérea e
elemental- pensava-se que o Universo tinha uma parte formada dos 4
elementos (terra, ar, água e fogo) e outra não-elemental, formada de éter
(etérea); limada- lisa e polida.”(MIMOSO,
ver site citado). Explico (Prof. José.): De acordo com
Aristóteles(filósofo grego do século IV a.C.) e Cláudio Ptolomeu (astrônomo e
geógrafo do século II d.C.), os antigos e os medievais, o universo geocêntrico
(que tem a Terra como centro) era composto de duas partes: o mundo sublunar (o mundo abaixo da Lua [luna]) = a Terra
propriamente dita, composta por quatro elementos: terra, água, ar e fogo –
caracterizando, respectivamente, o sólido, líquido, gasoso e energia (luz e
calor do fogo); o mundo supralunar,
isto é, acima da Lua (luna), composto pelo ÉTER, substância pura, cristalina,
sem defeito. Com isto, os céus (os astros e corpos celestiais) eram
considerados puros, um globo com superfície limada (lisa, parecida com uma
superfície em que se passou uma lima para alisar). Vale lembrar que, no século
XVII, Galileu Galilei descobrirá, com o telescópio, que não é bem assim
(assunto para outro dia). O Mundo (o universo) é comparado com uma MÁQUINA, com
cada peça funcionando direitinho e contribuindo para o movimento do todo,
fabricada por Deus (o Saber, alto e profundo, sem princípio e sem fim [sem meta
limitada], isto é, eterno – o Saber...: mais uma metonímia para se referir a
Deus: usa a característica para se referir ao possuidor). Deus (o Criador
verdadeiro): ninguém entende ou pode
entender o que Ele é ou como Ele é, a inteligência (o engenho humano) a Ele não
consegue estender-se. [Vale lembrar a história de Santo Agostinho e o menino
que queria colocar o mar em um buraquinho da praia.]
Ver
imagem do universo geocêntrico em: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg700AjCo1gbT3sh2cnZLBqEmXpTxc9YrbaXvpuWn-EWTjaBwNDCHCN1r9bL7LBqqQnBWs68Yr62gf0w0YEDG72YVX3gbp457WUJs8XNKCTvO2VjmrdDcnHHHGR3gdnrtWECskAIxgoKjHs/s1600/000.a1.jpg
O
PRIMEIRO E MAIS EXTERNO ORBE: O EMPÍREO.
(81) «Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais
pequenos que em si tem,
Que está com luz
tão clara radiando
Que a vista cega e
a mente vil também,
Empíreo se nomeia,
onde logrando
Puras almas estão
daquele Bem
Tamanho, que ele
só se entende e alcança,
De quem não há no
mundo semelhança.”
Explicação
do Prof. José Antônio:
João M. Mimoso comenta: “segundo o modelo ptolomaico o universo era formado por
onze esferas (orbes), com a Terra por centro. A esfera externa, denominada
"Empíreo" era imóvel e etérea e nela estavam as almas que tinham
ascendido ao Paraíso.” (Em: Ver citação.) Explico (Prof. José.): Orbe é um
pequeno globo, no caso. A explicação de Tétis aos portugueses visitantes é de
fora para dentro do universo (aqui em pequena escala [um transunto, um modelo]),
diferentemente de Dante Alighieri, que, em A
Divina Comédia, vai das profundezas da Terra aos céus mais elevados. O
círculo mais externo é o EMPÍREO, lugar onde habitam os santos (as “puras
almas”, a aproveitar (lograr) do benefício de estarem diretamente com Deus (o
Bem Tamanho, com quem ninguém ou nada pode se assemelhar no mundo – outra
metonímia para se referir a Deus). Curiosamente, BEM é um termo que PLATÃO usa
para se referir à Ideia mais elevada do Mundo Inteligível. Aplicado aqui a
Deus, o criador do universo. Orbe (esfera) muito luminoso, irradiante de luz.
DESCRIÇÃO
DO EMPÍREO, HABITAÇÃO DOS SANTOS:
(82) «Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Divos estão,
porque eu, Saturno e Jano,
Júpiter, Juno, fomos
fabulosos,
Fingidos de mortal
e cego engano.
Só pera fazer
versos deleitosos
Servimos; e, se
mais o trato humano
Nos pode dar, é só
que o nome nosso
Nestas estrelas
pôs o engenho vosso.”
(83) «E também, porque a santa Providência,
Que em Júpiter
aqui se representa,
Por espíritos mil
que têm prudência
Governa o Mundo
todo que sustenta
(Ensina-lo a
profética ciência,
Em muitos dos
exemplos que apresenta);
Os que são bons,
guiando, favorecem,
Os maus, em quanto
podem, nos empecem;”
(84) «Quer logo aqui a pintura que varia
Agora deleitando,
ora ensinando,
Dar-lhe nomes que
a antiga Poesia
A seus Deuses já
dera, fabulando;
Que os Anjos de
celeste companhia
Deuses o sacro
verso está chamando,
Nem nega que esse
nome preeminente
Também aos maus se
dá, mas falsamente.”
Explicação
de João M. Mimoso à estrofe 82: “divos-
almas que ascenderam ao Divino, santos; nome
nosso nestas estrelas (etc...)- Tétis reconhece que os deuses do Olimpo são
fabulosos e só existem nos nomes que foram dados aos planetas (aqui chamados
"estrelas").” Explicação do Prof. José Antônio ao conjunto:
Tétis descreve quem habita no Empíreo: os Divos (santos, santas...), os Anjos,
os seres inteligentes celestiais, com a presença da “santa Providência”, outra
metonímia para se referir a Deus, comparado com
Júpiter (deus romano, o Zeus grego). Só comparado, pois Júpiter e os
outros deuses(as), inclusive ela, Tétis deixa claro que são invenções humanas,
úteis para se fazer, por exemplo, poesia. No final fala dos Anjos bons, que
fazem companhia aos santos e santas, comparados a deuses pela Bíblia (“o sacro
verso está chamando”), mas que, mesmo nela são apenas servos de Deus. Aos anjos
maus (demônios) se dá no nome de deuses falsamente – isto é, não merecem esse
nome.
O
PRIMEIRO MÓBIL (A PRIMEIRA ESFERA CELESTIAL A MOVER, A MAIS RÁPIDA, UMA DAS
MAIS EXTERNAS, ABAIXO DO EMPÍREO):
(85) «Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no
Mundo, tudo manda.
E tornando a
contar-te das profundas
Obras da Mão
Divina veneranda,
Debaixo deste
círculo onde as mundas
Almas divinas
gozam, que não anda,
Outro corre, tão
leve e tão ligeiro
Que não se
enxerga: é o Móbile primeiro.”
Explicação
de João M. Mimoso:
“que não anda- a 11ª esfera (Empíreo) era imóvel;
Móbil
Primeiro- a 10ª esfera, denominada Móbil Primeiro, rodava rapidamente (à razão
de uma rotação por dia) e arrastava todas as outras que, assim, eram por ela
movidas a diferentes velocidades de rotação (ver na estância seguinte "com este ...movimento vão todos os que
dentro tem no seio").” [grifo meu] (Ver citação.) Explicação do
Prof. José Antônio: O Sumo Deus governa o mundo por “segundas causas”, isto
é, pelas LEIS NATURAIS. Depois do EMPÍREO, parado, onde moram as “almas
divinas” (santos, santas, ...) vem o “MÓBILE PRIMEIRO” ou MÓBIL PRIMEIRO. O
universo geocêntrico começa a mover-se de fora para dentro, diminuindo a
velocidade a cada esfera ou círculo que compõe esse universo. [Veneranda: digna
de veneração, adoração – a Mão Divina, que criou o Mundo. Comparação
antropológica (com o ser humano): mão humana – Mão Divina (de Deus).]
O
CRISTALINO, A TERCEIRA ESFERA DE CIMA PARA O CENTRO DO UNIVERSO (MUNDO):
(86) «Com este rapto e grande movimento
Vão todos os que
dentro tem no seio;
Por obra deste, o
Sol, andando a tento,
O dia e noite faz,
com curso alheio.
Debaixo deste
leve, anda outro lento,
Tão lento e
sojugado a duro freio,
Que enquanto Febo,
de luz nunca escasso,
Duzentos cursos
faz, dá ele um passo.”
Explicação
de João M. Mimoso:
“com curso alheio- sem
movimento próprio mas arrastado pelo movimento alheio (do Móbil Primeiro); anda outro lento- referência à
9ª esfera, aquosa, chamada Cristalino, que era suposta mover-se lentamente; enquanto Febo (etc...)- enquanto
o Sol [Febo] completa duzentos ciclos (isto é, em duzentos anos), o Cristalino
roda apenas um grau.” [grifos meus] (Ver citação.) Explicação do Prof. José
Antônio: Tétis fala da rapidez (rapto, aqui = RÁPIDO) do Móbil (Móbile)
Primeiro e da lentidão da esfera abaixo dele: o CRISTALINO. O Cristalino é tão
lento que o Sol [Febo, na mitologia greco-romana] o ultrapassa em velocidade,
ao redor da Terra, muitas vezes (o Sol é 200 vezes mais rápido que o
Cristalino).
A
ESFERA DO FIRMAMENTO (O CÉU DAS ESTRELAS):
(87)«Olha estoutro
debaixo, que esmaltado
De corpos lisos
anda e radiantes,
Que também nele
tem curso ordenado
E nos seus axes
correm cintilantes.
Bem vês como se
veste e faz ornado
Co largo Cinto d'ouro, que estrelantes
Animais doze traz
afigurados,
Aposentos de Febo
limitados.”
Explicação
de João M. Mimoso:
“estoutro debaixo- a 8ª esfera
(Firmamento) onde existiam as estrelas (corpos lisos); co largo Cinto d'Ouro (etc...)- o Zodíaco com as doze constelações
que são os Signos; aposentos de Febo
limitados- o Sol está em cada um dos signos durante um mês apenas.” (Ver
citação.) Explicação do Prof. José Antônio: Estoutro = Este outro.
Embaixo do Cristalino fica o FIRMAMENTO, os Céus de que fala a Bíblia.
Firmamento aparece muito na Bíblia, de fato, para referir-se aos Céus das
estrelas e dos astros. Curiosidade, para lembrar: acreditava-se que o
Firmamento seria composto por “corpos lisos (...) e radiantes”, a andar pelos
céus. O Firmamento é a esfera das ESTRELAS FIXAS, onde existe o CINTO D’OURO,
expressão (conjunto de palavras) que Camões usa para comparar o ZODÍACO, que
tem as doze (no texto; hoje,
treze) constelações, muitas das quais cujas estrelas formam imagens de animais
(“estrelantes animais”: Peixes, Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem,
Libra, Escorpião, [Ophiuchus,] Sagitário, Capricórnio e Aquário – o ser humano,
da Virgem e dos Gêmeos, é também um animal, um animal racional [e, de acordo
com Aristóteles, também político]). Afigurados, quer dizer, mostrados como
figuras – as constelações formam figuras de animais. No seu movimento anual, o
Sol atravessa cada constelação que compõe o CINTO D’DOURO (o ZODÍACO) – a astrologia
faz uso disto. Quem tem o signo de Touro é porque o Sol está passando, por
volta de abril/maio, pela constelação. Concepção geocêntrica do universo!!! E
ainda no Firmamento:
(88) «Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas
fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta,
atenta a Cinosura,
Andrômeda e seu
pai, e o Drago horrendo;
Vê de Cassiopéia a
formosura
E do Orionte o
gesto turbulento;
Olha o Cisne
morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães,
a Nau e a doce Lira.”
Explicação
do Prof. José Antônio:
O FIRMAMENTO parece uma pintura, em que aparecem (fulgem, brilham; “vão fazendo”:
vão aparecendo, vão surgindo... – com o anoitecer, as constelações vão
aparecendo progressivamente, até brilharem todas no Firmamento noturno) as
Estrelas fulgentes (brilhantes), em forma de constelações. Camões cita as
constelações CARRETA, CINOSURA, ANDRÔMEDA E SEU PAI, DRAGÃO, CASSIOPEIA, ORIONTE,
CISNE, LEBRE, CÃES, NAU e LIRA. Camões conhecia bem os Céus e era grande
admirador, como se pode ver, das constelações do Firmamento, aliás, do universo
como um todo.
OS
PLANETAS, O SOL E A LUA, ABAIXO DO FIRMAMENTO:
(89) «Debaixo deste grande Firmamento,
Vês o céu de
Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o
movimento,
E Marte abaixo,
bélico inimigo;
O claro Olho do
céu, no quarto assento,
E Vênus, que os
amores traz consigo;
Mercúrio, de
eloquência soberana;
Com três rostos,
debaixo vai Diana.”
Explicação
de João M. Mimoso:
Referência às 7 últimas esferas: a do planeta Saturno; a de Júpiter, a de
Marte; a do Sol (o claro Olho do Céu); a de Vénus, a de Mercúrio; e, finalmente
a da Lua, cujos três rostos são as três fases (ou "faces") em que
está visível.” (Ver citação.) Explicação do Prof. José Antônio: Os nomes
dos planetas, inclusive da Lua, representam deuses a mitologia greco-romana. Esses astros, com o
Sol, ficam embaixo do Firmamento: Saturno (grego Cronos) é o deus da geração,
filho do Céu e da Terra (Gaia ou Geia), de acordo com a Wikipédia; Júpiter (o
grego Zeus) é o pai dos deuses; Marte (grego Ares), deus da guerra (“bélico
inimigo”); o Sol (Hélios, deus grego da luz), comparado a um grande Olho que
está no Céu; Vênus (Afrodite, entre os gregos), deusa do amor; Mercúrio
(Hermes, entre os gregos), “é um mensageiro e Deus da venda, lucro e comércio,
o filho de Maia, uma Plêiade, e Júpiter” (Wikipédia).; a Lua (DIANA ou, entre
os gregos, Ártemis, deusa da caça, adorada, por exemplo, em Éfeso, citada nos
Atos dos Apóstolos, quando Paulo estava pregando e acabou apedrejado, sem
morrer, por conta dos adoradores de Diana).
(90) «Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns
grave e noutros leve;
Ora fogem do
Centro longamente,
Ora da Terra estão
caminho breve,
Bem como quis o
Padre onipotente,
Que o fogo fez e o
ar, o vento e neve,
Os quais verás que
jazem mais a dentro
E tem com Mar a Terra
por seu centro.”
Explicação
de João M. Mimoso:
“nuns grave e noutros leve- uns
lentos e os outros rápidos;ora fogem
do centro (etc...)- os planetas eram supostos ter órbitas circulares (na
realidade são elípticas com o Sol num dos focos), excêntricas em relação à
Terra. Durante o seu curso tanto se afastam muito (fogem do
centro longamente), como se aproximam da Terra (ora da Terra estão caminho
breve).” (Ver citação.) (O grifo central é meu.) Explicação do Prof. José
Antônio: Sabemos hoje (século XXI) que as órbitas planetárias são
elípticas, isto é, em forma de elipses, não circulares. Mas, na antiguidade e
no tempo de Camões, se acreditava que eram circulares, redondinhas! Aí
aparecida o problema dos desvios dos planetas em certas épocas de cada ano.
Para corrigir esse problema e facilitar encontrar os planetas nos céus, Cláudio
Ptolomeu (astrônomo e geógrafo, seguidor de Aristóteles) inventou os EPICICLOS –
círculos menores em torno dos círculos orbitais maiores. Depois de falar disto,
Camões volta-se, finalmente, para a TERRA, paradinha no centro do universo,
onde o Pai (Padre) Onipotente (DEUS) fez o fogo, o ar, o vento, o mar, etc., e
pôs a Terra bem no centro desse universo.
TERRA,
PARADA NO CENTRO DO UNIVERSO GEOCÊNTRICO:
(91) «Neste centro, pousada dos humanos,
Que não somente,
ousados, se contentam
De sofrerem da
terra firme os danos,
Mas inda o mar
instável experimentam,
Verás as várias
partes, que os insanos
Mares dividem,
onde se aposentam
Várias nações que
mandam vários Reis,
Vários costumes
seus e várias leis.”
Explicação
de João M. Mimoso:
“várias leis- várias religiões.” (Ver citação.) Explicação do Prof. José
Antônio: A Terra é a morada dos seres humanos, postos aí por Deus, desde o
sexto dia da Criação (Gênesis 1,1 – 2,4). Os seres humanos são ousados
(corajosos), não se contentam pelo fato de sofrerem os danos da terra firme e,
portanto, buscam até o mar instável, onde experimentam sua força, sua
instabilidade (o mar é feito e água e se revolta com o agitar das ondas). Na
Terra há várias partes, divididas pelos mares: os continentes, as ilhas... Nela
habitam povos (nações) governados por diversos (“vários”) Reis, com seus
costumes e leis sagradas (religiões, como o cristianismo da Europa e da América,
o islamismo da Arábia e outros povos, o hinduísmo da Índia, o Budismo de outras
partes do Oriente, etc.).
(92)«Vês Europa
Cristã, mais alta e clara
Que as outras em
polícia e fortaleza.
Vês África, dos
bens do mundo avara,
Inculta e toda
cheia de bruteza;
Co Cabo que até
aqui se vos negara,
Que assentou pera
o Austro a Natureza.
Olha essa terra
toda, que se habita
Dessa gente sem
Lei, quase infinita.”
Explicação
do Prof. José Antônio:
Na Terra encontram-se a Europa Cristã, caracterizada pela altivez, a clareza, a
polícia (polimento, educação) e a fortaleza; a África, caracterizada pela
avareza, a falta de cultura e bruteza (característica de quem é bruto), que tem
o Cabo das Tormentas ou, hoje, Cabo da Boa Esperança, ao Sul (Austro), a África
fica ao Sul também (Austro) e tem uma Natureza exuberante, além da que aparece
no Cabo, com muitas terras, habitada por gente sem Lei (a Lei do Deus cristão),
“quase infinita”, quer dizer, gente em grande quantidade. Nas estrofes
seguintes, que não serão comentadas, por não fazerem parte do estudo que aqui
se interessou, aparecerão outros povos (nações) e outros personagens.
Curiosamente, pode-se ver, na comparação entre Europa e África a visão dos
europeus daquele tempo (século XVI) sobre a África. Uma visão um tanto
preconceituosa.
REFERÊNCIAS:
CAMÕES,
Luís Vaz de. Os Lusíadas. Disponível
em: < http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000178.pdf
> Acesso em 29/09/2020.
CAMÕES,
Luís Vaz de. Os Lusíadas. São Paulo,
Martin Claret, 2001. (Col. A Obra-Prima de Cada Autor, 33.)
CHAUÍ,
Marilena. Iniciação à Filosofia. 3.ed.
São Paulo, Ática, 2017.
FERREIRA,
João. Chave Bíblica. Sociedade
Bíblica do Brasil, Brasília, 1970.
GOOGLE.
Disponível em: < https://www.google.com/webhp?hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwityISf2o7sAhVTHLkGHbniCdIQPAgI
> Acesso
em 29/09/2020.
MIMOSO,
João Manuel. Os Lusíadas de Luís de
Camões. Disponível em: < https://www.inverso.pt/lusiadas/m%E1quina.htm
> Acesso em 29/09/2020.
WIKIPÉDIA.
Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal
>
Acesso em 29/09/2020.
Ver também:
http://filosofianodia-a-dia.blogspot.com/2016/09/camoes-e-filosofia-1-um-estudo-do.html
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