Em outros textos,
neste blog, já se comentou sobre Demócrito, os átomos e o vazio. Aqui mais um
pouco será dito. Algumas possibilidades, com base no que havia naquele tempo e
há ainda hoje, serão levantadas. Serão usadas a observação, a razão e muita
imaginação.
Leucipo e
Demócrito são chamados, com outros que os antecederam, de filósofos
pré-socráticos ou físicos (estudiosos da natureza, physis, em grego). Além deles: Tales de Mileto, Anaxímenes de
Mileto, Anaximandro de Mileto, Heráclito de Éfeso, Pitágoras de Samos e outros
mais. Buscavam a arque\arché, palavra traduzida do grego por princípio. Aquilo
que, naturalmente, deu origem a todas as coisas existentes.
Acerca da relação
átomos-vazio, em Demócrito, o que mais é possível acrescentar? O que mais
teria, naquele tempo – uns dois mil e quinhentos anos atrás –, permitiria a
Leucipo e, especialmente, Demócrito enxergar e abstrair (formar ideias), além
da visão comum, aquela relação? Fatos curiosos, corriqueiros inclusive naquele
tempo, podem ser citados.
Quando se mistura
vinho na água ou vice-versa, o vinho fica claro e mesclado a ela. Ora, essa
mescla só seria possível havendo espaços na água por onde as partículas de
vinho pudessem passar: uma evidência de espaços vazios nos líquidos e de que
suas partículas não são coesas (agregadas rigidamente). Vazio!
Pó de tinta também
pode mesclar-se à água. Na época de Demócrito, pinturas eram comuns e continuam
sendo até hoje. Pode-se colorir a água com tintas em pó. Fato que pode ter sido
observado também por Leucipo e Demócrito.
Além de se
encontrarem no estado líquido, água e vinho podem sofrer evaporação. Na
evaporação do vinho o que sobra pode ser uma borra ou um pó fino. Em ebulição a
água transforma-se em vapor, estado gasoso. Fenômenos também perceptíveis no
mundo antigo. A água e o vinho têm partículas que facilmente podem se espalhar,
mediante o calor. E o que mais isto mostra?
Que o ar permita
passar por ele é um fato comum, sem necessidade de reflexão. Pessoas e animais,
por exemplo, se movem de um lugar a outro, por entre espaços vazios. O fato de
ser rarefeito (extremamente fino e espalhado) aponta que o ar dispõe de espaços
vazios, a ponto de suas partículas não poderem ser vistas a olho nu. Isto
mostra igualmente que suas partículas (átomos) não são coesas quanto as do
ferro sólido ou do bronze. Os ganchos ou encaixes ou engates que prendem essas
partículas são menos fortes ou as ligações proporcionadas. Eis o que
Aristóteles, em um fragmento doxográfico (fragmento 10), a respeito de
Demócrito, diz:
“Afirmam que o movimento se dá
graças ao vazio; com efeito, segundo estes, o movimento dos corpos naturais e
elementares é um movimento local; porque o movimento devido ao vazio é um
transporte, como em um lugar; quanto aos outros movimentos, nenhum pertence,
pensam eles, aos corpos elementares, mas somente àqueles que deles são formados;
dizem que o crescimento, o perecimento e a alteração provêm da reunião e da
separação dos corpos insecáveis. (Arist. Phys. VIII, 9, 265b)” (BORNHEIM, 1998,
p. 125).
Corpos elementares, no texto de
Aristóteles: os átomos.
Quando há fogo em
madeira, a fumaça mistura-se ao ar, podendo ser até levada pelo vento (ar em
movimento). Mais um sinal de que há espaços vazios no ar por onde as partículas
de fumaça (átomos) possam passar, atravessar. Outra evidência da relação
átomos-vazio. Além do mais, a fumaça espalhada pelo ar se rarefaz, isto é,
espalha-se e afina-se até sumir em meio à enorme quantidade de partículas de
ar-vento. Os encaixes dos átomos de ar e fumaça são tão tênues que aqueles se
soltam e se expandem mais. O mesmo, com certeza, vale para outros gases.
No caso da água
que evapora e que se agrega. Dois fenômenos comuns: calor e frio, em sua
dualidade (dois opostos). O calor expande, fazendo entrar em ebulição e
evaporação, além de também derreter até metais. O frio agrega, ajunta, reúne. A
água que virou vapor e subiu até as nuvens agregou-se e caiu na forma de gotas
(chuva, tempestade), voltando a reunir-se novamente em poças, lagos, rios,
mares, oceano(s)!
Mas o ar, por que
não se liquidifica em condições de frio, como a água? Muito certamente por
conta dos encaixes\engates\ganchos serem mais tênues (fracos) que os dos átomos
da água. (Sorte dos seres vivos, os quais precisam respirar o ar.)
E os átomos de
metais sólidos? Ferreiros sabiam e sabem bem que a espada de ferro ou bronze,
depois de forjada, precisa ser afiada, formando os gumes e a ponta. Nesse
processo é preciso atritar o metal contra certas pedras ou em torno de pedra
abrasiva (desgastadora). O que sobra? Pó de metal e de pedra, partículas
finíssimas. Se se desbastar o metal demais, a espada vai se acabando. Ainda que
os engates\encaixes\ganchos que prendam um átomo de metal no outro sejam
fortes, podem ser soltos pela força, o atrito e até pelo derretimento! O bronze
de uma espada derretida pode-se transformar em objetos menores, dependendo das
fôrmas usadas e do que se quer produzir.
O fogo é produzido
pela combustão de madeira, liberando calor e luz. É sensível, isto é, pode ser
sentido, percebido. Queima. Na época de Leucipo e Demócrito, como nos dias de
hoje, o fogo era (e continua sendo) fundamental. Seus átomos (partículas) têm,
portanto, energia proveniente da combustão.
Quanto ao fogo, um
fragmento doxográfico, o de número 21, traz pontos importantes, esclarecedores,
ao falar da alma-espírito e do fogo:
“Alguns filósofos afirmam que a alma
é fogo; pois este é o mais sutil dos elementos e o que mais se aproxima do
incorpóreo; além disto, o fogo move-se e movimenta outros corpos. Demócrito
explicou também o fundamento destes dois atributos da alma. Alma e espírito,
diz ele, são uma e a mesma coisa, e pertencem aos corpos primários e indivisíveis, atribuindo sua aptidão ao
movimento, à sutileza e forma. E de
todas as formas, as esféricas são as mais movediças, constituindo estas tanto o
fogo quanto o espírito. (Arist., De Anima, I, 2, 405a).” (BORNHEIM, op. cit.,
p. 127).
Corpos primários e
indivisíveis: os átomos – a palavra átomo, no grego, significa, justamente,
indivisível, não divisível. Eles têm formas variadas. As do espírito e do FOGO
são esféricas, que “são as mais movediças”, isto é, que têm mais facilidade de
mover-se. Isto aponta que, além dos ganchos\engates\encaixes que unem os
átomos, as formas influenciam também, inclusive no modo como se movimentam.
Enfim, como se
pode ver, fenômenos naturais e artificiais não faltaram a Leucipo e Demócrito,
usando a visão, a observação de fenômenos corriqueiros, do dia a dia, comuns às
pessoas, usando ambos a inteligência, para quererem entender mais, levando-os à
descoberta dos átomos. Curiosamente, ao dizerem que tudo é composto de átomos,
ainda que diferentes em formas e tamanhos (minúsculos), fazem uma afirmação
universal. Uso do pensamento indutivo-dedutivo.
Ao tratar do ar, da fumaça, da água, dos metais tirados da terra e usados em espadas, o que se quis aqui mostrar é a presença dos átomos em diferentes corpos, compostos pelos três estados da matéria: o gasoso, o líquido e o sólido. Ademais, o fogo, que representa energia na forma de calor e luz, além de movimento. Leucipo e Demócrito conheciam bem esses fenômenos. Souberam usar a experiência sensorial (dos cinco sentidos), a razão e a imaginação, viajando além do senso comum, ou seja, buscando ver para além do que viam as pessoas comuns, no dia a dia.
Além de Leucipo e
Demócrito, vale lembrar de Anaxágoras de Clazômenas, que deu às partículas
primordiais da matéria o nome de homeomerias (fragmentos doxográficos 1 e 2 de
Anaxágoras). Também ele, como se vê, acreditava em uma pluraridade de
partículas minúsculas a compor todos os corpos e seres. As homeomerias têm esse
nome em razão de comporem corpos com características semelhantes a elas, como o
osso, formado por homeomerias resistentes e brancas (ou quase brancas). A discutir
em outro texto futuro.
REFERÊNCIAS:
BORNHEIM, Gerd. Os Filósofos
Pré-Socráticos. 14.ed. São Paulo, Cultrix, 1998. Disponível em: < https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxpZnJqZmlsb3NvZmlhfGd4OjU0MzgwMzA2MDY0NWQ4ZDk
> Acesso em 20/07/2020.
HISTORY. O Primeiro Computador do
Mundo Mecanismo de Antikitera. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=uWNBRnuzsTg
> Acesso em 20/07/2020.
HISTORY CHANNEL. Os incríveis robôs
da antiguidade. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=5diSQFEJTTY
> Acesso em 20/07/2020.
HISTORY CHANNEL/TV ESCOLA.
Descobertas da Antiguidade Mecânica. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=lEt6vvDFJGs
> Acesso em 20/07/2020.
Ver neste blog também:
COMENTÁRIO SOBRE UMA QUESTÃO DE
FILOSOFIA DO ENEM 2017:
LEUCIPO, DEMÓCRITO E EPICURO: OS
ÁTOMOS: