domingo, 3 de dezembro de 2017

QUARTA QUESTÃO DE FILOSOFIA DO ENEM 2017 ANALISADA: (Prof. José Antônio Brazão.)


Questão 71 do Caderno 3, Branco, do primeiro dia.
QUESTÃO 71: Uma pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros  desta maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: quando julgo estar em apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca sucederá. (KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo, Abril Cultural, 1980.)
De acordo com a moral kantiana, a “falsa promessa de pagamento” representada no texto
(A) assegura que a ação seja aceita por todos a partir da livre discussão participativa.
(B) garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade de vida futura na terra.
(C) opõe-se ao princípio de que toda ação do homem possa valer como norma universal.
(D) materializa-se no entendimento de que os fins da ação humana podem justificar os meios.
(E) permite que a ação individual produza a mais ampla felicidade para as pessoas envolvidas.
RESPOSTA: letra (C).
Em resumo, Immanuel Kant, filósofo iluminista alemão que viveu entre o século dezoito e princípio do dezenove, no texto citado, imagina a possibilidade de uma pessoa mentir para poder receber um dinheiro emprestado e resolver a necessidade que a levou a isto, sabendo que não poderá pagar. Vamos analisar cada alternativa. A falsa promessa de pagamento representada no texto:
Alternativa (A) “assegura que a ação seja aceita por todos a partir da livre discussão participativa” (grifo meu). Em sã consciência, ninguém aceitaria que alguém pudesse fazer uma falsa promessa de pagamento. Por quê? Porque essa falsa promessa representa o prejuízo de outra pessoa, aquela que emprestou o dinheiro. E mesmo que alguém admitisse essa possibilidade, nem todos a aceitariam, com certeza.
Alternativa (B) “garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade de vida futura na terra” (grifo meu). Qual seria(m) o(s) efeito(s) da aceitação de que as pessoas podem ou poderiam prometer e não cumprir o que foi prometido?  O principal efeito seria o de que ninguém viria a confiar nas promessas de ninguém. Ora, a confiança é fundamental à vida coletiva. Para a vida coletiva, de fato, isto seria um desastre, ainda que, de fato, não eliminasse a possibilidade de vida futura na terra. Não haveria confiança e, sem ela, não haveria respeito, sabendo-se que não se deve dar crédito a ninguém.
Alternativa (D) “materializa-se no entendimento de que os fins da ação humana podem justificar os meios” (grifo meu). No caso, qual seria o fim da mentira (falsa promessa)? Livrar-se de apuros financeiros. E qual seria o meio para obter o dinheiro emprestado? O uso de uma falsa promessa mentirosa, sem cumprimento da palavra dada. Kant jamais defendeu a ideia de que os fins justificam os meios. Essa ideia aparece em outro filósofo, bem anterior ao tempo de Kant, o italiano Nicolau Maquiavel, e, mesmo assim, deve ser interpretada com muito cuidado, tendo em vista que Maquiavel não tinha intenção de prejudicar súditos dos príncipes, mas fortalecer o poder destes, resguardando sua posição e os fortalecendo.
Alternativa (E) “permite que a ação individual produza a mais ampla felicidade para as pessoas envolvidas” (grifo meu). No caso, qual ação individual? A falsa promessa, o uso da mentira (prometer pagar sabendo que, na verdade, não pagará) para obter um benefício pessoal (obtenção de dinheiro emprestado). Que pessoas envolvidas? No caso do texto kantiano: quem quer o dinheiro emprestado e seu credor (pessoa que emprestou). E a felicidade? De quem? Certamente, de quem terá pegado o dinheiro emprestado. E do credor? Nenhuma felicidade, muitíssimo certamente. Então, a ideia de que a ação produziria “a mais ampla felicidade para as pessoas envolvidas” vai por água abaixo.
Alternativa (C) [A falsa promessa de pagamento representada no texto] “opõe-se ao princípio de que toda ação do homem possa valer como norma universal”. Immanuel Kant, em seus livros sobre ética, diz claramente que é um grande princípio o de que “toda ação do homem possa valer como norma universal”. Explicando melhor: de acordo com Kant, toda ação humana dever ser pautada na reflexão de que a ação de cada um(a) deve ser tão boa e tão ética de modo que ela possa valer, como princípio e prática, para todos os seres humanos. E por que Kant parte do indivíduo para o todo? Porque é em cada pessoa que residem valores e normas. O que uma pessoa não quer para si ela também não deve querer para os outros. O que ela não quer que pratiquem contra ela, também ela não deve praticar contra quem quer que seja. E o que quer para si (o bem) ela deve querer e praticar em relação a todos os outros. Portanto, a ação de cada pessoa deve ser tal que possa valer como norma (regra) universal (comum a todos). Se cada pessoa, no todo, fizer sua parte, a vida comum, pautada na ética, trará enormes benefícios a todos. O bem comum (o bem de todos) depende de cada um(a) agir de modo ético. Isto não quer dizer que as pessoas são perfeitinhas. Não. Kant sabia muito bem dos defeitos humanos, das fraquezas. Porém, sabia bem que cada pessoa guarda dentro de si a RAZÃO e é ela que define a prática, por meio de princípios éticos, dentre os quais um princípio fundamental é o de que as ações humanas devem “valer como normas universais”. A razão prática é a razão que se aplica à ética! Daí se vê que a alternativa (C) é a correta.
Alguns pontos:
1)      Bons livros didáticos trazem um bom esclarecimento da ética kantiana. Observe bem que esta questão exige o conhecimento de princípios fundamentais da ética kantiana, encontráveis em livros do filósofo (Immanuel Kant) e, de modo geral, em linguagem adaptada, nos livros didáticos escolares de Filosofia. Também nas aulas da professora e do professor a respeito do assunto.
2)      Essa questão, como outras, exigiu estudos (leituras e releituras) da moral kantiana. Todo livro didático costuma ter uma parte que se chama Ética, na qual fala também da ética de Kant.
3)      Além de bons livros didáticos, que são importantíssimos, o pensamento kantiano pode ser encontrado em bons sites da internet.
4)      Quanto aos livros sobre Kant e demais filósofos e filósofas:
a)      O livro didático de Filosofia em uso na sua escola.
b)      Outros livros didáticos de Filosofia disponíveis na biblioteca da escola.
c)      Livros de filosofia na biblioteca escolar. Via empréstimo.
d)      Livros de filosofia em alguma biblioteca municipal (da cidade). Via empréstimo.
e)      Livros de filosofia nalguma biblioteca de bairro. Via empréstimo.
f)       Bancas de revistas (revistarias) costumam dispor, de tempos em tempos, de livros de filosofia bem baratos.
g)      Possível aquisição em livrarias.


2 comentários:

Edu Chaves disse...

Este post foi excelente na explicação e deixou muito mais claro para mim esta questão. Obrigado!

talita disse...

obrigada obrigada obrigada, entendi tudo!!!!