Questão 71 do
Caderno 3, Branco, do primeiro dia.
QUESTÃO 71:
Uma pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe
muito bem que não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se
não prometer firmemente pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer
a promessa; mas tem ainda consciência bastante para perguntar a si mesma: não
é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta maneira? Admitindo que se decida a
fazê-lo, a sua máxima de ação seria: quando julgo estar em apuros de
dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal
nunca sucederá. (KANT,
I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo, Abril Cultural,
1980.)
De acordo com
a moral kantiana, a “falsa promessa de pagamento” representada no texto
(A) assegura
que a ação seja aceita por todos a partir da livre discussão participativa.
(B) garante
que os efeitos das ações não destruam a possibilidade de vida futura na
terra.
(C) opõe-se ao
princípio de que toda ação do homem possa valer como norma universal.
(D) materializa-se
no entendimento de que os fins da ação humana podem justificar os meios.
(E) permite
que a ação individual produza a mais ampla felicidade para as pessoas
envolvidas.
RESPOSTA:
letra (C).
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Em
resumo, Immanuel Kant, filósofo iluminista alemão que viveu entre o século
dezoito e princípio do dezenove, no texto citado, imagina a possibilidade de
uma pessoa mentir para poder receber um dinheiro emprestado e resolver a
necessidade que a levou a isto, sabendo que não poderá pagar. Vamos analisar
cada alternativa. A falsa promessa de
pagamento representada no texto:
Alternativa (A)
“assegura que a ação seja aceita por todos a partir da livre discussão
participativa” (grifo meu). Em sã consciência, ninguém aceitaria que alguém
pudesse fazer uma falsa promessa de pagamento. Por quê? Porque essa falsa
promessa representa o prejuízo de outra pessoa, aquela que emprestou o
dinheiro. E mesmo que alguém admitisse essa possibilidade, nem todos a
aceitariam, com certeza.
Alternativa (B)
“garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade de vida
futura na terra” (grifo meu). Qual seria(m) o(s) efeito(s) da aceitação de
que as pessoas podem ou poderiam prometer e não cumprir o que foi prometido? O principal efeito seria o de que ninguém
viria a confiar nas promessas de ninguém. Ora, a confiança é fundamental à vida
coletiva. Para a vida coletiva, de fato, isto seria um desastre, ainda que, de
fato, não eliminasse a possibilidade de vida futura na terra. Não haveria
confiança e, sem ela, não haveria respeito, sabendo-se que não se deve dar
crédito a ninguém.
Alternativa (D)
“materializa-se no entendimento de que os fins da ação humana podem
justificar os meios” (grifo meu). No caso, qual seria o fim da mentira
(falsa promessa)? Livrar-se de apuros financeiros. E qual seria o meio para
obter o dinheiro emprestado? O uso de uma falsa promessa mentirosa, sem
cumprimento da palavra dada. Kant jamais defendeu a ideia de que os fins
justificam os meios. Essa ideia aparece em outro filósofo, bem anterior ao
tempo de Kant, o italiano Nicolau Maquiavel, e, mesmo assim, deve ser
interpretada com muito cuidado, tendo em vista que Maquiavel não tinha intenção
de prejudicar súditos dos príncipes, mas fortalecer o poder destes,
resguardando sua posição e os fortalecendo.
Alternativa (E)
“permite que a ação individual produza a mais ampla felicidade para as
pessoas envolvidas” (grifo meu). No caso, qual ação individual? A falsa
promessa, o uso da mentira (prometer pagar sabendo que, na verdade, não pagará)
para obter um benefício pessoal (obtenção de dinheiro emprestado). Que pessoas
envolvidas? No caso do texto kantiano: quem quer o dinheiro emprestado e seu
credor (pessoa que emprestou). E a felicidade? De quem? Certamente, de quem
terá pegado o dinheiro emprestado. E do credor? Nenhuma felicidade, muitíssimo
certamente. Então, a ideia de que a ação produziria “a mais ampla felicidade
para as pessoas envolvidas” vai por água abaixo.
Alternativa (C)
[A falsa promessa de pagamento representada no texto] “opõe-se ao princípio de
que toda ação do homem possa valer como norma universal”. Immanuel Kant, em
seus livros sobre ética, diz claramente que é um grande princípio o de que
“toda ação do homem possa valer como norma universal”. Explicando melhor: de
acordo com Kant, toda ação humana dever ser pautada na reflexão de que a ação
de cada um(a) deve ser tão boa e tão ética de modo que ela possa valer, como
princípio e prática, para todos os seres humanos. E por que Kant parte do
indivíduo para o todo? Porque é em cada pessoa que residem valores e normas. O que
uma pessoa não quer para si ela também não deve querer para os outros. O que
ela não quer que pratiquem contra ela, também ela não deve praticar contra quem
quer que seja. E o que quer para si (o bem) ela deve querer e praticar em
relação a todos os outros. Portanto, a ação de cada pessoa deve ser tal que
possa valer como norma (regra) universal (comum a todos). Se cada pessoa, no
todo, fizer sua parte, a vida comum, pautada na ética, trará enormes benefícios
a todos. O bem comum (o bem de todos) depende de cada um(a) agir de modo ético.
Isto não quer dizer que as pessoas são perfeitinhas. Não. Kant sabia muito bem
dos defeitos humanos, das fraquezas. Porém, sabia bem que cada pessoa guarda
dentro de si a RAZÃO e é ela que define a prática, por meio de princípios
éticos, dentre os quais um princípio fundamental é o de que as ações humanas
devem “valer como normas universais”. A razão prática é a razão que se aplica à
ética! Daí se vê que a alternativa (C) é a correta.
Alguns
pontos:
1) Bons
livros didáticos trazem um bom esclarecimento da ética kantiana. Observe bem
que esta questão exige o conhecimento de princípios fundamentais da ética
kantiana, encontráveis em livros do filósofo (Immanuel Kant) e, de modo geral,
em linguagem adaptada, nos livros didáticos escolares de Filosofia. Também nas
aulas da professora e do professor a respeito do assunto.
2) Essa
questão, como outras, exigiu estudos (leituras e releituras) da moral kantiana.
Todo livro didático costuma ter uma parte que se chama Ética, na qual fala também
da ética de Kant.
3) Além
de bons livros didáticos, que são importantíssimos, o pensamento kantiano pode
ser encontrado em bons sites da internet.
4)
Quanto
aos livros sobre Kant e demais filósofos e filósofas:
a)
O
livro didático de Filosofia em uso na sua escola.
b)
Outros
livros didáticos de Filosofia disponíveis na biblioteca da escola.
c)
Livros
de filosofia na biblioteca escolar. Via empréstimo.
d)
Livros
de filosofia em alguma biblioteca municipal (da cidade). Via empréstimo.
e)
Livros
de filosofia nalguma biblioteca de bairro. Via empréstimo.
f)
Bancas
de revistas (revistarias) costumam dispor, de tempos em tempos, de livros de
filosofia bem baratos.
g)
Possível
aquisição em livrarias.
2 comentários:
Este post foi excelente na explicação e deixou muito mais claro para mim esta questão. Obrigado!
obrigada obrigada obrigada, entendi tudo!!!!
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