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anterior, por mim escrito, sobre Leucipo, Demócrito e Epicuro, neste site.
O
fragmento doxográfico 1, referente a Demócrito, citado por Gerd Bornheim, na
sequência em que fala dos átomos como princípio(s) de tudo, diz, em um pequeno
trecho: “(...) Os átomos são ilimitados em grandeza e número e são arrastados
com o todo em um turbilhão. (...) Tudo se faz por necessidade; sendo o
turbilhão causa da gênese de tudo, ele o chama necessidade.(...)” (Frag.
Doxogr. 1 de Demócrito, apud BORNHEIM, 1996, p. 124). Tudo é formado por
átomos, minúsculas partículas (partezinhas) de matéria que se encaixam de modos
diversos, em diferentes combinações, formando todos os seres. No início de
tudo, os átomos encontravam-se em um turbilhão.
Turbilhão
é um redemoinho, como os redemoinhos formados pelo ar, alguns dos quais
pequenos e outros gigantes, a ponto de destruir casas e devastar cidades.
Turbilhões ou redemoinhos também se formam na água. Mas por que um turbilhão na
origem de tudo?
Vamos
refletir um pouco.
Um
redemoinho comum, daqueles que levantam a poeira em dias secos, carrega consigo
a matérias mais leves, como poeira, folhas, partículas dos mais diversos tipos. Um redemoinho (turbilhão) gigante (tornado, por exemplo), como os capazes de destruir casas, carregam
materiais os mais diversos também, como poeira, madeira, telhados e muitas
outras coisas, dependendo do tamanho, até gente! O turbilhão de Demócrito, que
deu origem ao cosmos (universo), carregava consigo os átomos que a este viriam
formar, com seus seres dos mais diferentes tipos. A medir pelo tamanho do
universo, um turbilhão imenso!
Todo
turbilhão é composto de matéria – um turbilhão de ar, comum, é composto por
este, um turbilhão de água, por esta. A matéria primordial era composta de
átomos. A atual também. Nos primórdios, um turbilhão de átomos!
Todo
turbilhão está em movimento. Ora, o movimento é uma marca das ideias de
Heráclito, um dos filósofos pré-socráticos, como Demócrito. Os átomos, por sua
vez, são eternos, além de serem ilimitados. A eternidade era um atributo do ser
de Parmênides. Demócrito soube aliar bem o pensamento do devir e da
permanência.
E
“na origem de todas as coisas estão os átomos e o vazio” (mesmo fragmento, no
início). Imagine um copo vazio, no qual estejam leite em pó, um pouco de canela
em pó, um pouco de chocolate e água. Deixe tudo ali quieto. Que efeito produz
esse material? Se você beber, sentirá o gosto da água pura (certamente morna),
bem como outros gostos dos materiais que com ela estão no copo. Mas movimente o
copo bem ou mexa com uma colher, até que tudo se misture e forme um composto homogêneo. Eis que surge
uma combinação muito gostosa. Então, tem-se o vazio do copo, no qual estão
postos os materiais, mas algo mais foi necessário: um movimento de sacudidela ou do movimento da colher,
um pequeno turbilhão!
É
claro, o movimento que deu origem ao cosmos não surgiu dos deuses e deusas,
como o de alguém que sacudiu e girou o copo ou mexeu a colher em movimentos circulares - de pequeno turbilhão - para formar aquela mistura
deliciosa. O movimento é inerente ao universo, ao cosmos, como acreditava
Heráclito. Um movimento, no caso de Demócrito, que teve a capacidade de
misturar os átomos e provocar combinações diversas, a partir de seus encaixes - os átomos de Demócrito se encaixavam, como uma peça de Lego se encaixa em
outra, algo parecido.
Mas
também o movimento diminui, ainda que continue existindo. Um redemoinho de ar
para, mas o ar continua em movimento! E os átomos têm a capacidade de
combinar-se e recombinar-se, em tudo havendo o movimento (o devir
heracliteano). Se não reduzisse, não haveria o cosmos (a harmonia, a ordem),
universo. Parar? Não. O movimento (o devir) é permanente: o vazio é
constantemente ocupado, desocupado e reocupado – ele ainda existe e continuará
existindo, junto com os átomos. As pessoas, formadas por átomos, se movimentam;
o ar, formado de átomos, se movimenta; os planetas e as estrelas, no sistema
geocêntrico do tempo de Demócrito, continuam e continuarão girando, tudo formado
por átomos!
O
turbilhão inicial foi-se aquietando, ainda que o movimento não se perca,
possibilitando o agregar dos átomos, formando seres, numa grande pluralidade.
Curiosamente, os planetas e as estrelas giram em torno da Terra (no centro do
universo-cosmos geocêntrico). Um turbilhão (redemoinho) de ar ou de água tem um
ponto central a partir do qual gira. Imaginemos que no turbilhão originário do
cosmos um número imenso (o texto fala ilimitado) de átomos foram, pouco a
pouco, compondo planetas, estrelas, a Terra e os seres que nela existem, toda a
pluralidade. Ora, até o próprio ser humano, para Demócrito, é um microcosmos,
portanto composto por átomos que estavam no turbilhão original.
Mas
o que é a necessidade de que o texto fala? O fragmento 6 responde: “Por
necessidade entende Demócrito o choque, o movimento e o impulso da matéria.
(Aet. I, 26, 2).” Ideias que combinam bem com o turbilhão (o redemoinho)! A
matéria, formada por átomos, carrega consigo o impulso, isto é, está em
contínuo e necessário, incessante, movimento. Chocando-se uns com os outros, no
movimento, átomos se juntam, formam seres, planetas, a Lua, a Terra, plantas,
bichos, gente, tudo, enfim.
E,
por falar em eternidade, o fragmento 16 diz: “Demócrito tinha a opinião de que
os átomos se movem eternamente em um espaço vazio. Há inumeráveis mundos, que
se distinguem pelo seu tamanho. (Hippol. I, 13, 2).” (Idem, p. 126). Então o
universo (o cosmos) de Demócrito não é fechado, restrito à Terra no centro, com a Lua, os planetas e as estrelas girando em torno dela! Há inumeráveis mundos! Ideia
que combina bem com a afirmação de que os átomos são ilimitados em grandeza e
número. Num universo fechado, puramente geocêntrico – o geocentrismo foi
contestado por Aristarco, na antiguidade, mas só começou a ser derrubado nos séculos 16 (XVI),
com Copérnico, e 17 (XVII), com Galileu Galilei, seguidor de Copérnico –, não
haveria possibilidade de quantidade ilimitada de átomos! Um universo fechado,
obrigatoriamente, teria limite, impondo um limite à quantidade de átomos. E num
universo maior, com inumeráveis mundos, o vazio se faz necessário para haver
espaços entre os “inumeráveis mundos”.
Certamente,
Demócrito não deve ter deixado de crer no geocentrismo, mas, sem dúvida,
ampliou imensamente a perspectiva que tinha do universo, do cosmos. E o
turbilhão, com esses inumeráveis mundos? Uma possibilidade de entendimento pode
ser encontrada num redemoinho de vento, fraco ou forte – ele espalha muita
poeira, no caso do pequeno, ou muitas coisas, no caso do grande. Os inumeráveis
mundos, compostos de átomos (ilimitados em grandeza e número), só podem ter
sido espalhados pelo turbilhão original de tudo e, como a Terra e os planetas,
formando unidades ordenadas! (Se mantivesse o geocentrismo tradicional, tudo girando ao
redor da Terra. Talvez.)
Curiosamente,
as palavras cosmos e mundo, respectivamente de origem grega e latina, indicam o
que é ordenado, organizado. (O contrário de cosmos é caos; de mundo, é imundo
[i-mundo].) Inumeráveis mundos – organizados, compostos por átomos e vazio e em
contínuo movimento.
Além
de adequar-se à perspectiva heracliteana do movimento, do devir, e da
eternidade dos átomos, aproximando-se da eternidade do ser de Parmênides (ainda
que haja diferenças), o turbilhão de Demócrito aparece como uma opção filosófica
diante da perspectiva mitológica grega do Caos original, tendo, ademais, em
vista que os gregos antigos não criam que o cosmos surgiu do nada.
REFERÊNCIA DO
LIVRO DE BORNHEIM:
BORNHEIM, Gerd A. (Org.) Os Filósofos Pré-Socráticos. 14.ed. São
Paulo, Cultrix, 1996.
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