sábado, 2 de julho de 2016

ARQUIÇÃO ORAL (OU SABATINA) NO ENSINO DE FILOSOFIA (Prof. José Antônio Brazão.)

Arguição é a ação de arguir, isto é, perguntar, questionar, a respeito de algo. Aqui, a respeito de conteúdos aprendidos ou em aprendizagem na Filosofia. É um conjunto de questões, adequadamente elaboradas e apresentadas às e aos estudantes, buscando extrair delas e deles o entendimento a respeito de um assunto ou tema estudado, de um texto, de uma questão filosófica, entre outros. As questões, de um modo geral, não deverão ser mostradas previamente a cada estudante.

A professora e o professor de Filosofia podem usar a arguição como mais um meio ou recurso de aprendizado em sala de aula. Na verdade, geralmente, é usado como instrumento de avaliação. Com certeza, também pode ser útil à avaliação do aprendizado estudantil na área de Filosofia, tendo sido, no passado, aplicada muito mais  amplamente nas escolas.

A maioria das avaliações que ocorrem dentro das escolas costuma ser de provas e exames escritos ou exercícios. A arguição oral pode vir a ser um complemento muito valioso a tais provas. Aliás, não precisa ser aplicada necessariamente como avaliação. Aqui ela é proposta como um recurso didático, como um exercício enriquecedor do aprendizado de Filosofia. Reafirmando, arguição é um conjunto de perguntas, feitas pelo(a) professor(a), a fim de buscar, de dentro de cada estudante arguido(a), conhecimentos determinados. O que a arguição exige? Atenção redobrada em sala de aula, leitura(s), estudos, resolução de exercícios, memória (boa memória). Demanda preparo, tanto do material, quanto de cada estudante, quanto do(a) professor(a) de Filosofia, quanto do ambiente (é preciso silêncio para ouvir cada colega que passa pela arguição).

A leitura do material sobre o qual haverá a arguição, no campo da Filosofia, pode ser um texto de filósofo(a), um texto de história da Filosofia, um livro de filosofia ou da história desta adequado à idade de cada estudante, algum capítulo do livro didático de Filosofia usado na escola ou outro meio que possa ser útil ao ensino-aprendizagem de Filosofia. Pode ser um texto estudado e lido em sala de aula, a seguida arguido. Neste caso, por conta do tempo, o melhor meio pode ser o sorteio de estudantes da turma que passarão pela arguição (por exemplo: cinco ou conforme o tempo disponível). Pode ser um texto de outra matéria escolar que dialogue interdisciplinarmente com a Filosofia. Um texto de jornal, contendo matéria de interesse para a Filosofia e que com ela possa dialogar. Outros materiais (p. ex.: textos de revistas úteis ao ensino filosófico). Pode ser também sobre uma pesquisa básica ou um pouco mais avançada, proposta dentro de um tempo determinado. Sobre um projeto de estudo ou pesquisa em Filosofia. Enfim, as possibilidades são muitas e variadas. A arguição deve ocorrer conforme cada tipo de atividade proposta (leitura textual, pesquisa, projeto, entre outras).

A arguição a respeito de um livro básico de Filosofia ou que dialogue com este conteúdo curricular pode ajudar bastante. Ver o capítulo que trata de leituras de livros básicos de Filosofia aplicáveis ao ensino médio. Por exemplo: um conto filosófico de Voltaire, a Utopia de Thomas More, O Príncipe de Maquiavel, entre outros.

Uma outra vantagem da arguição é que a turma ouve e aprende, além de cada estudante aprender individualmente.  Para tanto, é claro, é preciso que todos(as) respeitem os(as) colegas que tiverem passado pela arguição, mesmo porque deverão passar pela mesma experiência.

Outro termo, similar à arguição, é sabatina. De acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa PRIBERAM, Sabatina:

“sabatina | s. f.

Sabia qe consultar o significado de qualquer palavra abaixo com um clique. Experimente!


sa·ba·ti·na
(feminino de sabatino)

substantivo feminino

substantivo feminino

1. [Antigo]   [Antigo]  Controvérsia que nos sábados havia nas aulas de Teologia e de Filosofia.

2. Recapitulação das matérias estudadas sendo .arguentes e defendentes os próprios estudantes.

3. [Liturgia]   [Liturgia]  Reza do sábado.

4. [Figurado]   [Figurado]  Discussão, questão.



sa·ba·ti·nar -

verbo transitivo

verbo transitivo

1. Submeter a sabatina.

2. Relembrar matérias estudadas. = RECAPITULAR, REVER

3. Fazer o resumo de. = RESUMIR

verbo intransitivo

verbo intransitivo

4. Discutir miudamente, recorrendo a cavilações ou sofismas.”


"sabatina", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013,
https://www.priberam.pt/DLPO/sabatina [consultado em 01-07-2016].


A sabatina é uma arguição mais elaborada e exigente, geralmente mais rigorosa. A arguição, aqui proposta, é mais simples. Pode ser complexificada, conforme cada turma e as condições de possibilidade. Precisa ser comunicada, em caso de estudo em casa. Uma possibilidade é que, por exemplo, em sala de aula, seja proposta a leitura de um texto, que seja do livro didático ou outro relacionado à Filosofia, de tamanho adequado para o tempo, mais ou menos complexo de se entender, de acordo igualmente com o tempo. Para uma aula de cinquenta minutos, por exemplo, a leitura do referido texto em quinze ou vinte minutos, se for de uma página, e, a seguir, a arguição, por trinta e cinco ou trinta minutos, sorteando alguns(mas) que passarão por ela.

É fundamental lembrar, professor(a) de Filosofia, que a arguição não pode ser usada como punição, nem muito menos expor estudantes a situações vexatórias (de envergonhamento). Nem permitir que se transforme em bullying (violência psicológica). É, na verdade, uma oportunidade que pode ser extremamente positiva para o aprendizado de Filosofia e das ideias que a embasam. Portanto, é preciso deixar cada estudante relativamente tranquilo(a). Uma boa conversa antes, com toda a turma, pode ajudar muito!

Além de perguntas diretas a respeito do conteúdo textual ou do conteúdo de aulas anteriores ou do livro, sugere-se aqui também solicitar exemplos e esclarecimentos, a fim de perceber o quanto cada estudante (e a turma, como um todo) entendeu(ram) do conteúdo arguido ou sabatinado. E pedir para que os exemplos dados igualmente sejam esclarecidos, relacionando-os ao conteúdo.

Na aula seguinte à da arguição ou, se der tempo, na própria aula, aproveitar para discutir o que foi arguido, buscando e propondo maiores esclarecimentos e uma melhor compreensão do conteúdo arguido. Então, o espaço para a fala amplia-se, permitindo que cada um(a) dê sua opinião. A discussão reforça a aprendizagem, sem dúvida nenhuma.

Esta atividade apresenta como uma das vantagens o estudo em casa mais detalhado ou em sala de aula, como no caso dos, caso a arguição venha a ser feita após tal estudo e o tendo demandado ou um reforço positivo dos estudos em sala de aula.

Veja o texto a seguir, como um exemplo simples, extraído do livro Dicionário Filosófico, do filósofo iluminista Voltaire. O Dicionário Filosófico pode ser encontrado no site Domínio Público e baixado gratuitamente. O tamanho da letra foi mantido.

“LEIS CIVIS E ECLESIÁSTICAS

Foram encontradas nos papéis dos jurisconsultos estas notas, que talvez mereçam um pouco de exame.

Que jamais lei eclesiástica alguma seja válida senão mediante sanção expressa do governo. Foi desse modo que Atenas e Roma nunca tiveram querelas religiosas. Tais litígios são patrimônio das nações bárbaras ou transformadas em bárbaras.

Que apenas o magistrado possa permitir ou proibir o trabalho nos dias de festa, pois não cabe aos padres proibir aos indivíduos o cultivo de seus campos.

Que tudo o que concerne aos casamentos dependa exclusivamente do magistrado, e que os padres se atenham à augusta função de os abençoar.

Que o padre interessado seja puramente um objeto da lei civil, porquanto apenas ela preside, ao comércio.

Que todos os eclesiásticos sejam submetidos em todos os casos ao governo, porquanto são súditos do estado.

Que em tempo algum se cometa o ato ridículo e indecoroso de pagar a um padre estrangeiro a primeira anualidade da renda de uma terra que cidadãos deram a um padre concidadão.

Que padre algum jamais possa subtrair a um cidadão a mínima prerrogativa, sob pretexto de que tal cidadão seja um pecador, pois o padre pecador deve rezar pelos pecadores e não julgá-los.

Que os magistrados, os lavradores e os padres paguem igualmente os impostos do estado, pois todos pertencem igualmente ao estado.

Que não haja senão um peso, uma medida, um costume.

Que os suplícios dos criminosos sejam úteis, um homem enforcado não serve para nada, e um homem condenado aos trabalhos públicos ainda serve à pátria, constituindo uma lição viva.

Que toda lei seja clara, uniforme, precisa: interpretá-la é quase sempre corrompê-la.

Que nada, a não ser o vício, seja infame.

Que os impostos sejam sempre proporcionais.

Que a lei jamais esteja em contradição com o uso: porque se o uso é bom, a lei nada vale.” (IN: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000022.pdf)

Citação completa:

VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. In: PORTAL DOMÍNIO PÚBLICO. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000022.pdf Acesso em 01 de junho de 2016.

Possíveis questões que podem ser propostas para a arguição:

(1)O que são leis civis? Dê um exemplo atual.

(2)O que são leis eclesiásticas? Dê um exemplo.

(3)O que Voltaire quer dizer ou para o que ele quer chamar a atenção das pessoas quando diz: “Que jamais lei eclesiástica alguma seja válida senão mediante sanção expressa do governo. Foi desse modo que Atenas e Roma nunca tiveram querelas religiosas. Tais litígios são patrimônio das nações bárbaras ou transformadas em bárbaras.” (Idem, verbete Leis Civis e Eclesiásticas).

(4)O que Voltaire quer dizer ou para o que ele quer chamar a atenção das pessoas quando afirma: “Que tudo o que concerne aos casamentos dependa exclusivamente do magistrado, e que os padres se atenham à augusta função de os abençoar.” (Ibid.). E em que isto contradiz as normas religiosas (eclesiásticas) cristãs e de outras religiões do passado e do presente?

(5)O que Voltaire quer dizer ou para o que ele quer chamar a atenção das pessoas quando afirma: “Que padre algum jamais possa subtrair a um cidadão a mínima prerrogativa, sob pretexto de que tal cidadão seja um pecador, pois o padre pecador deve rezar pelos pecadores e não julgá-los.”? (Ibidem.)

(6)Como, no texto, a lei civil contradiz o pensamento religioso contido nas leis eclesiásticas?

(7)Quando defende a primazia (colocação à frente...) do direito da lei civil sobre a lei eclesiástica, o que Voltaire pode estar desejando?

(8)Como você vê a intromissão da lei religiosa sobre a civil e desta sobre aquela? É certa tal intromissão ou errada? Por quê?

(9)Hoje existe ainda alguma intromissão de leis eclesiásticas (religiosas, de igrejas) sobre as civis (ou vice-versa)? Dê exemplos possíveis.

(10)No pensamento iluminista, grande valor era dado à razão humana (intelecto humano), razão capaz, inclusive, de formular leis, fazer ciência, entre outras coisas, sem necessidade do divino e dos conceitos religiosos. Em que base estão fundados os conceitos (ideias concebidas, formuladas) religiosos (das religiões), eclesiásticos (das igrejas)? E a razão?

 (11)Fazendo uma ponte com a História: Que interesse havia nessa divisão de poderes para a burguesia, então (naquele tempo do século XVIII) já fortalecida e interessada no poder? (Para que cada estudante tenha condições de fazer a ponte entre a Filosofia e a História, é bom propor uma leitura prévia de algum capítulo do livro de História que fale do Iluminismo e até mesmo da Revolução Francesa. Fica aqui a sugestão.)

(12)Em sua opinião, a reflexão filosófica de Voltaire sobre as leis civis e as religiosas é ainda atual ou já não tem qualquer utilidade? Por quê? Apresente uma(s) justificativa(s) para sua resposta.

Outras questões, com certeza, poderão ser elaboradas, exploradas.

No caso de questões longas, a sugestão que fica é que possam ser emprestadas para que o(a) estudante arguido(a) tenha um tempinho para assimilar cada questão e, assim, poder responde-la(s).

A arguição poderá ocorrer uma vez por mês ou uma vez a cada bimestre, dando tempo para a elaboração de cada proposta. No caso da leitura de um livro filosófico ou literário com algum conteúdo filosófico, dá tempo para sua leitura e impede que se tenha desculpas para que não seja lido. A arguição é mais um recurso didático que pode ser útil para professor(a) de Filosofia, bem como a quaisquer outros, no trabalho de ensino-aprendizagem.

Há estudantes que não gostam de ficar de pé, em momentos de arguição. Assim sendo, é possível que a arguição possa ser feita com elas e eles sentados em suas respectivas cadeiras, em posição tradicional da disposição da sala de aula ou em roda. Dependerá de cada estudante, pois há aquelas e aqueles que não se importam. O clima para a arguição, como foi exposto e vale ser relembrado, surge de uma boa conversa com cada turma, no respeito e na busca do aprendizado de Filosofia (aliás, de qualquer componente curricular).

As questões não devem ser as mesmas para todos(as) os(as) estudantes arguidos(as), pois facilita para quem ainda não tenha passado pela arguição. Mas, aqui e ali, entre uma e outra arguição, pode ser repetida uma ou outra questão, mesmo porque isto pode ajudar a prender a atenção da turma. Sabendo que alguma questão possa vir a ser repetida, os ouvidos serão postos em atitude de redobrada atenção!

Benefícios da arguição que podem ser postos para cada turma de estudantes:

(1)Desenvolve e potencializa (treina e até aumenta) a memória.

(2)Treina a concentração, tanto nos estudos (leituras, aulas, vídeos e outros materiais e meios de transmissão de conhecimentos) quanto na exposição, durante a arguição propriamente dita.

(3)Desenvolve a atenção! Logo acima foi dito da repetição de uma ou outra questão para alguns(mas) estudantes. A atenção ajuda, por sua vez, muitíssimo, no aprendizado.

(4)Aprendizado de Filosofia. Conseguindo aplicar este recurso ou técnica didática(o), muito seguramente o aprendizado pode ser maior. Aprender filosofia é o que aqui se quer que cada estudante faça.

(5)Aplicação dos conhecimentos em situações. Há questões em que o conhecimento contido no texto, no vídeo, no recurso complementar usado, é aplicado, por meio de exemplos solicitados e da atualização (busca da atualidade) das ideias ali presentes. Neste sentido, as questões não são mero decoreba de informações filosóficas.

(6)No diálogo interdisciplinar com outras matérias escolares, a percepção do conhecimento como um todo não estanque (não separado): ao mesmo tempo em que é filosófico, também é histórico, geográfico, químico, etc.

Quanto ao que foi dito a respeito do decoreba e da mera repetição vazia de ideias de pensadores(as), para evita-los é preciso que cada estudante aprenda a refletir sobre tais ideias, podendo concordar ou discordar delas. A concordância e a discordância, frutos da reflexão e da análise, são algo que pode e deve ser incentivado na arguição filosófica. Logo, professor(a) de Filosofia, tenha cuidado para não cair na tentação de elaborar questões puramente formais a respeito do conteúdo ou material em estudo. Aliado ao debate\discussão que se segue, o conjunto da arguição é reforçado e muitíssimo enriquecido.

Um diálogo rico e muito fecundo pode ser aberto com a História, a Geografia, a Língua Portuguesa, além de outras matérias, da área de Humanidades ou quaisquer outras. Veja a questão 11, proposta na arguição do texto Leis Civis e Eclesiásticas, do Dicionário Filosófico, de Voltaire. Isto pode mostrar, mui acertadamente, a riqueza e a diversidade de visões a respeito de ideias e conhecimentos produzidos pelos seres humanos. Outro benefício possível da arguição e de quaisquer recursos didáticos em que se faça um trabalho interdisciplinar.

Ao final da arguição e do debate, professor(a), complemente e enriqueça, faça agradecimento pela aceitação da proposta de arguição e pela participação nela. Elogie!

Nenhum comentário: