A
professora e o professor de Filosofia podem usar a arguição como mais um meio
ou recurso de aprendizado em sala de aula. Na verdade, geralmente, é usado como
instrumento de avaliação. Com certeza, também pode ser útil à avaliação do
aprendizado estudantil na área de Filosofia, tendo sido, no passado, aplicada
muito mais amplamente nas escolas.
A
maioria das avaliações que ocorrem dentro das escolas costuma ser de provas e
exames escritos ou exercícios. A arguição oral pode vir a ser um complemento
muito valioso a tais provas. Aliás, não precisa ser aplicada necessariamente como avaliação. Aqui ela é proposta como um recurso didático, como um exercício enriquecedor do aprendizado de Filosofia. Reafirmando, arguição é um conjunto de perguntas,
feitas pelo(a) professor(a), a fim de buscar, de dentro de cada estudante
arguido(a), conhecimentos determinados. O que a arguição exige? Atenção
redobrada em sala de aula, leitura(s), estudos, resolução de exercícios,
memória (boa memória). Demanda preparo, tanto do material, quanto de cada
estudante, quanto do(a) professor(a) de Filosofia, quanto do ambiente (é
preciso silêncio para ouvir cada colega que passa pela arguição).
A
leitura do material sobre o qual haverá a arguição, no campo da Filosofia, pode
ser um texto de filósofo(a), um texto de história da Filosofia, um livro de
filosofia ou da história desta adequado à idade de cada estudante, algum
capítulo do livro didático de Filosofia usado na escola ou outro meio que possa
ser útil ao ensino-aprendizagem de Filosofia. Pode ser um texto estudado e lido
em sala de aula, a seguida arguido. Neste caso, por conta do tempo, o melhor meio
pode ser o sorteio de estudantes da turma que passarão pela arguição (por
exemplo: cinco ou conforme o tempo disponível). Pode ser um texto de outra
matéria escolar que dialogue interdisciplinarmente com a Filosofia. Um texto de
jornal, contendo matéria de interesse para a Filosofia e que com ela possa
dialogar. Outros materiais (p. ex.: textos de revistas úteis ao ensino
filosófico). Pode ser também sobre uma pesquisa básica ou um pouco mais
avançada, proposta dentro de um tempo determinado. Sobre um projeto de estudo
ou pesquisa em Filosofia. Enfim, as possibilidades são muitas e variadas. A
arguição deve ocorrer conforme cada tipo de atividade proposta (leitura
textual, pesquisa, projeto, entre outras).
A
arguição a respeito de um livro básico de Filosofia ou que dialogue com este
conteúdo curricular pode ajudar bastante. Ver o capítulo que trata de leituras
de livros básicos de Filosofia aplicáveis ao ensino médio. Por exemplo: um
conto filosófico de Voltaire, a Utopia
de Thomas More, O Príncipe de Maquiavel,
entre outros.
Uma
outra vantagem da arguição é que a turma ouve e aprende, além de cada estudante
aprender individualmente. Para tanto, é
claro, é preciso que todos(as) respeitem os(as) colegas que tiverem passado
pela arguição, mesmo porque deverão passar pela mesma experiência.
Outro
termo, similar à arguição, é sabatina. De acordo com o Dicionário de Língua
Portuguesa PRIBERAM, Sabatina:
“sabatina | s. f.
sa·ba·ti·na
(feminino de sabatino)
(feminino de sabatino)
substantivo
feminino
substantivo
feminino
1.
[Antigo] [Antigo] Controvérsia que nos
sábados havia nas aulas de Teologia e de Filosofia.
2. Recapitulação das matérias
estudadas sendo .arguentes e defendentes os
próprios estudantes.
3.
[Liturgia] [Liturgia] Reza do sábado.
4.
[Figurado] [Figurado] Discussão, questão.
sa·ba·ti·nar -
verbo
transitivo
verbo
transitivo
1. Submeter a sabatina.
2. Relembrar matérias estudadas. = RECAPITULAR,
REVER
3. Fazer o resumo de. = RESUMIR
verbo
intransitivo
verbo
intransitivo
4. Discutir miudamente, recorrendo a
cavilações ou sofismas.”
"sabatina", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/DLPO/sabatina [consultado em 01-07-2016].
A
sabatina é uma arguição mais elaborada e exigente, geralmente mais rigorosa. A
arguição, aqui proposta, é mais simples. Pode ser complexificada, conforme
cada turma e as condições de possibilidade. Precisa ser comunicada, em caso de
estudo em casa. Uma possibilidade é que, por exemplo, em sala de aula, seja
proposta a leitura de um texto, que seja do livro didático ou outro relacionado
à Filosofia, de tamanho adequado para o tempo, mais ou menos complexo de se
entender, de acordo igualmente com o tempo. Para uma aula de cinquenta minutos,
por exemplo, a leitura do referido texto em quinze ou vinte minutos, se for de
uma página, e, a seguir, a arguição, por trinta e cinco ou trinta minutos,
sorteando alguns(mas) que passarão por ela.
É
fundamental lembrar, professor(a) de Filosofia, que a arguição não pode ser
usada como punição, nem muito menos expor estudantes a situações vexatórias (de
envergonhamento). Nem permitir que se transforme em bullying (violência psicológica). É, na verdade, uma oportunidade
que pode ser extremamente positiva para o aprendizado de Filosofia e das ideias
que a embasam. Portanto, é preciso deixar cada estudante relativamente
tranquilo(a). Uma boa conversa antes, com toda a turma, pode ajudar muito!
Além
de perguntas diretas a respeito do conteúdo textual ou do conteúdo de aulas
anteriores ou do livro, sugere-se aqui também solicitar exemplos e
esclarecimentos, a fim de perceber o quanto cada estudante (e a turma, como um
todo) entendeu(ram) do conteúdo arguido ou sabatinado. E pedir para que os
exemplos dados igualmente sejam esclarecidos, relacionando-os ao conteúdo.
Na
aula seguinte à da arguição ou, se der tempo, na própria aula, aproveitar para
discutir o que foi arguido, buscando e propondo maiores esclarecimentos e uma
melhor compreensão do conteúdo arguido. Então, o espaço para a fala amplia-se,
permitindo que cada um(a) dê sua opinião. A discussão reforça a aprendizagem,
sem dúvida nenhuma.
Esta
atividade apresenta como uma das vantagens o estudo em casa mais detalhado ou
em sala de aula, como no caso dos, caso a arguição venha a ser feita após tal
estudo e o tendo demandado ou um reforço positivo dos estudos em sala de aula.
Veja
o texto a seguir, como um exemplo simples, extraído do livro Dicionário Filosófico, do filósofo
iluminista Voltaire. O Dicionário
Filosófico pode ser encontrado no site Domínio Público e baixado
gratuitamente. O tamanho da letra foi mantido.
“LEIS CIVIS
E ECLESIÁSTICAS
Foram encontradas nos papéis dos
jurisconsultos estas notas, que talvez mereçam um pouco de exame.
Que jamais lei eclesiástica
alguma seja válida senão mediante sanção expressa do governo. Foi desse modo
que Atenas e Roma nunca tiveram querelas religiosas. Tais litígios são
patrimônio das nações bárbaras ou transformadas em bárbaras.
Que apenas o magistrado possa
permitir ou proibir o trabalho nos dias de festa, pois não cabe aos padres
proibir aos indivíduos o cultivo de seus campos.
Que tudo o que concerne aos
casamentos dependa exclusivamente do magistrado, e que os padres se atenham à
augusta função de os abençoar.
Que o padre interessado seja
puramente um objeto da lei civil, porquanto apenas ela preside, ao comércio.
Que todos os eclesiásticos sejam
submetidos em todos os casos ao governo, porquanto são súditos do estado.
Que em tempo algum se cometa o
ato ridículo e indecoroso de pagar a um padre estrangeiro a primeira anualidade
da renda de uma terra que cidadãos deram a um padre concidadão.
Que padre algum jamais possa
subtrair a um cidadão a mínima prerrogativa, sob pretexto de que tal cidadão
seja um pecador, pois o padre pecador deve rezar pelos pecadores e não
julgá-los.
Que os magistrados, os lavradores
e os padres paguem igualmente os impostos do estado, pois todos pertencem
igualmente ao estado.
Que não haja senão um peso, uma
medida, um costume.
Que os suplícios dos criminosos
sejam úteis, um homem enforcado não serve para nada, e um homem condenado aos
trabalhos públicos ainda serve à pátria, constituindo uma lição viva.
Que toda lei seja clara, uniforme,
precisa: interpretá-la é quase sempre corrompê-la.
Que nada, a não ser o vício, seja
infame.
Que os impostos sejam sempre
proporcionais.
Que a lei jamais esteja em contradição
com o uso: porque se o uso é bom, a lei nada vale.” (IN: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000022.pdf)
Citação
completa:
VOLTAIRE.
Dicionário Filosófico. In: PORTAL
DOMÍNIO PÚBLICO. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000022.pdf Acesso em 01 de junho de 2016.
Possíveis
questões que podem ser propostas para a arguição:
(1)O que são
leis civis? Dê um exemplo atual.
(2)O que são
leis eclesiásticas? Dê um exemplo.
(3)O que
Voltaire quer dizer ou para o que ele quer chamar a atenção das pessoas quando
diz: “Que jamais lei eclesiástica alguma seja válida senão mediante sanção
expressa do governo. Foi desse modo que Atenas e Roma nunca tiveram querelas
religiosas. Tais litígios são patrimônio das nações bárbaras ou transformadas
em bárbaras.” (Idem, verbete Leis Civis e Eclesiásticas).
(4)O que
Voltaire quer dizer ou para o que ele quer chamar a atenção das pessoas quando
afirma: “Que tudo o que concerne aos casamentos dependa exclusivamente do
magistrado, e que os padres se atenham à augusta função de os abençoar.”
(Ibid.). E em que isto contradiz as normas religiosas (eclesiásticas) cristãs e
de outras religiões do passado e do presente?
(5)O que
Voltaire quer dizer ou para o que ele quer chamar a atenção das pessoas quando
afirma: “Que padre algum jamais possa subtrair a um cidadão a mínima
prerrogativa, sob pretexto de que tal cidadão seja um pecador, pois o padre
pecador deve rezar pelos pecadores e não julgá-los.”? (Ibidem.)
(6)Como, no
texto, a lei civil contradiz o pensamento religioso contido nas leis
eclesiásticas?
(7)Quando
defende a primazia (colocação à frente...) do direito da lei civil sobre a lei
eclesiástica, o que Voltaire pode estar desejando?
(8)Como você vê
a intromissão da lei religiosa sobre a civil e desta sobre aquela? É certa tal
intromissão ou errada? Por quê?
(9)Hoje existe
ainda alguma intromissão de leis eclesiásticas (religiosas, de igrejas) sobre
as civis (ou vice-versa)? Dê exemplos possíveis.
(10)No
pensamento iluminista, grande valor era dado à razão humana (intelecto humano),
razão capaz, inclusive, de formular leis, fazer ciência, entre outras coisas,
sem necessidade do divino e dos conceitos religiosos. Em que base estão
fundados os conceitos (ideias concebidas, formuladas) religiosos (das
religiões), eclesiásticos (das igrejas)? E a razão?
(11)Fazendo uma ponte com a História: Que
interesse havia nessa divisão de poderes para a burguesia, então (naquele tempo
do século XVIII) já fortalecida e interessada no poder? (Para que cada
estudante tenha condições de fazer a ponte entre a Filosofia e a História, é
bom propor uma leitura prévia de algum capítulo do livro de História que fale
do Iluminismo e até mesmo da Revolução Francesa. Fica aqui a sugestão.)
(12)Em sua
opinião, a reflexão filosófica de Voltaire sobre as leis civis e as religiosas
é ainda atual ou já não tem qualquer utilidade? Por quê? Apresente uma(s)
justificativa(s) para sua resposta.
Outras
questões, com certeza, poderão ser elaboradas, exploradas.
No
caso de questões longas, a sugestão que fica é que possam ser emprestadas para
que o(a) estudante arguido(a) tenha um tempinho para assimilar cada questão e,
assim, poder responde-la(s).
A
arguição poderá ocorrer uma vez por mês ou uma vez a cada bimestre, dando tempo
para a elaboração de cada proposta. No caso da leitura de um livro filosófico
ou literário com algum conteúdo filosófico, dá tempo para sua leitura e impede
que se tenha desculpas para que não seja lido. A arguição é mais um recurso
didático que pode ser útil para professor(a) de Filosofia, bem como a quaisquer
outros, no trabalho de ensino-aprendizagem.
Há
estudantes que não gostam de ficar de pé, em momentos de arguição. Assim sendo,
é possível que a arguição possa ser feita com elas e eles sentados em suas
respectivas cadeiras, em posição tradicional da disposição da sala de aula ou
em roda. Dependerá de cada estudante, pois há aquelas e aqueles que não se
importam. O clima para a arguição, como foi exposto e vale ser relembrado,
surge de uma boa conversa com cada turma, no respeito e na busca do aprendizado
de Filosofia (aliás, de qualquer componente curricular).
As
questões não devem ser as mesmas para todos(as) os(as) estudantes arguidos(as),
pois facilita para quem ainda não tenha passado pela arguição. Mas, aqui e ali,
entre uma e outra arguição, pode ser repetida uma ou outra questão, mesmo
porque isto pode ajudar a prender a atenção da turma. Sabendo que alguma questão
possa vir a ser repetida, os ouvidos serão postos em atitude de redobrada atenção!
Benefícios
da arguição que podem ser postos para cada turma de estudantes:
(1)Desenvolve e
potencializa (treina e até aumenta) a memória.
(2)Treina a concentração,
tanto nos estudos (leituras, aulas, vídeos e outros materiais e meios de
transmissão de conhecimentos) quanto na exposição, durante a arguição
propriamente dita.
(3)Desenvolve a atenção!
Logo acima foi dito da repetição de uma ou outra questão para alguns(mas)
estudantes. A atenção ajuda, por sua vez, muitíssimo, no aprendizado.
(4)Aprendizado de Filosofia. Conseguindo
aplicar este recurso ou técnica didática(o), muito seguramente o aprendizado
pode ser maior. Aprender filosofia é o que aqui se quer que cada estudante
faça.
(5)Aplicação
dos conhecimentos em situações. Há questões em que o conhecimento contido no
texto, no vídeo, no recurso complementar usado, é aplicado, por meio de
exemplos solicitados e da atualização (busca da atualidade) das ideias ali
presentes. Neste sentido, as questões não são mero decoreba de informações
filosóficas.
(6)No diálogo
interdisciplinar com outras matérias escolares, a percepção do conhecimento
como um todo não estanque (não separado): ao mesmo tempo em que é filosófico,
também é histórico, geográfico, químico, etc.
Quanto
ao que foi dito a respeito do decoreba e da mera repetição vazia de ideias de
pensadores(as), para evita-los é preciso que cada estudante aprenda a refletir
sobre tais ideias, podendo concordar ou discordar delas. A concordância e a
discordância, frutos da reflexão e da análise, são algo que pode e deve ser
incentivado na arguição filosófica. Logo, professor(a) de Filosofia, tenha
cuidado para não cair na tentação de elaborar questões puramente formais a
respeito do conteúdo ou material em estudo. Aliado ao debate\discussão que se
segue, o conjunto da arguição é reforçado e muitíssimo enriquecido.
Um
diálogo rico e muito fecundo pode ser aberto com a História, a Geografia, a Língua
Portuguesa, além de outras matérias, da área de Humanidades ou quaisquer
outras. Veja a questão 11, proposta na arguição do texto Leis Civis e Eclesiásticas,
do Dicionário Filosófico, de
Voltaire. Isto pode mostrar, mui acertadamente, a riqueza e a diversidade de
visões a respeito de ideias e conhecimentos produzidos pelos seres humanos.
Outro benefício possível da arguição e de quaisquer recursos didáticos em que
se faça um trabalho interdisciplinar.
Ao
final da arguição e do debate, professor(a), complemente e enriqueça, faça agradecimento
pela aceitação da proposta de arguição e pela participação nela. Elogie!
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