Os filósofos iluministas, no seu tempo (século XVIII d.C.), trataram a razão como uma luz que pode conduzir as pessoas, sendo capaz de levá-las ao seu aprimoramento humanístico, ao progresso econômico, social e científico. Por outro lado, criticavam como irracional o autoritarismo, a intolerância e a ignorância. Immanuel Kant (filósofo alemão que viveu nesse tempo) chegou a fazer uma crítica da razão pura, buscando compreender a capacidade humana de usar a razão na elaboração dos conhecimentos e na determinação da moral e, ao mesmo tempo, procurando enxergar os limites dessa mesma razão.
Contudo, no século XIX, apareceu um médico e psicoterapeuta austríaco chamado Sigmund Freud que, com base em uma série de estudos e observações, chegou a afirmar a existência de algo a mais na mente humana, capaz de interferir, decisivamente, na vida das pessoas e em suas ações: o inconsciente. Este seria aquela parte da mente que se encontra bem escondida e que não se manifesta diretamente, que guarda consigo lembranças boas e negativas, traumas, recalques, pulsões e desejos e outras informações, advindos principalmente da infância. Mas Freud viu algo mais, junto com o inconsciente: um mecanismo que filtra e dá ordens ao consciente e ao inconsciente, dizendo o que pode e o que não pode ser feito, o que é e o que não é permitido, o que é licito e o que é ilícito, porém, por outro lado, tornando possível a convivência entre as pessoas da sociedade: o superego. E há ainda a parte consciente propriamente dita, com a qual as pessoas realizam muitas ações das quais têm consciência e percepção diretas.
Ao inconsciente Freud chamou Id, ao consciente chamou Ego e, juntamente com ambos, pondo freio às forças inconscientes, não permitindo que descontrolassem, vinha o superego. No entanto, o inconsciente (o Id) tem mecanismos de manifestação, sendo o principal deles os sonhos. Muitas das lembranças e desejos contidos no inconsciente vêm desde a infância e têm conteúdo sexual. E vale lembrar que Freud descobriu que as crianças também têm desejos, como a atração da menina pelo pai e do menino pela mãe, que Freud definiu como complexo de Édipo, personagem da mitologia grega que, ao tornar-se maior e tendo sido criado por um outro homem que não o pai (pois este queria matá-lo, em razão de uma profecia que afirmava vir o filho a ser assassino do pai), acabou matando este em uma luta, sem saber que este era seu verdadeiro pai, e casou-se com sua mãe. Entretanto, os desejos são reprimidos por força do superego, que se forma a partir das normas, dos valores morais e leis que regem as sociedades. Freud, inclusive, viu no superego uma das bases da construção da chamada civilização.
Além dos sonhos, Freud descobriu outras formas de manifestação do inconsciente, como os atos falhos – lapsos mentais que deixam transparecer, aqui e ali, em alguns momentos em que as pessoas se expressam por palavras e, particularmente, durante tratamento, desejos e vontades inconscientes. Outra forma ainda dessa manifestação são os traumas, que provocam, inclusive, doenças e sofrimentos às pessoas que por eles passaram em algum momento da vida, seja na infância e/ou depois. Freud trabalhou com muitos pacientes e, de suas observações e anotações, foram surgindo essas descobertas. Freud criou ainda, como forma de tratamento, a psicanálise, que usa, principalmente, do diálogo com o(a) paciente uma forma de levá-lo(a) à descoberta das razões profundas e inconscientes de suas ações, de seus traumas, permitindo-lhe efetuar um maior conhecimento de si mesmo(a), contribuindo assim para que se compreenda, se liberte daquilo que o(a) oprime interiormente e viva muito melhor. Até então, Freud havia usado, principalmente, a hipnose como meio de tratamento, mas percebeu que, dialogando diretamente com a pessoa, poderia obter melhores resultados. Sem dúvida, não desistiu de todo da hipnose, mas optou pelo novo método psicanalítico no tratamento das neuroses.
Mas como os sonhos manifestam mensagens do inconsciente? O inconsciente, para burlar a vigilância do superego e se manifestar na consciência, usa imagens diversas, palavras e frases com aparência de não oposição às imposições das normas incutidas no interior das pessoas, e apresenta, através daquelas, desejos e até traumas escondidos. De fato, os sonhos, em sua grande parte, são fruto de imagens, juntadas aqui e ali, e que formam uma espécie de filme inconsciente, mas intenso, na mente. Portanto, através de um estudo detalhado de tais imagens e das falas que, muitas vezes, as acompanham, é possível investigar e descobrir o que há no fundo da mente, do inconsciente, permitindo, deste jeito, uma melhor compreensão da pessoa em tratamento e a libertação, progressiva, de suas neuroses.
Com suas descobertas dos mecanismos de funcionamento da psiqué (alma, em grego) humana, Freud pôs abaixo a pretensão humana de ser uma espécie que dispõe, por excelência, da razão consciente. Na verdade, esta é apenas uma pequena parte do todo, sendo apenas a pontinha do iceberg, cuja parte maior encontra-se nas profundezas do inconsciente humano.
Posteriormente, um dos discípulos de Freud, Carl Gustav Jung (1875 – 1961), descobriu no inconsciente a existência de algo mais no inconsciente humano, para além dos desejos sexuais: percebeu nele uma força criadora, capaz de impulsionar o ser humano na criação de obras de arte, de cultura, de ciência, dentre outras. Jung descobriu também a existência de uma forma mais ampla do inconsciente, além do inconsciente pessoal, que se manifesta, de formas semelhantes, nas culturas humanas: o inconsciente coletivo. Com isto, conseguiu escapar da percepção e da explicação de conotação fortemente sexual de Freud em relação ao inconsciente.
Freud, sem dúvida, foi um cientista admirável, um grande estudioso, observador, detentor de vasta cultura, paciente e meticuloso em seu trabalho de investigação. As anotações das informações extraídas durante as sessões com seus pacientes, por meio da psicanálise e por outros meios médico-psicológicos, devidamente interpretadas e compreendidas, tornaram-lhe possível escrever uma vasta obra, deixada para a posteridade. Suas ideias e descobertas a respeito da mente e da psicologia humanas renderam-lhe, em seu tempo, muitas críticas por parte de médicos e psicólogos tradicionais, mas, pouco a pouco, foram-se firmando e hoje constituem patrimônio valioso da cultura humana. E ainda hoje persististe a psicanálise como uma das formas e de tratamento psicológico das pessoas.
O conhecimento das ideias de Freud pode contribuir muito para o conhecimento próprio das pessoas, de seus desejos, impulsos e traumas, de sua personalidade. Quanto aos traumas, o tratamento. Porém, vale lembrar que há traumas que só podem ser tratados clinicamente. Outros, leves, podem ser confrontados, trabalhados e superados mais facilmente, com melhora para as pessoas. No tratamento clínico, sem dúvida, essa melhora é ainda mais sensível. O conhecimento de nossa psicologia pessoal e coletiva pode contribuir muito para uma compreensão daquilo que cada um(a) é.
O auto-conhecimento é necessário para que possamos viver melhor, sabendo que somos seres complexos e que carregamos conosco vivências, valores, traumas e lembranças conscientes e inconscientes (maioria) que interferem, direta e/ou indiretamente, em nossa vida e em nossas ações, em nosso viver diário. O conhecimento disto pode ajudar nossas vidas a se transformarem, a se tornarem melhores.
Como dizia o Oráculo de Delfos, e depois Sócrates: “CONHECE-TE A TI MESMO.”
Inclusive na educação dos próprios filhos e filhas o conhecimento das idéias de Freud têm valor: podem ajudar pais e mães a melhor conviverem com eles e elas, a entender que valores são primordiais, sem criar ou reduzindo ao mínimo os possíveis traumas, e ajudá-los em sua formação humana e psicológica, na convivência consigo mesmos e com outras pessoas.