COMANDO DE
ENSINO POLICIAL MILITAR
CEPMG -
VASCO DOS REIS
Divisão de
Ensino / Coordenação Pedagógica
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO DE GOIÁS
ENSINO MÉDIO – PRIMEIROS ANOS
TÓPICOS DE CIÊNCIAS HUMANAS– PROF. JOSÉ ANTÔNIO
BRAZÃO.
QUARTO
BIMESTRE: AULAS 12/14 DE TÓPICOS DE CIÊNCIAS HUMANAS:
GOIAS NA ÉPOCA COLONIAL E DO OURO – A
VISITA DE AUGUSTE DE SAINT-HILAIRE EM 1816 (Parte 2) (Prof. José Antônio
Brazão.):
Um aspecto importante dos séculos
XVIII e XIX foi o interesse pelas pesquisas científicas, no mundo ocidental, a
partir da Europa. Esse interesse vinha sendo impulsionado desde séculos
anteriores, tendo como base a revolução científica moderna, desde os séculos
XV/XVI até o XVIII. Outro fato de determinante peso foram as grandes navegações
e descobertas marítimas. A necessidade de mapas cada vez mais precisos, de
informações sobre os povos que habitavam os diferentes lugares do mundo para
além da Europa, do potencial agrícola, agropecuário e comercial das regiões
descobertas e colonizadas, entre outros motivos. Até mesmo, com certeza, bases
militares.
Tendo vindo ao Brasil, ao passar por
Goiás, Auguste de Saint-Hilaire, o naturalista e pesquisador francês, fez todo
um levantamento de espécies animais e vegetais por onde passou, tendo observado
muito as populações que moravam, então, no país
e, especialmente, neste Estado. Vejamos um comentário que fez a uma
fazenda situada na região de Pirenópolis:
“Uma Fazenda Modelo [Fazenda Babilônia]
A 5
léguas de Gonçalo Marques parei na fazenda do comandante de Meia-Ponte, Joaquim
Alves de Oliveira, para quem o governador da província me tinha dado uma carta
de recomendação, tendo nessa ocasião feito grandes elogios a ele. A acolhida
que me deu foi perfeita, e passei alguns dias em sua propriedade.
IMAGENS:
O
comendador:
https://pirenopolis.tur.br/cultura/biografias/joaquim-alves
Conjunto
1 (geral):
http://www.fazendababilonia.com.br/galerias
Conjunto
2 (A fazenda):
http://www.fazendababilonia.com.br/galerias/galeria?id=4
Joaquim
Alves de Oliveira amealhara à custa do próprio esforço a sua fortuna, que era
considerável. Tinha sido educado por um jesuíta, e parece que absorvera nessa
escola o espírito metódico e equilibrado que o fazia sobressair entre os seus
compatriotas. A princípio dedicou-se ao comércio, mas como tinha mais pendor para
a agricultura, acabou por renunciar quase que inteiramente aos seus interesses
mercantis. Não obstante, entregava-se ainda a transações comerciais quando
esperava poder obter um lucro razoável. Assim, por ocasião de minha passagem
por ali ele tinha acabado de enviar o genro a Cuiabá com uma numerosa tropa
carregada de mercadorias variadas.
IMAGENS
(tropeiros do século XIX):
Tinha,
porém, o hábito de jamais falar com quem quer que fosse sobre os seus negócios,
e ninguém ficava sabendo quando ele ganhava ou perdia dinheiro nas suas
transações. Entre os brasileiros que conheci, era ele, talvez, o que tinha mais
aversão à ociosidade. ‘Concedo a meus hóspedes’, dizia-me ele sorrindo, ‘três
dias de descanso. Ao cabo desse tempo, porém, descarrego sobre eles uma parte
dos serviços da casa’. As conversas de Joaquim Alves revelavam que ele era
dotado de um grande amor à justiça e de uma religião sem mesquinhez. Era homem
de muito senso, de uma grande simplicidade e de uma bondade extrema.
IMAGENS
(capela da fazenda Babilônia):
A
fazenda, fundada por ele, nunca tivera outro nome a não ser o seu. Tratava-se,
inegavelmente, da mais bela propriedade que havia em toda a região de Goiás que
eu tinha percorrido. Reinavam ali uma limpeza e uma ordem que eu ainda não vira
em nenhuma outra parte. A casa da fazenda era ao rés-do-chão e nada tinha de
extraordinária, mas era ampla e muito bem conservada. Na frente, uma extensa
varanda oferecia sombra e ar fresco em todas as horas do dia.
IMAGENS
(Varanda da fazenda):
O
engenho-de-açúcar, conjugado à casa, fora construído de maneira que, da sala de
jantar, pudesse ser visto o trabalho que se fazia junto às caldeiras, e da
varanda, o que se passava no moinho de cana. Este último dava para um pátio
quadrado. O corpo da casa se prolongava numa série de construções, que formavam
um dos lados do pátio, nas quais estavam instaladas a selaria, as oficinas do
serralheiro, do sapateiro, a sala dos arreios e, finalmente, a cocheira. Outro
lado era construído pelos alojamentos dos escravos casados. Esses alojamentos
eram cobertos de telhas e divididos em cubículos por paredes até certa altura.
Um muro de adobe fechava os dois lados restantes do pátio.
IMAGENS
(moinho de cana da Fazenda Babilônia):
A casa
fora organizada desde o princípio com tamanha perfeição que o seu proprietário
já não tinha, por assim dizer, necessidade de dar nenhuma ordem. Cada um sabia
o que tinha de fazer e tratava de se colocar no seu posto de trabalho por sua
própria conta. Para se fazer entender, bastava ao dono, se quisesse, dizer
apenas uma palavra ou fazer um simples gesto. No meio de uma centena de
escravos não se ouviam ordens gritadas nem se viam homens apressados andando de
um lado para o outro, apenas aparentando grande atividade, mas na verdade sem
saberem o que fazer. Em toda parte reinavam o silêncio, a ordem e uma
tranquilidade que se harmonizava perfeitamente com a que a Natureza costuma
oferecer naqueles climas amenos. Dir-se-ia que um gênio invisível governava a
casa. Seu proprietário ficava sentado tranquilamente na varanda, mas era fácil
ver que nada lhe escapava e que bastava um rápido olhar para manter tudo sob
controle.
IMAGENS
(calmaria da fazenda visitada por Saint-Hilaire):
As
regras estabelecidas por Joaquim Alves quanto ao tratamento dado aos escravos
consistiam em mantê-los bem alimentados e vestidos decentemente, em cuidar
deles adequadamente quando adoeciam e em jamais deixá-los ociosos. Todo ano ele
provia o casamento de alguns, e as mães só iam trabalhar nas plantações quando
os filhos já podiam dispensar os seus cuidados. As crianças eram então
confiadas a uma só mulher, que zelava por todas. Uma sábia precaução fora
tomada para evitar, tanto quanto possível, as ciumadas e as brigas: os quartos
dos solteiros ficavam situados a uma boa distância dos alojamentos dos casados.
IMAGENS
(Pequeno vídeo):
https://www.youtube.com/watch?v=vClCQHnyYZQ
O
domingo pertencia aos escravos. Eles não tinham permissão para ir procurar
ouro, mas recebiam um pedaço de terra que podiam cultivar em seu próprio
proveito. Joaquim Alves instalara em sua própria casa uma venda onde os negros
podiam comprar as coisas que geralmente são do agrado dos africanos. Nas suas
transações o algodão fazia o papel do dinheiro. Dessa maneira ele livrava os
escravos da tentação do roubo, estimulava-os ao trabalho acenando-lhes com os
lucros de suas lavouras, fazia com que se apegassem ao lugar e ao seu senhor,
ao mesmo tempo que aumentava a produção de suas terras.
Durante
minha permanência na casa do comandante de Meia-Ponte visitei as várias
dependências de sua fazenda, o chiqueiro, o paiol, o moinho de farinha, o local
onde era ralada a mandioca e onde ficava instalada a máquina de descaroçar o
algodão, a fábrica de fiação, etc. etc., e em toda parte encontrei uma ordem e
uma limpeza incomparáveis. Os fornos do engenho-de-açúcar não tinham sido
feitos de acordo com as especificações da técnica moderna. Seu aquecimento era
feito pelo lado de fora, o que pelo menos tornava menos penosa para os
trabalhadores a operação de cozimento. Um tambor horizontal movido a água punha
em movimento doze pequenas máquinas de descaroçar algodão.
IMAGENS
(descaroçador de algodão do século XIX):
IMAGENS
(O casarão da fazenda):
https://www.fazendababilonia.com.br/galerias/galeria?id=3
Era
também a água a máquina de ralar mandioca, da qual darei aqui uma descrição. A
casa onde se achava instalada era construída sobre estacas e embaixo do
assoalho fora colocada uma roda em posição horizontal, que era movida pela água
que caía de uma calha em plano inclinado. O eixo da roda atravessava o assoalho
e se elevava até certa altura, tendo na extremidade outra roda horizontal cujo
aro era revestido por um ralo de metal. O eixo e a roda superior ficavam
encaixados dentro de um quadrado formado por quatro estacas, cada uma das quais
tinha uma chanfradura na parte interna, ao nível do ralo. Quando a roda
começava a girar, quatro pessoas seguravam as mandiocas, encaixando-as nas
chanfraduras. Tendo esse ponto de apoio, seus braços podiam manter-se firmes e
a ação da máquina não sofria interrupção.
IMAGENS
(máquina de ralar mandioca):
Conjunto
1:
Conjunto
2:
Numa
parte de suas terras o comandante de Meia-Ponte [Pirenópolis] tinha deixado de
lado o método primitivo adotado geralmente pelos brasileiros em suas lavouras. Passara a usar o arado e adubava a
terra com o bagaço da cana. Dessa forma não havia necessidade de queimar novas
matas todo ano. A cana era replantada sempre no mesmo terreno, que
ficava situado perto da casa para facilitar a supervisão do dono e poupar tempo
aos escravos. O açúcar e a cachaça eram vendidos em Meia-Ponte e Vila Boa, mas
o algodão era exportado para o Rio de Janeiro e Bahia. Joaquim Alves foi o
primeiro, como já disse, a demonstrar a vantagem dessas exportações, e seu
exemplo foi seguido por vários outros colonos. Por ocasião de minha viagem ele
estava planejando aumentar ainda mais suas plantações de algodão e tinha
intenção de instalar no próprio arraial de Meia-Ponte uma descaroçadora, bem
como uma fiação onde pretendia empregar as mulheres e as crianças sem trabalho.
Depois de descaroçado, o algodão da região, cuja qualidade é excelente, era
vendido no local a 3.000 réis a arroba. O transporte de Meia-Ponte à Bahia
custava 1.800 réis a arroba, e até o Rio de Janeiro 2.000. O lucro obtido com
as exportações a esse preço era tão garantido que Joaquim Alves não vacilara em
se oferecer para comprar, à razão der 3.000 réis, o algodão produzido por todos
os agricultores das redondezas.
IMAGENS:
Obs.:
Arroba = (METROLOGIA [estudo das
medidas]) antiga unidade de medida de peso que corresponde a 32 arráteis
(cerca de 14,7 kg). (Definições Oxford Languages, Google).
Ao
dedicar sua atenção a um produto que podia ser exportado com proveito, o
comandante de Meia-Ponte [Pirenópolis] incentivava seus compatriotas a tomar novos
rumos, indicando-lhes o que devia ser feito para arrancar sua região do estado
de penúria em que a mergulhara uma exportação
do ouro mal orientada. Enquanto ele agia de maneira prática, vários de
seus concidadãos afirmavam que só havia salvação para a província numa ideia
absurda apresentada por Luís Antônio da Silva e Souza. Segundo eles, a única
maneira de deter a decadência sempre crescente da província seria impedir a
saída do ouro para fora de suas fronteiras, criando-se para isso uma moeda provincial.
Poder-se-ia
argumentar, entretanto, que se essa moeda não tivesse valor como metal não
haveria força humana capaz de lhe dar algum crédito. Se, pelo contrário, ela
fosse de cobre, de ouro ou de prata, acabaria saindo da província de uma forma
ou outra, por mais rigorosa que fosse a proibição, como acontecem todos os dias
com o ouro em pó. Uma vez fora de suas fronteiras, porém, ela só seria aceita
pelo seu valor intrínseco, e em consequência os comerciantes de Goiás passarão
a vender suas mercadorias por um preço que compense a sua desvalorização. O
ouro adulterado que circula em Goiás já pode ser considerado uma espécie de
moeda provincial, pois só é aceito ali, e quando o comerciante o remete para
fora ele se vê obrigado a reduzi-lo ao seu valor real, purificando-o, para em
seguida reajustar os seus preços de acordo com a redução de peso sofrida pelo
ouro.
OBS.:
Ouro adulterado era ouro misturado com outros metais, a fim de aumentar o peso.
Por exemplo, com parte de prata ou outro metal. (Prof. José Antônio.)
IMAGENS
(ouro misturado):
Depois
de tantas jornadas tediosas e cansativas através dos sertões, senti-me feliz
por me achar numa casa que reunia todo o conforto que a região podia oferecer,
onde eu gozava de inteira liberdade e cujo proprietário, um homem esclarecido,
tinha por mim toda consideração. O tempo
que passei na casa de Joaquim Alves foi muito proveitoso. Meus homens fizeram
uma esplêndida caçada nas margens de uma lagoa situada nas proximidades. Quanto
a mim, passei para o papel uma parte dos dados que recolhera sobre vários
assuntos e obtive novas informações em conversas com meu hospedeiro. [Grifo
feito pelo Prof. José Antônio, a título de destaque.]
Deixei
a fazenda cheio de gratidão pela excelente acolhida que me deu o seu
proprietário e me dirigi a Meia-Ponte, distante dali uma légua.”
(SAINT-HILAIRE, Auguste de. Uma
fazenda modelo. Disponível em: < https://pirenopolis.tur.br/cultura/historia/saint-hilaire#Uma%20Fazenda%20Modelo
> Acesso em 01 de novembro de 2021.) (O que está entre chaves e/ou grifado é
meu.)
O que há de muito interessante nesses
relatos de Auguste de Saint-Hilaire, em sua visita à Fazenda Babilônia, em
Pirenópolis, são elementos que marcaram muito a história e a cultura do Brasil
e, particularmente, de Goiás nos séculos XVIII e XIX, como, por exemplo:
1) A produção de açúcar e derivados da
cana (ex.: cachaça).
2) O poder de fazendeiros e a
importância das grandes fazendas.
3) A influência do poder desses grandes
fazendeiros em sua região.
4) O trabalho escravo nas fazendas, nas
minas, em diferentes funções e trabalhos.
5) A produção de algodão. Exportado como
matéria-prima para as indústrias europeias. Época do auge da Revolução Industrial.
6) O cuidado dos naturalistas visitantes
em registrar o máximo de informações possíveis, desde a natureza até mesmo
locais e costumes.
7) A utilização do bagaço de cana de
açúcar na adubação da terra, no intuito de evitar maiores desmatamentos.
8) O comentário do risco de uma moeda
própria na Província de Goiás, de sua não aceitação até a desvalorização (no
penúltimo parágrafo do texto de Saint-Hilaire acima).
9) Etc.
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