segunda-feira, 13 de abril de 2020

VÍDEO-DOCUMENTÁRIO COSMOS EPISÓDIO 7: A ESPINHA DORSAL DA NOITE, DE CARL SAGAN (Prof. José Antônio Brazão.)


O Nascimento da Filosofia na Grécia Antiga.
Vídeo COSMOS, episódio 7: A Espinha Dorsal da Noite [O Esqueleto da Noite], de Carl Sagan, no YouTube. Site: https://www.youtube.com/watch?v=V2B0ofcckIc
RESUMO-COMENTÁRIO COMPLEMENTAR DO PROFESSOR JOSÉ ANTÔNIO BRAZÃO:
Dando continuidade ao estudo do vídeo-documentário COSMOS, episódio 7: A Espinha Dorsal da Noite [ou O Esqueleto da Noite], do astrônomo norte-americano Carl Sagan (1934 – 1996), pode-se ver que o cientista (astrônomo) propõe-se buscar as origens da ciência ocidental. Curiosamente, tais origens, são, exatamente, as da filosofia.
Carl Sagan toma como ponto de partida, inicialmente, o bairro em que viveu em Nova Iorque. Sagan fala de seu interesse científico desde a infância. Exemplifica esse interesse com uma pergunta que fez a adultos: “O que são as estrelas?”. Descontente com as respostas simples dadas pelas pessoas, que lhe diziam serem as estrelas luzes no céu, resolveu investigar por conta própria e se dirigiu a uma biblioteca não muito distante do local onde morava. Ali encontrou um livro que lhe disse que elas são sóis, porém estando muito distantes. O Sol seria, pois, uma estrela próxima.
A seguir, para demonstrar como a curiosidade é inerente às crianças, foi até a escola em que estudou naquele bairro e visitou a turma que, naquele ano, ocupava uma sala de aula em que ele mesmo havia estudado. Sagan conversou com as crianças a respeito da astronomia e da ciência, tendo-lhes dado inclusive fotos tiradas pelas naves Voyager, referentes a planetas, à Via Láctea e ao Sistema Solar. Tirou dúvidas das crianças – “O que é a Via Láctea?”, “Por que a Terra é redonda e não de outra forma?”, etc. A Via láctea, esclareceu, é uma galáxia onde se encontram milhões e milhões de estrelas. A Terra é redonda por causa da força da gravidade, que puxa tudo para o centro.
Sagan elogia os pais e os professores que teve, os quais o incentivaram e instigaram sua curiosidade. A respeito da curiosidade das crianças, Sagan afirma que elas têm um grande senso de curiosidade e uma mente aberta.
Na cena seguinte, Sagan aparece em um ancoradouro junto ao mar, onde, através da fala, faz uma volta ao passado da história humana, até sociedades tribais. Segundo ele, no passado distante, pessoas devem ter-se perguntado acerca do que seriam aquelas luzes no céu. Para uma tribo de caçadores, por exemplo, poderiam ter sido consideradas fogueiras no céu, mantidas por seres que deveriam ter, portanto, imensos poderes. Com isto, Sagan faz uma consideração a respeito da origem de deuses e mitos (relatos sagrados a respeito de deuses, deusas e outros seres divinos e/ou semi-divinos).
Continuando, Sagan cita o exemplo de uma tribo africana para a qual a Via Láctea era considerada a espinha dorsal dos céus noturnos. Daí o nome do episódio deste documentário. Por sua vez, para os gregos antigos, ela seria o leite derramado da deusa Hera. Isto demonstra que os mitos e as religiões são formas explicativas da realidade. Ambos nasceram a partir de perguntas como aquela a respeito das estrelas, fruto da curiosidade humana. Acreditando na existência de seres celestiais, cujos poderes seriam enormes, relatos foram sendo criados, frutos da imaginação. Deuses e deusas foram surgindo, bem como a necessidade de cultuá-los. Com isto, também sacerdotes, mediadores do culto.
Na Ilha de Samos, no Mar Mediterrâneo, próxima à Turquia (Ásia Menor, na antiguidade), Sagan mostra ruínas de um antigo templo dedicado à deusa Hera, feito com uma simetria e uma precisão muito grandes. Sagan fala de cultos sangrentos e de outros que, por sua vez, eram simples e suaves.
Sagan adentra na origem da ciência – e, com ela, da filosofia ocidental – e diz que ela surgiu nas “remotas ilhas do Mar Egeu”. Mas por que ali? Justamente porque ali houve liberdade de pensar suficiente para o surgimento de novas ideias. Aquelas ilhas não eram sedes de grandes impérios, nem de estados em que a religião já havia se cristalizado e nos quais tinha poder. Além disto, aquela foi uma região em que aportavam mercadores e marinheiros de diversos lugares dos mares próximos, do Mediterrâneo (e mares adjacentes). Havia ali também pescadores. O comércio incrementou o movimento e os contatos entre culturas e ideias diferentes. A soma desses fatores tornou possível o livre pensar e o viajar da mente em busca de outras respostas para as perguntas acerca das coisas e do mundo, de acordo com Sagan.
Dois deuses ou mais reivindicando a origem: um deles deve estar certo e o outro errado. “Por que não os dois?” Dúvidas surgiram e com elas a busca de respostas, não mais partindo da religião e dos mitos, mas da própria natureza.
Sagan informa que a Ilha de Samos, séculos antes de Cristo, foi governada por Polícrates, um ditador que fez construir uma extensa muralha e um canal subterrâneo de água que levou cerca de quinze anos para ser construído, projeto do arquiteto Teodoro, fruto do uso brilhante da mente. Diz Sagan que, segundo relatos antigos, Teodoro teria também sido o criador da chave, da régua e do esquadro. E se pergunta por que não há um monumento a esse homem.
Nesse contexto histórico e cultural, por volta de 600 e 500 antes de Cristo, surgiram os primeiros cientistas – os primeiros filósofos do Ocidente, gregos – em Mileto, junto ao Mar Egeu: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Apareceram também, em outras cidades, Empédocles, Pitágoras, Demócrito, além de outros.
Sagan fala, então, de Tales de Mileto, que acreditava ser a água o elemento primordial de tudo que existe. Mas como explicar a terra seca? De acordo com o mito babilônico, o deus Marduk teria lançado um manto sobre as águas e com ele fez a terra seca. Tales, não admitindo as explicações míticas, deve ter partido de informações de que as águas do rio Nilo, na África, durante as inundações, depositavam sedimentos sobre as terras. Conforme Sagan, para Tales, nos princípios, a formação da terra seca deve ter seguido um processo similar.
Sagan refere-se, a seguir, a Anaximandro, conterrâneo de Tales, que aprendeu a fazer uso de um bastão para medir o tempo, por meio da sombra (relógio solar), servindo-lhe inclusive para medir as estações do ano. Sagan diz, então, que, durante séculos, os seres humanos usaram bastões para ferir, machucar. Anaximandro aprendeu a utilizá-lo para medir o tempo.
Na sequência, Sagan fala de Anaxímenes, que fez uma descoberta impressionante: a de que o ar é uma matéria extremamente fina. Um raciocínio desse tipo viria a permitir, posteriormente, o lampejar daquilo que Demócrito afirmaria ser o átomo.
Na linha de Anaxímenes, Empédocles de Agrigento [no Sul da Itália – Magna Grécia] fez uma experiência interessante – retomada por Sagan: colocou em um balde de água um instrumento de cozinha chamado “ladrão de água”, composto de uma esfera metálica perfurada contendo um gargalo com um furo que dá para o exterior. Ao colocá-lo na água, ele se enchia. Tapando com o dedo o orifício do gargalo era possível retirar água do balde e despejá-la em outro utensílio ou mesmo no balde. Colocando esse instrumento com o gargalo fechado, não havia possibilidade de entrada de água. O que isto queria dizer? Que havia algo que bloqueava a entrada. O quê? Empédocles identificou-o com o ar. Estudando-o, percebeu sua finura, de modo até mesmo a permitir ver através dele. O caminho para o levantamento daquela hipótese do átomo estava assim aberto.
Sagan aparece em meio a um grupo de pessoas que estavam festejando, ali na ilha. Fala, então, de Demócrito, que afirmava que na escala do muito pequeno existe uma partícula diminuta e não cortável, indivisível, à qual deu o nome de átomo. Os átomos seriam, segundo Demócrito, portanto, os elementos primordiais a comporem todas as coisas.  E por que Sagan aparece numa festa para falar de Demócrito? Uma razão é que ele menciona o fato deste antigo pensador ter dito que uma vida sem festas é comparável a um longo caminho sem hospedarias, demonstrando assim que Demócrito sabia aliar a ciência e o gosto pelas coisas boas da vida.
A longo dos séculos seguintes, as descobertas daqueles primeiros cientistas (FILÓSOFOS) foram avante? De acordo com Sagan, não. Por quê? Em razão do pensar científico-filosófico ter tomado um outro rumo: o do misticismo. A título de exemplo, Sagan cita um grupo de filósofos místicos que se reuniam, de acordo com a tradição, em uma caverna: os pitagóricos. Pitágoras e seus discípulos fizeram vários estudos matemáticos, tendo descoberto as propriedades de figuras matemáticas como o cubo, a pirâmide (tetraedro), o dodecaedro, o icosaedro e o octaedro. O cubo representando a terra. O tetraedro, o fogo. O icosaedro, a água. O octaedro, o ar. Por fim, o dodecaedro, o cosmos.
 Ao trabalhar com cálculos relacionados ao dodecaedro, os pitagóricos depararam-se com uma raiz quadrada de dois, cujo resultado era irracional. Ora, o irracional não seria admissível. Portanto, a raiz quadrada de dois e o dodecaedro deveriam ficar escondidos do público. Aliás, segundo Sagan, as próprias reuniões realizadas pelos pitagóricos eram secretas. Para eles o mundo material era passageiro e enganador. Caíram no misticismo.
O misticismo pitagórico entrou em cheio no pensamento de Platão, filósofo ateniense que viveu entre os séculos V e IV antes de Cristo. Platão radicalizou o idealismo pitagórico e suprimiu a pesquisa com experimentos, criticou e não retomou as ideias dos filósofos que o precederam, como as de Demócrito, por se voltarem em direção ao mundo material. (Uma curiosidade, os sólidos mencionados de Pitágoras, por Sagan, hoje são conhecidos como sólidos [ou poliedros] de Platão.)
Platão e seu discípulo Aristóteles, menciona Sagan, concordavam com a escravidão, dada a diversidade natural das pessoas, sendo que algumas nasceram para mandar e outras para obedecer.
Muitos séculos depois, na época moderna (séculos XV d.C. em diante), segundo Sagan, as ideias daqueles primeiros filósofos foram redescobertas, aparecendo no novo estilo de pesquisar e explicar o mundo, sem idealismo nem misticismo. Sagan cita como exemplo Christian Huygens, cientistas holandês do século XVII, que fez estudos sobre o universo e as estrelas. Para demonstrar as grandezas das estrelas, Huygens fez furos, com tamanhos diferentes, em um disco de metal. Por meio deles, Huygens estudou a intensidade do brilho de estrelas e pôde determinar a grandeza de muitas delas.
Sagan, enfim, conclui dizendo que, no passado, fomos navegantes – como aqueles marinheiros e pescadores das antigas colônias gregas – e assim continuamos a ser, sempre buscando o conhecimento do mundo que nos rodeia.
O vídeo-documentário de Sagan é muito rico. Ao tratar das origens da ciência – e, portanto, da filosofia – ocidental, traça um percurso que parte desde sua própria experiência pessoal, de sua curiosidade infantil, passando pela escola em que estudou, chegando à Grécia e voltando ao presente.


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