O
Nascimento da Filosofia na Grécia Antiga.
RESUMO-COMENTÁRIO
COMPLEMENTAR DO PROFESSOR JOSÉ ANTÔNIO BRAZÃO:
Dando continuidade ao estudo do
vídeo-documentário COSMOS, episódio 7: A Espinha Dorsal da Noite [ou O
Esqueleto da Noite], do astrônomo norte-americano Carl Sagan (1934 – 1996), pode-se
ver que o cientista (astrônomo) propõe-se buscar as origens da ciência
ocidental. Curiosamente, tais origens, são, exatamente, as da filosofia.
Carl Sagan toma como ponto de
partida, inicialmente, o bairro em que viveu em Nova Iorque. Sagan fala de seu
interesse científico desde a infância. Exemplifica esse interesse com uma
pergunta que fez a adultos: “O que são as estrelas?”. Descontente com as
respostas simples dadas pelas pessoas, que lhe diziam serem as estrelas luzes
no céu, resolveu investigar por conta própria e se dirigiu a uma biblioteca não
muito distante do local onde morava. Ali encontrou um livro que lhe disse que
elas são sóis, porém estando muito distantes. O Sol seria, pois, uma estrela
próxima.
A seguir, para demonstrar como a
curiosidade é inerente às crianças, foi até a escola em que estudou naquele
bairro e visitou a turma que, naquele ano, ocupava uma sala de aula em que ele
mesmo havia estudado. Sagan conversou com as crianças a respeito da astronomia
e da ciência, tendo-lhes dado inclusive fotos tiradas pelas naves Voyager, referentes
a planetas, à Via Láctea e ao Sistema Solar. Tirou dúvidas das crianças – “O
que é a Via Láctea?”, “Por que a Terra é redonda e não de outra forma?”, etc. A
Via láctea, esclareceu, é uma galáxia onde se encontram milhões e milhões de
estrelas. A Terra é redonda por causa da força da gravidade, que puxa tudo para
o centro.
Sagan elogia os pais e os
professores que teve, os quais o incentivaram e instigaram sua curiosidade. A
respeito da curiosidade das crianças, Sagan afirma que elas têm um grande senso
de curiosidade e uma mente aberta.
Na cena seguinte, Sagan aparece
em um ancoradouro junto ao mar, onde, através da fala, faz uma volta ao passado
da história humana, até sociedades tribais. Segundo ele, no passado distante,
pessoas devem ter-se perguntado acerca do que seriam aquelas luzes no céu. Para
uma tribo de caçadores, por exemplo, poderiam ter sido consideradas fogueiras
no céu, mantidas por seres que deveriam ter, portanto, imensos poderes. Com
isto, Sagan faz uma consideração a respeito da origem de deuses e mitos
(relatos sagrados a respeito de deuses, deusas e outros seres divinos e/ou
semi-divinos).
Continuando, Sagan cita o exemplo
de uma tribo africana para a qual a Via Láctea era considerada a espinha dorsal
dos céus noturnos. Daí o nome do episódio deste documentário. Por sua vez, para
os gregos antigos, ela seria o leite derramado da deusa Hera. Isto demonstra
que os mitos e as religiões são formas explicativas da realidade. Ambos
nasceram a partir de perguntas como aquela a respeito das estrelas, fruto da
curiosidade humana. Acreditando na existência de seres celestiais, cujos
poderes seriam enormes, relatos foram sendo criados, frutos da imaginação.
Deuses e deusas foram surgindo, bem como a necessidade de cultuá-los. Com isto,
também sacerdotes, mediadores do culto.
Na Ilha de Samos, no Mar
Mediterrâneo, próxima à Turquia (Ásia Menor, na antiguidade), Sagan mostra
ruínas de um antigo templo dedicado à deusa Hera, feito com uma simetria e uma
precisão muito grandes. Sagan fala de cultos sangrentos e de outros que, por
sua vez, eram simples e suaves.
Sagan adentra na origem da
ciência – e, com ela, da filosofia ocidental – e diz que ela surgiu nas “remotas
ilhas do Mar Egeu”. Mas por que ali? Justamente porque ali houve liberdade de
pensar suficiente para o surgimento de novas ideias. Aquelas ilhas não eram
sedes de grandes impérios, nem de estados em que a religião já havia se
cristalizado e nos quais tinha poder. Além disto, aquela foi uma região em que
aportavam mercadores e marinheiros de diversos lugares dos mares próximos, do
Mediterrâneo (e mares adjacentes). Havia ali também pescadores. O comércio
incrementou o movimento e os contatos entre culturas e ideias diferentes. A
soma desses fatores tornou possível o livre pensar e o viajar da mente em busca
de outras respostas para as perguntas acerca das coisas e do mundo, de acordo
com Sagan.
Dois deuses ou mais reivindicando
a origem: um deles deve estar certo e o outro errado. “Por que não os dois?”
Dúvidas surgiram e com elas a busca de respostas, não mais partindo da religião
e dos mitos, mas da própria natureza.
Sagan informa que a Ilha de Samos,
séculos antes de Cristo, foi governada por Polícrates, um ditador que fez
construir uma extensa muralha e um canal subterrâneo de água que levou cerca de
quinze anos para ser construído, projeto do arquiteto Teodoro, fruto do uso
brilhante da mente. Diz Sagan que, segundo relatos antigos, Teodoro teria
também sido o criador da chave, da régua e do esquadro. E se pergunta por que
não há um monumento a esse homem.
Nesse contexto histórico e
cultural, por volta de 600 e 500 antes de Cristo, surgiram os primeiros
cientistas – os primeiros filósofos do Ocidente, gregos – em Mileto, junto ao
Mar Egeu: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Apareceram também, em outras
cidades, Empédocles, Pitágoras, Demócrito, além de outros.
Sagan fala, então, de Tales de
Mileto, que acreditava ser a água o elemento primordial de tudo que existe. Mas
como explicar a terra seca? De acordo com o mito babilônico, o deus Marduk
teria lançado um manto sobre as águas e com ele fez a terra seca. Tales, não
admitindo as explicações míticas, deve ter partido de informações de que as
águas do rio Nilo, na África, durante as inundações, depositavam sedimentos
sobre as terras. Conforme Sagan, para Tales, nos princípios, a formação da
terra seca deve ter seguido um processo similar.
Sagan refere-se, a seguir, a
Anaximandro, conterrâneo de Tales, que aprendeu a fazer uso de um bastão para
medir o tempo, por meio da sombra (relógio solar), servindo-lhe inclusive para
medir as estações do ano. Sagan diz, então, que, durante séculos, os seres
humanos usaram bastões para ferir, machucar. Anaximandro aprendeu a utilizá-lo
para medir o tempo.
Na sequência, Sagan fala de
Anaxímenes, que fez uma descoberta impressionante: a de que o ar é uma matéria
extremamente fina. Um raciocínio desse tipo viria a permitir, posteriormente, o
lampejar daquilo que Demócrito afirmaria ser o átomo.
Na linha de Anaxímenes,
Empédocles de Agrigento [no Sul da Itália – Magna Grécia] fez uma experiência
interessante – retomada por Sagan: colocou em um balde de água um instrumento
de cozinha chamado “ladrão de água”, composto de uma esfera metálica perfurada
contendo um gargalo com um furo que dá para o exterior. Ao colocá-lo na água,
ele se enchia. Tapando com o dedo o orifício do gargalo era possível retirar
água do balde e despejá-la em outro utensílio ou mesmo no balde. Colocando esse
instrumento com o gargalo fechado, não havia possibilidade de entrada de água.
O que isto queria dizer? Que havia algo que bloqueava a entrada. O quê?
Empédocles identificou-o com o ar. Estudando-o, percebeu sua finura, de modo
até mesmo a permitir ver através dele. O caminho para o levantamento daquela
hipótese do átomo estava assim aberto.
Sagan aparece em meio a um grupo
de pessoas que estavam festejando, ali na ilha. Fala, então, de Demócrito, que
afirmava que na escala do muito pequeno existe uma partícula diminuta e não
cortável, indivisível, à qual deu o nome de átomo. Os átomos seriam, segundo
Demócrito, portanto, os elementos primordiais a comporem todas as coisas. E por que Sagan aparece numa festa para falar
de Demócrito? Uma razão é que ele menciona o fato deste antigo pensador ter
dito que uma vida sem festas é comparável a um longo caminho sem hospedarias,
demonstrando assim que Demócrito sabia aliar a ciência e o gosto pelas coisas
boas da vida.
A longo dos séculos seguintes, as
descobertas daqueles primeiros cientistas (FILÓSOFOS) foram avante? De acordo
com Sagan, não. Por quê? Em razão do pensar científico-filosófico ter tomado um
outro rumo: o do misticismo. A título de exemplo, Sagan cita um grupo de
filósofos místicos que se reuniam, de acordo com a tradição, em uma caverna: os
pitagóricos. Pitágoras e seus discípulos fizeram vários estudos matemáticos,
tendo descoberto as propriedades de figuras matemáticas como o cubo, a pirâmide
(tetraedro), o dodecaedro, o icosaedro e o octaedro. O cubo representando a
terra. O tetraedro, o fogo. O icosaedro, a água. O octaedro, o ar. Por fim, o
dodecaedro, o cosmos.
Ao trabalhar com cálculos relacionados ao
dodecaedro, os pitagóricos depararam-se com uma raiz quadrada de dois, cujo
resultado era irracional. Ora, o irracional não seria admissível. Portanto, a
raiz quadrada de dois e o dodecaedro deveriam ficar escondidos do público. Aliás,
segundo Sagan, as próprias reuniões realizadas pelos pitagóricos eram secretas.
Para eles o mundo material era passageiro e enganador. Caíram no misticismo.
O misticismo pitagórico entrou em
cheio no pensamento de Platão, filósofo ateniense que viveu entre os séculos V
e IV antes de Cristo. Platão radicalizou o idealismo pitagórico e suprimiu a
pesquisa com experimentos, criticou e não retomou as ideias dos filósofos que o
precederam, como as de Demócrito, por se voltarem em direção ao mundo material.
(Uma curiosidade, os sólidos mencionados de Pitágoras, por Sagan, hoje são
conhecidos como sólidos [ou poliedros] de Platão.)
Platão e seu discípulo
Aristóteles, menciona Sagan, concordavam com a escravidão, dada a diversidade
natural das pessoas, sendo que algumas nasceram para mandar e outras para
obedecer.
Muitos séculos depois, na época
moderna (séculos XV d.C. em diante), segundo Sagan, as ideias daqueles
primeiros filósofos foram redescobertas, aparecendo no novo estilo de pesquisar
e explicar o mundo, sem idealismo nem misticismo. Sagan cita como exemplo
Christian Huygens, cientistas holandês do século XVII, que fez estudos sobre o
universo e as estrelas. Para demonstrar as grandezas das estrelas, Huygens fez
furos, com tamanhos diferentes, em um disco de metal. Por meio deles, Huygens
estudou a intensidade do brilho de estrelas e pôde determinar a grandeza de
muitas delas.
Sagan, enfim, conclui dizendo
que, no passado, fomos navegantes – como aqueles marinheiros e pescadores das
antigas colônias gregas – e assim continuamos a ser, sempre buscando o
conhecimento do mundo que nos rodeia.
O vídeo-documentário de Sagan é
muito rico. Ao tratar das origens da ciência – e, portanto, da filosofia –
ocidental, traça um percurso que parte desde sua própria experiência pessoal,
de sua curiosidade infantil, passando pela escola em que estudou, chegando à
Grécia e voltando ao presente.