segunda-feira, 18 de abril de 2011

FRIEDRICH NIETZSCHE (séc. XIX) (Prof. José Antônio Brazão.)

Friedrich Nietzsche, filósofo alemão. Descendente de uma família de pastores evangélicos, desde pequeno Nietzsche demonstrou interesse pelo conhecimento humanístico, científico e religioso. A família desejava-o pastor, no futuro.Lia muito e veio a tornar-se um grande erudito. Ainda muito jovem, tornou-se doutor em filologia e professor universitário.

Junto com a filologia, um forte interesse pela filosofia. Dentre seus estudos, a descoberta da existência de dois princípios básicos da arte da Grécia antiga: o apolíneo e o dionisíaco, nomes relacionados, respectivamente, aos deuses Apolo e Dionísio (também Dioniso ou Baco). O primeiro é o princípio da ordem e da unidade. O segundo, da dissolução e do desregramento. A harmonização de ambos encontra-se na escultura, na arquitetura, no teatro, na arte e na cultura gregas de um modo geral. Esse estudo aparece já em O Nascimento da Tragédia, livro que não rendeu a Nietzsche muita divulgação em seu tempo. Apolo (Hélios, no grego) e Dionísio foram deuses gregos muito cultuados na antiguidade e tinham templos em diversos lugares da Grécia antiga. Apolo (Hélios) era o deus do Sol e da luz, responsável por guiar o carro do Sol em seu percurso diurno, em sua travessia pela abóbada celeste.

O Sol simboliza vida e poder. Sua luz é necessária à manutenção da vida de todos os seres vivos, passando pelas plantas, os animais, até os seres humanos. Ademais, a luz permite ver com nitidez todas as coisas e distinguir todas as cores, sendo fundamental para a percepção da beleza daquelas coisas e mesmo para os afazeres diários dos seres humanos. De fato, é durante o dia que a imensa maioria das atividades humanas são realizadas. Apolo era ainda de fundamental importância para a agricultura. Sem sua luz as plantas não crescem! Por esta e pelas razões já expostas, o culto de Apolo tinha um imenso valor e grande significado para os antigos gregos.

Dionísio ou Baco, por sua vez, era o deus das vinhas e do vinho. A tomada de vinho traz alegria e ânimo às pessoas, portanto Dionísio liga-se também à alegria. Mas o consumo exagerado de vinho traz o desregramento, isto é, a fuga das regras convencionais da sociedade, fazendo liberar forças instintivas e desejos. Curiosamente, uma das formas de culto de Dionísio eram as orgias sagradas, realizadas em templos onde ele era cultuado. Nesse sentido, Baco representava algo imprescindível à vida pessoal e social: a fecundidade, presente na vida de plantas, animais, pessoas e outras formas de vida. Seu culto era, pois, de grande importância para a agricultura. Seu culto garantia a fecundidade de campos e vinhedos. A fecundidade dos animais, por exemplo, possibilita a reprodução de outros alimentos necessários à vida humana e às trocas econômicas, como a carne, a lã, o leite e outros produtos. A fecundidade dos seres humanos garante a continuidade da vida social. Logo, o culto de Dionísio também contribuía para manter essa fecundidade necessária.

O princípio apolíneo representa a preocupação com o ordenamento, a seriedade, a regularidade e a perfeição. Contudo, contrapondo-se a ele e, ao mesmo tempo, complementando-o, o princípio dionisíaco representa a despreocupação, a dissolução, a alegria, a fuga das regras, a desordem. Vale lembrar, por exemplo, a embriaguez provocada pelo vinho e o que ela faz com as pessoas. O equilíbrio entre ambos princípios é dialético, conjugando a contradição e a síntese ou interação entre eles. O vinho de Dionísio amolece os membros e solta as pessoas, além de ser uma bebida ou alimento delicioso(a), trazendo prazer ao corpo e ao espírito. Mas o que o desregramento tem em haver com a arte? Muito. Ele permite fugir de regras rígidas que possam tolher a criatividade, dando maior liberdade à expressão. É interessante ver, por exemplo, como a deformidade faz parte de algumas máscaras teatrais gregas, enquanto que o regramento, a forma e a harmonia, próprios do apolíneo, aparecem em outras. Essa dualidade traz um equilíbrio ao interior da representação teatral, permitindo que as mensagens nela contidas fluam com maior flexibilidade, liberdade e vivacidade, sem rigidez, trazendo desconcentração e renovação de energias.

No campo moral, o dionisíaco, em Nietzsche, representa a fuga de regras morais e religiosas rígidas, que possam engessar a vida humana, impedindo seu livre e espontâneo andamento. Uma moral dionisíaca seria aquela em que as regras que regem a vida humana trouxessem consigo maior liberdade e flexibilidade ao agir humano. Isto não quer dizer que não possam e não devam haver leis e regras morais bem estruturadas para a vida social, mas que elas não caiam na rigidez, na inflexibilidade e no moralismo vazios, frutos, muitas vezes, do dogmatismo. Aliada ao moralismo, Nietzsche constatou a massificação das pessoas, destituídas de um pensamento crítico e de uma reflexão mais profunda. O termo utilizado por ele para referir-se a essas pessoas foi “rebanho”, que lembra um conjunto dócil de animais que pastam juntos, obedientes aos chamados e aos comandos do pastor ou vaqueiro.

A falta de reflexão e de conhecimento mais aberto e profundo do mundo faz com que as pessoas encontrem referenciais tão somente em seus guias espirituais, políticos e intelectuais, o que torna fácil o comando daquelas. Fazer parte do “rebanho” é, de certo modo, agradável e não incomoda. A necessidade de fazer parte de algo comum é, sem dúvida, intrínseca aos seres humanos. Porém, o perigo encontra-se no momento em que a mentalidade formada em comum, sob o comando dos líderes, embota a diferenciação no modo de pensar, de sentir, de desejar e até de agir. Para exemplificar isto, a crítica severa que Nietzsche faz à mudança ocorrida na música do compositor Richard Wagner que, inebriado pelo sucesso e aclamado até mesmo diante dos poderes constituídos, alterou seu modo de compor, tornando suas músicas mais ao gosto do povo e daqueles que o dirigem. Seus concertos chegaram a fazer enorme sucesso e a serem assistidos por muita gente. Se, em um primeiro momento, Nietzsche acreditou haver na música wagneriana uma manifestação do dionisíaco, agora passa a ver sua decadência, pendendo para a mentalidade comum do “rebanho”. Nietzsche, inclusive, perdeu sua amizade com Wagner. Eis aqui um exemplo da ação e da força da mentalidade de rebanho, presente até mesmo no gosto artístico massificado das pessoas.

Um outro exemplo em que a mentalidade de rebanho se manifestava em seu tempo, de acordo com Nietzsche, era a religião, com destaque para o cristianismo, que continuava a agregar muitas pessoas ao seu redor, formando sua mentalidade (modo de pensar e conceber o mundo) e moldando seu modo de agir. Um perigo real que Nietzsche via na mentalidade religiosa era a não aceitação da contestação e do diferente, fruto do dogmatismo, aliada à falta de reflexão e de opinião próprias, tudo gravado a fundo na mente das pessoas. Para se ter uma ideia, vale lembrar que, no século XIX, a teoria de Darwin[1] sobre a evolução das espécies foi duramente criticada pelas igrejas e não aceita por muitas pessoas, vindo a firmar-se um bom tempo depois com novas descobertas e evidências advindas de diversas ciências, como a arqueologia e a genética, por exemplo. Voltando um pouquinho no tempo, Immanuel Kant[2], outro filósofo alemão, perguntado a respeito do que seria o iluminismo, já havia chamado a atenção para a falta de um pensar crítico e reflexivo das pessoas, ao escrever que o iluminismo consistiria na “saída da menoridade”, implicando capacidade de pensar pela própria cabeça, sem a condução de outros. E, de acordo com Kant, para que as pessoas pudessem pensar por si próprias seria preciso que lhes fosse dada a devida liberdade de pensamento, que precisaria ser assegurada pelos próprios governantes.

No século XX, Theodor Adorno e Max Horkheimer, filósofos alemães, chamaram a atenção para a “indústria cultural”, ou seja, para uma nova forma massificada de produzir cultura, capaz de transformar em comuns e aceitos por multidões certos estilos de músicas e gostos artístico-culturais, produção cultural aliada à produção econômica capitalista e à geração de altos lucros às empresas em geral e, mais diretamente, àquelas produtoras diretas dos novos produtos culturais. A massificação retira das pessoas a capacidade de pensarem por si próprias, de formular seu próprios conceitos de mundo e de agirem no sentido de buscar uma mudança.

Adorno e Horkheimer foram grandes leitores de Nietzsche, Kant, Marx e de outros pensadores. No mundo atual, em pleno século XXI, a indústria cultural continua existindo e atuando firmemente. A reprodução do capital depende do consumo, por parte de milhões de pessoas pelo Brasil e pelo mundo afora, de produtos culturais os mais diferenciados. Para incentivá-lo, a massificação[3] tornar-se valiosa, sendo incentivada e promovida principalmente pelos meios de comunicação social, com destaque direto para a televisão, com o uso conjugado de imagens em movimento e sons, por montagens elaboradas e transmitidas por profissionais muito bem preparados. A mentalidade de “rebanho” se manifesta nitidamente na moda, constantemente revista e renovada, na assistência de programas televisivos comuns, em estilos de músicas, estilos de vida e valores sutilmente despejados sobre as pessoas, como o consumismo, chegando a impor-se sobre elas, moldando seus gostos e interesses de acordo com os interesses do capital, servindo tanto a propósitos econômicos quanto políticos, como a manutenção do status quo sócio-econômico-político. Indubitavelmente, o pensamento de Nietzsche, aqui, ao final conjugado com outras leituras de pensadores que foram fortemente influenciados por suas ideias, adaptado e relido, continua muito atual, valendo a pena ser lido e estudado.

E, dentre suas obras, sugestões de leituras: Além do Bem e do Mal, A Gaia Ciência, Crepúsculo dos Ídolos, Assim Falou Zaratustra e O nascimento da Tragédia. Nietzsche escreveu ainda uma autobiografia: Ecce Homo.

Outros tópicos ou pontos fundamentais no pensamento de Nietzsche: a morte de Deus, o eterno retorno do mesmo, a oposição ao cristianismo de seu tempo, vontade de poder (ou vontade de potência).

Referências:


[1] Nietzsche conhecia a teoria evolutiva de Darwin, sem dúvida, e viu nela um avanço na compreensão biológica dos seres vivos, ainda que a criticasse por não servir para explicar como a moral dos fracos, com ênfase para seu aspecto religioso, veio a prevalecer. Com efeito, Darwin afirmava que a seleção natural selecionava os mais aptos e mais fortes.
[2] Filósofo estudado e criticado por Nietzsche, em razão do caráter metódico e até certo ponto rígido da moral kantiana. Contudo, aqui E. Kant foi citado justamente por discutir o tema da necessidade de liberdade de pensar. O termo “menoridade” lembra, em Kant, as crianças, que têm necessidade de condução de outras pessoas para se protegerem e das quais, de certo modo, tornam-se dependentes.
[3] Termo atual que Nietzsche não chegou a utilizar, preferindo o termo “rebanho”, mas que aqui foi utilizado para facilitar a compreensão deste. Ambos lembram falta de reflexão própria por parte daqueles que neles estão incluídos.