Diógenes Laércio, um escritor da
antiguidade, assim afirma, no fragmento doxográfico (texto escrito de opinião
sobre alguém, aqui, sobre o filósofo), sobre o filósofo Leucipo de Abdera:
“[Leucipo] Foi o primeiro a afirmar os átomos como princípio de todas as
coisas.(...)” (LAÉRCIO, Diógenes, apud Bornheim, 1998: 104). E sobre Demócrito,
Laércio afirma:
“DOXOGRAFIA
“1 – Eis as
teorias de Demócrito. Na origem de todas as coisas estão os átomos e o vazio
(tudo o mais não passa de suposição). Os mundos são ilimitados, engendrados e
perecíveis. Nada nasce do nada e nada volta ao nada. Os átomos são ilimitados
em grandeza e número, e são arrastados com o todo em um turbilhão. Assim nascem
todos os compostos: o fogo, o ar, a água, a terra. Pois são conjuntos de
átomos, incorruptíveis e fixos devido à sua firmeza. O Sol e a Lua são
compostos de massas semelhantes, simples e redondas; e a alma, da mesma forma,
a qual é idêntica ao espírito. Nós vemos pela projeção de imagens. Tudo se faz
por necessidade; sendo o turbilhão causa da gênese de tudo, ele o chama de
necessidade. O bem supremo é a felicidade (‘euthymia’), muito diversa do
prazer, ao contrário do que creram aqueles que não souberam compreendê-la;
consiste no repouso e quietude da alma, não perturbada por nenhum temor,
superstição ou afecção. Chama esta atitude de diversos nomes, entre outros o de
‘bem-estar’. As propriedades são convenção dos homens, ao passo que os átomos e
o vazio existem segundo a natureza. Estão são as suas doutrinas. (Diog. Lart.
IX).” (LAÉRCIO, Diógenes, apud Bornheim, 1998: 124.)
Leucipo, Demócrito e Epicuro, filósofos
gregos que viveram entre o século cinco e três antes de Cristo, falam da
existência de átomos, partículas minúsculas (as menores da matéria) que compõem
todas as coisas. Como será que podem ter chegado a essa conclusão? Leucipo e
Demócrito antecederam em, pelo menos, um século, o pensador Epicuro. Este, por
sua vez, tomou contato com as ideias deles e até escreveu sobre os átomos.
Anaxágoras, outro filósofo, havia também falado das homeomerias, partículas
minúsculas.
Três atitudes, com certeza, se uniram para
que os átomos fossem descobertos (e, no caso de Epicuro, o estudo e a defesa da
existência deles): a observação sensível (por meio dos sentidos), com as
constatações daí advindas, a reflexão racional (da razão) e a imaginação
(capacidade humana de formar imagens na mente).
Primeiramente, o que os três observaram
com os olhos, o tato e os outros sentidos? E o que constataram? Partindo deles
mesmos: o corpo humano, a natureza, os ciclos naturais e a existência de uma
multiplicidade (pluralidade) de seres em meio à unidade que torna possível sua
harmonização e sua convivência. Observaram e constataram a montanha e a dureza
de suas rochas, a chuva que caía do céu, os animais, os prédios das cidades
gregas e de suas colônias, etc. A areia
fina da praia. A água que tem a capacidade de escorrer, passar do estado
líquido ao sólido (gelo, neve na época do inverno) e ao vapor (quando
aquecida). Existem muitos seres e fenômenos (fatos...) que ocorrem com eles. E
o que eles têm em comum?
Outra constatação sensível (da visão e
outros sentidos): os seres são divisíveis! Eles sofrem processos diversos de
divisão: uma pedra pode ser quebrada e até esfarelada. O pão pode ser partido
em pedacinhos (partículas) muitas vezes menores que ele. Os corpos vivos se
dissolvem com a morte, até virarem pó! De fato, Leucipo e Demócrito observaram,
muitas vezes, a decomposição de seres dos mais diversos tipos, animados
e inanimados. Uma maçã pode ser cortada em pedaços cada vez menores, em
minúsculas partes. Um prato de louça ou de barro, ao cair-se, quebra-se em
pedaços grandes e pequeninos a espalhar-se pelo chão. E tais pedaços, se se
fizer uso de um martelo, podem ser reduzidos a pó, e assim pode-se continuar a
subdivisão. Uma árvore pode ser serrada,
dando origem a pedaços menores de madeira. Tais pedaços de madeira, por sua
vez, podem ser serrados em pedaços ainda menores, menores e menores, tendo-se
boas serras ou serrotes de diversos tamanhos. A madeira pode ser queimada,
comida por cupins, o que demonstra a separabilidade, a divisão,
de sua matéria em partes menores. Com outras matérias, já citados alguns
exemplos, pode ocorrer o mesmo. Então, a divisibilidade da matéria pode ser
constatada pela visão! Pelo tato também, quando se pode tocar matérias
divididas ou realizar, com ferramentas, tal divisão. A comida é divida em
pedacinhos na boca, com o auxílio dos dentes: rasgada, cortada, triturada e,
por fim, engolida – minúsculas texturas podem ser sentidas pelo paladar. Todas
estas coisas, com certeza, foram plenamente observadas por Leucipo, Demócrito e
Epicuro. Por Anaxágoras também, pois chama as partículas homeomerias.
A reflexão racional (da razão), junto
com a imaginação, levou à pergunta: até que ponto posso dividir este objeto X
(p. ex.: um pedaço de madeira)? Infinitamente não é possível dividi-lo e seria
um absurdo. Por quê? Por que, indo ao infinito, não se chega a lugar algum, a
ponto algum. Ora a matéria existe! É fato. Então seria preciso admitir a
existência de uma partícula (palavra que significa: partezinha, pedacinho)
minúscula da matéria que seria indivisível: átomo é uma palavra grega que
significa, justamente, indivisível, isto é, o átomo é uma partícula (um
pedacinho) indivisível (que não pode ser mais dividida) de matéria. Os átomos
são partículas indivisíveis. O fragmento doxográfico 4, referente a Demócrito,
diz: “Os átomos não são divisíveis, e não há divisão até o ilimitado. (Aet. I,
16, 2)” E como se encaixam, formando os seres?
A Wikipédia assim comenta:
“Para Demócrito,
o cosmos (o Universo e tudo o que nele existe) é formado por um turbilhão de
infinitos átomos de diversos formatos que jorram ao acaso e se chocam. Com o
tempo, alguns se unem por suas características (às vezes, as formas dos átomos
coincidentemente se encaixam tão bem como peças de quebra-cabeça) e muitos
outros se chocam sem formar nada (porque as formas não se encaixam ou se
encaixam fracamente). Dessa maneira, alguns conjuntos de átomos que se
aglomeram tomam consistência e formam todas as coisas que conhecemos, que
depois se dissolvem no mesmo movimento turbilhonar dos átomos do qual
surgiram.[9]” E continua:
“A consistência
dos aglomerados de átomos que faz com que algo pareça sólido, líquido, gasoso
ou anímico ("estado de espírito") seria então determinada pelo
formato (figura) e arranjo dos átomos envolvidos. Desse modo, os átomos de aço
possuem um formato que se assemelha a ganchos, que os prendem solidamente entre
si; os átomos de água são lisos e escorregadios; os átomos de sal, como
demonstra o seu gosto, são ásperos e pontudos; os átomos de ar são pequenos e
pouco ligados, penetrando todos os outros materiais; e os átomos da alma e do
fogo são esféricos e muito delicados.[10]” (IN: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dem%C3%B3crito)
Leucipo, Demócrito e Epicuro não tiraram
a ideia do encaixe entre átomos à toa. Possibilidades: através de encaixes,
dados pelas formas, alguns como ganchos (ver a última citação, antes desde
parágrafo). Como assim? Partindo do que eles viam. Havia muitos prédios na
Grécia e em suas colônias, bem como em outras nações. Um bloco de pedra ou um
tijolo encaixa-se no outro, mantendo-se firmes os prédios construídos. Outra
observação: para uma roupa ficar presa e firme no corpo, uma fivela facilita
sua fixação. A amarra permite que um calçado não se solte nem se arrebente. E
assim por diante, muitas maneiras de fixação (junção, encaixe) de seres podiam
ser constatadas a nível macro (maior, grande). O encaixe de um tijolo no outro
depende da forma, peças se encaixam segundo suas respectivas formas, a roupa
que se encaixa no corpo depende das formas que foram dadas a ela, permitindo
tal encaixe, etc. E a nível do muito minúsculo? Aplicando a observação, o
pensamento reflexivo e a imaginação, Leucipo, Demócrito e Epicuro (Anaxágoras,
com as homeomerias também) perceberam que para os átomos (as homeomerias, de
Anaxágoras) formarem todos maiores só seria possível se tivessem encaixes e
formas adequadas que permitissem isto, que fossem ganchos minúsculos ou formas
que dispusessem de encaixes firmes. Jostein Gaarder, em O Mundo de Sofia, ao falar de Demócrito, compara os encaixes dos
átomos ao brinquedo de Lego, constituído por muitas pecinhas, separadas em uma
caixa, que são encaixadas por crianças, formando casas, castelos, máquinas e
outros brinquedos.
Ora, os seres não se constituem num
momento e se desfazem em outro. E os átomos têm peso. O fragmento doxográfico
3, referente a Demócrito, citado por Bornheim, diz: “Os átomos têm grandeza e
forma, às quais Epicuro acrescenta o peso, porque os corpos, dizia ele,
movem-se pela ação do peso. (Aet. I, 3, 18)” (BORNHEIM, 1998: 124.). Como
assim? Por quê?
Um possível raciocínio para a conclusão
acerca do peso dos átomos poderia ser: as observações sensíveis visual e tátil
deixam claro que os seres têm peso; ora, se os átomos fossem destituídos de
peso, não poderiam formar seres constituídos de peso. Ademais, por conta de
serem indivisíveis, devem ser resistentes (duros) o suficiente para não
permitirem que nada os divida. E uns átomos são mais pesados que outros: os que
formam o ferro são pesados e mais rígidos que outros, ligando-se mais
firmemente uns com outros (até o momento em que a ferrugem tome conta, o que
leva tempo), os que formam o ar são sutis, isto é, são muito leves e separados
(se fossem pesados, fariam mal ao corpo, ao entrarem nos pulmões) e
transparentes, como o vidro (a Wikipédia menciona a antiguidade da fabricação
do vidro, conhecido também entre os gregos, em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vidro).
E o texto citado no final do parágrafo anterior dá uma dica: “(...) porque os
corpos, dizia ele [Epicuro], movem-se pela ação do peso.” (BORNHEIM, op. cit.,
p. 124).
Que fenômenos (fatos que se manifestam,
que ocorrem, na natureza e no mundo) Epicuro deve ter observado, ao longo da
vida, para ter uma ideia da relação entre peso e movimento dos corpos e,
também, dos átomos? Algumas possibilidades, a seguir. Numa montanha cheia de
pedras, caso uma delas se solte, por conta do peso, ela se movimentará
diretamente para baixo. A água demonstra ter peso ao ser posta na palma da mão
e, em grande massa, escorre na forma de rios e cachoeiras. O escorrer é um tipo
de movimento. Uma pedrinha, jogada para cima, volta, realizando um duplo
movimento: para cima e para baixo. E uma força precisou ser aplicada a ela por
conta de seu peso, pondo-a em movimento. O ar em movimento demonstra ter força,
a ponto de empurrar os objetos e as pessoas, o que aponta que, sendo ele
composto de átomos, estes devem ter peso tal que, juntos, são capazes de
empurrar seres e até joga-los no chão. Se não tivessem peso, com certeza, não
seriam capazes de fazer isto. Outro ponto: todo átomo é uma partícula. Por
menor que seja, ela é matéria. Ora, uma das características essenciais
das matérias observáveis é o peso: uma pedra grande tem peso, uma pedrinha tem
peso, um grão de cevada, ainda que muito pequeno, tem peso. Uma medida pequena
de ouro tem peso, assim como uma pepita maior. Portanto, o que dá origem a
esses seres e outros, deve ter peso. Epicuro pode ter pensado assim,
estabelecendo uma relação entre matéria e peso, mesmo uma particulazinha da
matéria. Juntamente com o peso, o movimento!
E sobre o peso: o comércio, nas cidades
gregas e em muitas outras na antiguidade, fazia uso de balanças e contrapesos
para medir o peso de diversas mercadorias. No comércio, o que tem peso também
tem preço, até hoje.
Ademais, pensemos um pouco: uma coisa
(ser) que não tem peso seria igual a nada. E, de acordo com Epicuro, “Nada pode
originar-se do nada.” (EPICURO, op. cit., p. 48). Ora, os átomos dão origem aos
seres, todos dotados de peso. Mais uma evidência possível de que os átomos,
sendo partículas da matéria, devem, necessariamente, ter peso. Ainda que muito
pequeno, o peso de um átomo, unido ao de outros milhões e bilhões, dão um peso
maior.
Juntando essas informações do dia a dia
e muitas reflexões, Epicuro acrescentou o peso como característica do átomo!
O que aqui se quer mostrar é que
Leucipo, Demócrito e Epicuro (Anaxágoras também, com as homeomerias) não
pensaram a partir do nada: viram seres, movimentos, estudaram Heráclito ou
ouviram falar dele (Heráclito falava que tudo está em movimento, em vir a ser
[devir] como um rio), conheciam teorias de outros pensadores que os
antecederam, conviveram com o mundo natural e o mundo social, perceberam muitos
fenômenos naturais, aprenderam e discutiram muitas ideias com outras pessoas,
quer fossem comuns, quer fossem devotadas aos estudos. Usaram, a partir desse
amontoado de materiais que tiveram à disposição, o poder reflexivo do
pensamento e uma imaginação fertilíssima.
E quantos átomos devem existir? Uma
multiplicidade. Por quê? Uma possível explicação é, novamente, a pluralidade
imensa de seres que existem na natureza, que têm formas e características
próprias, as quais, com certeza, dependem dos encaixes e da firmeza na união
certa dos átomos. Uns têm uma conexão mais firme, outros, uma mais flexível,
passando pela dissolução e, com o tempo, a formação de novas ligações e novos
seres, num movimento constante.
E além dos átomos, o que mais seria,
então, preciso? O vazio! Os três pensadores em estudo defenderam a existência
de átomos e vazio. Vazio? Sim. Como poderia ter ser imaginada, naquele tempo,
alguns séculos antes de Cristo, sua existência? Partindo do concreto, alguns
exemplos de vazio: a sala vazia, o quarto vazio, o copo vazio, o templo vazio
quando não tem pessoas orando dentro dele (na Grécia antiga havia muitos
templos), a rua vazia (as cidades gregas tinham muitas ruas), etc. Eis o que Epicuro diz:
“Os átomos
encontram-se eternamente em movimento contínuo, e uns se afastam entre si uma
grande distância, outros detêm o seu impulso, quando ao se desviarem se
entrelaçam com outros ou se encontram envolvidos por átomos enlaçados ao seu
redor. Isso produz a natureza do vazio, que separa cada um deles dos outros,
por não ter capacidade de oferecer resistência. Então a solidez própria dos
átomos, por causa do choque, lança-os para trás, até que o entrelaçamento não
anule os efeitos do choque. E esse processo não tem princípio, pois são eternos
os átomos e o vazio.” (Epicuro de Samos, Pensamentos, p. 104. [EPICURO, 2006: 104])
Aristóteles, em
sua Física, afirma claramente, ao
referir-se a Demócrito:
“10 – Afirmam
que o movimento se dá graças ao vazio; com efeito, segundo estes, o movimento
dos corpos naturais e elementares é um movimento local; porque o movimento
devido ao vazio é um transporte, como em um lugar; quanto aos outros
movimentos, nenhum pertence, pensam eles, aos corpos elementares, mas somente
àqueles que deles são formados; dizem que o crescimento, o perecimento e a
alteração provêm da reunião e da separação dos corpos insecáveis. (Arist. Phys. VIII, 9, 265b).” (ARISTÓTELES,
apud Bornheim, 1998: 125.)
Sem vazio, não há espaço para movimento:
uma sala cheia de coisas não possibilita o movimento dentro dela, é difícil
caminhar numa rua cheia de gente, gente fica de fora se o templo estiver cheio,
se o copo estiver cheio, não é possível acrescentar líquido nele sem que
derrame, e assim por diante. E o fragmento doxográfico 2 referente a Demócrito,
citado por Bornheim, diz: “Os princípios são o cheio e o vazio.” (BORNHEIM,
1998: 124.) É possível caminhar numa floresta porque entre as árvores há
espaços vazios, que permitem passar por entre as árvores. Numa praia manifesta-se
espaço vazio onde pessoas podem sentar-se, crianças podem brincar, preparar-se
para o nado, montar uma barraca. Estas percepções de espaços vazios que podem
ser preenchidos eram captadas por Leucipo, Demócrito e Epicuro, como são hoje.
Então o vazio é um fato, junto com a matéria que o preenche, matéria esta feita
de átomos. E a nível atômico? Para que os átomos se movam ou formem seres
separados uns dos outros no espaço é preciso que haja o vazio! O vazio é,
portanto, fundamental. É claro, o vazio de que falam Leucipo, Demócrito e
Epicuro vai além do vazio da sala e do copo. Usando a observação, a razão e a
imaginação, perceberam a necessidade do um profundo vazio, talvez o vácuo,
outra palavra para vazio. (Por exemplo: ao tirar o ar de uma garrafa tem-se,
dentro dela, o vácuo.) E ambos, os átomos e o vazio, de acordo com Epicuro, são
eternos. Sendo eternos, pode-se concluir que não foram criados.
Entre os gregos antigos não havia ideia
de um Deus único e criador de todas as coisas. Ela aparecerá com o judaísmo e o
cristianismo. No caso de Epicuro, a eternidade dos átomos e do vazio reforçava,
com certeza, sua crença de que as pessoas não deveriam se preocupar com o que
fazem os deuses e as deusas.
Antes de Leucipo, Demócrito e Epicuro,
além de outros filósofos da antiguidade, dois pensadores pré-socráticos (que
antecederam Sócrates), por volta dos séculos seis e cinco antes de Cristo,
haviam tratado do movimento: Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia, cidades
que eram colônias gregas. Heráclito defendeu a existência efetiva do DEVIR (VIR
A SER), do movimento, da transformação, presente permanentemente na natureza
(physis, em grego), como um rio, no qual não se pode banhar de forma igual duas
vezes. Parmênides de Eleia, por sua vez, contestou o movimento como
constituinte do mundo natural. Para Parmênides, o movimento é ilusão, segundo
um caminho que não deve ser seguido. O ser é eterno e permanente, imutável.
Zenão de Eleia, discípulo de Parmênides, seguiu, com argumentos, o pensamento
de seu mestre. O pensamento de Heráclito e Parmênides perpassou reflexões de
filósofos que os seguiram, como Leucipo e Demócrito, até Epicuro, porém,
nestes, houve a defesa do movimento e da eternidade do ser. Como assim? Os
átomos são eternos, aproximando-se do que defendia Parmênides a respeito do ser,
e estão em movimento contínuo, compondo e recompondo seres os mais diversos,
permanentemente, aproximando-se do pensamento de Heráclito. (Platão, no século
4 a.C., adequou o pensamento de ambos, ao falar do mundo sensível [Heráclito] e
do mundo das Ideias ou Inteligível [Parmênides]).
E Aristóteles, na Metafísica, afirma
sobre a crença de Leucipo a respeito do movimento:
“2 – Alguns
filósofos, como Leucipo e Platão, afirmam uma ação eterna, pois dizem que o
movimento é eterno. Mas por que e o que é este movimento, não dizem, como não
dizem a causa por que se move neste ou naquele sentido. (Arist., Metaph. XII, 6 1071b).” (In: BORNHEIM,
op. cit., p. 104.)
E,
na Física, Aristóteles dirá:
“10 – Afirmam
que o movimento se dá graças ao vazio; com efeito, segundo estes, o movimento
dos corpos naturais e elementares é um movimento local; porque o movimento
devido ao vazio é um transporte, como em um lugar; quanto aos outros
movimentos, nenhum pertence, pensam eles, aos corpos elementares, mas somente
àqueles que deles são formados; dizem que o crescimento, o perecimento e a
alteração provêm da reunião e separação dos corpos insecáveis. (Arist. Phys. VIII, 9, 265b).” (Idem, p.125.)
Assim como Heráclito, Leucipo, Demócrito
e Epicuro perceberam, em tudo que podiam observar, o movimento, entendido como
deslocamento, dissolução (corpos que se dissolvem, que se corroem ou são corroídos,
etc.), reação (como o calor do fogo que faz a água reagir e borbulhar; o
queimar da madeira pelo fogo), borbulhar (ex.: de água quente), etc.
Observaram: o movimento dos astros nos céus (ex.: Sol, Lua, estrelas,
planetas...), a queima de madeira (lenha), de galhos, com o consequente formar
de carvão; o crepitar da chama de fogo, capaz de produzir fogo e luz; o
ressecamento das folhas que caem no chão, por conta do calor e do
apodrecimento, e uma imensidão de outros fenômenos que envolvem diferentes
tipos de movimento(s). Observaram “o crescimento, o perecimento e a alteração”
provenientes “da reunião e da separação dos corpos insecáveis” (ver a citação
acima). Observaram o rio que corre (imagem usada por Heráclito para falar do
devir, vir-a-ser, movimento). E “o movimento se dá graças ao vazio” (Ibidem, p.
125). Onde tudo está cheio não cabe espaço, nem é possível o movimento. O vazio
oferece espaço de passagem para os corpos e os seres, para os átomos!
Possibilita também a dissolução, o borbulhar, entre outros tantos fenômenos que
envolvem o movimento.
Para concluir: o que se desejou, neste
texto, foi ajudar na reflexão de professores(as) e estudantes de ensino médio e
fundamental, além de outras pessoas interessadas no conhecimento dos três
pensadores atomistas estudados (Leucipo, Demócrito e Epicuro), sobre como eles
podem ter conseguido chegar à conclusão da existência dos átomos e de
características deles e do vazio, tendo como ponto de partida a realidade em
que viveram. De fato, a sociedade grega e outras (Epicuro viveu num tempo em
que Roma já ia se expandindo) tinham conhecimento de matemática, de medidas, de
peso (o comércio, constantemente fazia uso dele e ou faz até hoje), de espaços
vazios e cheios, etc. Tinham conhecimentos técnicos de engenharia civil, de
ferramentas (facas de diversos tamanhos e tipos, serras, pesos para balanças,
barras de medidas, prumo, etc. etc.), inclusive máquinas complexas como a
Máquina de Anticítera (entre 70 e 50 a.C.), encaixes de peças, entre outros
elementos que podem ter ajudado muito na reflexão daqueles pensadores da
antiguidade, que viveram há mais de dois mil e cem anos atrás. Em sala de aula,
a pergunta Como teria sido descoberto e
compreendido o átomo por Leucipo, Demócrito e Epicuro? pode surgir e até
mesmo a professora e o professor de Filosofia a podem colocar, seja na forma de
discussão, seja na forma de trabalho em grupos, ou trabalho-discussão, a fim de despertar a
curiosidade e a reflexão filosóficas!
O texto aqui apresentado contém apenas
algumas reflexões, muito incompletas, que podem ser enriquecidas em sala de
aula e em pesquisas fora desta, tanto por professoras, professores, quanto por
estudantes e pessoas interessadas, curiosas por entender as ideias daqueles
filósofos. O diálogo interdisciplinar com a Química, a Física e a História pode
ser extremamente enriquecedor para todo mundo. Na verdade, este estudo faz uma
mescla, chegando à beira da confusão. É interessante estudar separadamente os
três. Além deles, os discípulos de Epicuro, como Diógenes de Enoanda. E não
podemos nos esquecer de Anaxágoras!
Os textos desses filósofos são maiores e
muito mais ricos, apresentando coisas interessantíssimas que podem ser
discutidas sobre os átomos e outros temas. Vale a pena estuda-los e comenta-los,
discuti-los, buscar entender os raciocínios possíveis que levaram à criação
deles. Fazem parte da história da filosofia e das ciências!
Uma sugestão: pesquisa, por professoras, professores e estudantes, sobre os
átomos nos últimos séculos e as descobertas a respeito deles. Comparar com os
filósofos estudados. Essa ponte entre o presente e o passado pode ser
enriquecedora do aprendizado estudantil.
Uma curiosidade. Um dos textos
doxográficos diz: “Os átomos têm grandeza
e forma, às quais Epicuro acrescenta o peso,
porque os corpos, dizia ele, movem-se pela ação do peso. (Aet. I, 3, 18)”
(BORNHEIM, 1998: 124.) (grifos meus). A ciência contemporânea (dos últimos
séculos), expõe, na tabela periódica dos elementos químicos, algumas
características dos átomos: massa atômica, número atômico, além de outras
características. É claro que Leucipo, Demócrito e Epicuro não chegaram à
exposição seriada, sequenciada, dos átomos, como o fizeram Dimitri Mendeleev e
outros cientistas da contemporaneidade (séculos 19 e 20). Porém, é
impressionante ver como, ao proporem a existência de átomos, ao estuda-los,
aqueles filósofos da antiguidade buscaram interpretar a composição atômica e
suas características, partindo dos instrumentos, observações, da razão e da
imaginação que tinham, acreditando existir, em cada átomo, grandeza (medida),
forma (estrutura) e peso (ainda que pequeníssimo, por conta do tamanho atômico
e do fato de cada átomo ser matéria). Incrível. Não se pode, hoje, achar,
porém, que o pensamento de Demócrito, Epicuro e Leucipo se equipara ao de
cientistas (físicos e químicos, principalmente) de hoje. Porém, o que
descobriram constitui-se, sem dúvida, numa forma rica e racional de pensamento,
que ia muito além do que era ensinado pelos antigos mitos gregos e de outros
povos. Bom diálogo interdisciplinar pode ser realizado entre a Filosofia e a
Química!
REFERENCIAL
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BRASIL. O primeiro computador da
história? Conheça o objeto mais misterioso da história da tecnologia.
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Trad. Johannes Mewaldt e outros. São Paulo, Martin Claret, 2006. (A Obra-Prima
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Jostein. O Mundo de Sofia: Romance da
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Companhia das Letras, 1995. [Há nova edição deste livro.]
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