domingo, 20 de novembro de 2016

DIÓGENES DE SÍNOPE (DIÓGENES, O CÍNICO) E ALEXANDRE O GRANDE (Prof. José Antônio Brazão.)

No verbete Diógenes de Sínope, a Wikipédia traz o seguinte apontamento de um encontro de Diógenes (filósofo cínico, que viveu, aproximadamente, entre 412[ou 404] e 323 antes de Cristo) com o poderoso rei Alexandre o Grande, da Macedônia, que havia conquistado a Grécia:
“Igualmente famosa é sua história com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-lhe-ia perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à posição em que se encontrava, Alexandre fazia-lhe sombra. Diógenes, então, olhando para a Alexandre, disse: "Não me tires o que não me podes dar!" (variante: "deixa-me ao meu sol"). Essa resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse: "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes." (In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%B3genes_de_Sinope) O texto tem como ponto de referência outro filósofo e escritor da antiguidade, chamado Diógenes Laércio, que escreveu o livro Vidas e Opiniões de Filósofos Eminentes.
Diógenes foi um filósofo do grupo dos filósofos cínicos, assim chamados por serem comparados com cães (kinos, em grego), dada a proposta de simplicidade de vida que buscavam seguir, contrários aos convencionalismos sociais de seu tempo. Devotados à busca do controle dos desejos, das paixões, da agressividade e dos impulsos, chegando Diógenes ao radicalismo de viver em um barril!
Mas o que poderia ter levado um grande rei a querer encontrar-se com um filósofo que vivia uma vida simples, em um barril? Alexandre, além de político, era um soldado. Soldados costumam ter treinamentos rígidos, a superar as adversidades, a fim de estarem bem preparados para o campo de batalha, um pouco semelhante ao controle dos desejos, paixões e impulsos daqueles filósofos. Além disto, Diógenes tinha que enfrentar os dissabores do dia a dia, do tempo (clima), da falta de proteção, perigos, etc. Certamente, um ponto de admiração.
Além do mais, Alexandre era rico e quanto mais poder tinha, mais queria: mais reinos, mais terras, mais bens, poder sobre as pessoas. Ora, a maioria das pessoas desejam bens, riquezas, poder. (Hoje, no século 21, também!) Como um homem sábio poderia conseguir viver sem essas coisas? Como seria capaz de abandonar aquilo que a maioria quer? Como pode um homem conseguir não deixar-se levar por aquelas e outras tentações (atrativos)? Como pode um homem não querer os confortos da riqueza e outras benesses da vida? (As tentações do consumismo do mundo atual?!) Certamente, mais um ponto da admiração alexandrina.
Como é possível o autocontrole, se outras possibilidades de viver bem seriam possíveis? Desistir do conforto e da segurança é difícil! Não deixar-se levar pelos apelos do corpo e dos mais profundos desejos deste não é fácil para a maioria das pessoas. Mas Diógenes o Cínico conseguia. Outros filósofos cínicos também. No mínimo, admirável.
Ao tirar do filósofo o Sol, com a própria sombra, Alexandre ouviu de Diógenes: "Não me tires o que não me podes dar!" (variante: "deixa-me ao meu sol"). Que será que o filósofo queria dizer ao poderoso militar e rei de tantos povos, de um grande império? Vejamos parte por parte:
Alexandre, o poderoso, queria saber do filósofo o que este gostaria que o rei fizesse por ele, um homem comum, sem poder. Alexandre oferece, de seu magnífico poder, grandes coisas que ele acreditava que o filósofo, como homem, com certeza, quereria ter. Ora, quem não quer ter algo ou obter o favor de um grande homem? De um rei! Mas não, o cínico o encabula com sua resposta.
"Não me tires o que não me podes dar!" Diógenes pede ao rei que, em vez de querer dar-lhe algo grandioso, conforto, vida boa, entre outros bens humanamente desejáveis, simplesmente não tire dele o que o poder militar e político, o poder humano, não pode dar-lhe: a luz do Sol. Por mais poderoso que fosse, Alexandre, o Grande(!), o Magno(!), não poderia dar-lhe sequer um raio da luz solar. O que o filósofo Diógenes, o Cínico, quis dizer com isto?
(1) O limite do poder. O poder humano, por maior que seja, é limitado. O cosmos e a natureza (physis, em grego) são maiores que ele. O ser humano, aliás, é um simples pedaço do cosmos. E esse limite é estende-se tanto a um grande rei ou político (estadista) quanto ao mais simples homem comum.
(2) Os limites da vida. Aquela porção de Sol, aproveitada naquele dia, correspondia a um momento de prazer ímpar (que não tem nenhum outro igual), na vida daquele homem simples (aparentemente muito simples). Para quem acha que os cínicos desprezavam os prazeres, o prazer do Sol, da intensidade e da pureza de sua luz é algo precioso. Além do mais, nem todo dia tem-se o calor gostoso do Sol: dias de chuva, em ocasiões de brumas, no inverno gelado da Europa, da qual a Grécia faz parte. E Diógenes vivia num barril! Perder o prazer do calorzinho do Sol seria, pois, um péssimo negócio. Ainda mais alguém que, tendo um barril por casa, vivia cada dia e sabia das agruras (dificuldades) que passava.
(3) A gratuidade universal da natureza: os raios do Sol são gratuitos, oferecidos a toda e qualquer pessoa (ser humano), desde o mais rico dos homens até o mais simples dos mortais. O poder pode tirá-los, porém não os pode dar: se posicionando na frente, aprisionando alguém, de outras formas pode tirar, mas não oferecer. É limitado, como já foi dito. O Sol pode oferecer e o faz gratuitamente. Mesmo o poder, quando dá algo a alguém, geralmente quer algo em troca, algum favor. O Sol dá seus raios, sua luz, sua energia, e não pede nada em troca. E aqui entra a segunda variante: "deixa-me ao meu sol". O Sol é para todos! É de todos, queira o rei ou não.
(4) A quebra do ciclo favor-troca. Na linha do favor-troca, Diógenes sabia que, ao aceitar algum presente do grandioso Alexandre, certamente, de algum modo, estaria compactuando com o poder deste, fruto da dominação de povos, feita à base de massacres, mortes, prisões, do roubo, da troca de presentes e favores escusos (corruptos), de bens tomados de outros. Ora, ninguém pode tomar do Sol qualquer raio ou trocar com ele favores. Muitos dos bens que Alexandre poderia oferecer não eram dele! Eram de pessoas dominadas, subjugadas, que perderam sua liberdade, seja na Grécia ou em qualquer região do Império Macedônico. O Sol oferece sua luz, dia após dia, sem cobrar nada em troca, sendo Sol de Diógenes (“...o meu Sol”), de Alexandre e de qualquer pessoa ou ser vivo. Percebe-se que numa simples frase, aparentemente inocente, há algo mais profundo, uma dimensão maior: humana, natural, política, militar, etc. E Diógenes sabia bem do que ocorria no grande império e entre seu povo dominado! Muita gente dominada, massacrada, sofrendo, pagando impostos pesados ao império, para beneficiar grupos poderosos deste, que usufruíam das benesses do poder. Diógenes ouvia falar do que acontecia, sabia do que estava ocorrendo. Diógenes não era bobo! E discreto: não discute com o poderoso rei. Pede a ele algo (aparentemente) simples: deixar de fazer sombra diante do prazer que o Sol, e não o poder humano massacrante, lhe poderia oferecer.
E o texto citado da Wikipédia conclui: “(...) Essa resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse: "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.” (Wikipédia, verbete Diógenes de Sínope). Ao zombar de alguém, o poder procura fazer com que este caia em menosprezo ou que seja visto sob seu olhar – o olhar do desprezo, que vê no domínio, na riqueza conquistada (injusta e indignamente) e na capacidade de mandar sobre outros o sumo dos desejos humanos. Zombar, menosprezando, serve à dominação e não à contestação, mesmo que seja zombar de uma frase boba (e do seu expositor, de seu estilo de vida), aparentemente idiota, de um filósofo grego,  de um povo conquistado e dominado pelo grande império. O desprezo, junto com a zombaria, é também um modo de reforçar a dominação e de deixar claro quem é que manda. Manter o status quo (a situação como está), favorável ao império e aqueles cujos interesses este defendia, sustentava e ampliava, às custas do sofrimento de muitos. E Alexandre, por mais que quisesse ser Diógenes, reconhecendo que não podia ser senhor de tudo (ter até o Sol ou dominar o cosmos), morreu riquíssimo e famoso por seus feitos, até hoje! E seus oficiais? Quando Alexandre morreu, os generais dividiram seu império, tornando cada um rei de sua parte, nem sequer, certamente, se lembrando ou sabendo do filósofo grego que queria que o rei não lhe tirasse o prazer da luz solar. E souberam fazer uso do poder para dispor do prazer e das benesses, dos privilégios! Diferente do filósofo que vivia como um cachorro de rua! Um cínico!
           Uma observação: na conversa com o cínico Diógenes, Alexandre não estava sozinho. Nenhum governante, presidente (nos dias de hoje), rei ou outro representante do poder máximo de um país anda sem guarda-costas. Com certeza, Alexandre tinha consigo soldados e, muito certamente, os generais que depois viriam a criticar Diógenes. O rei não podia entrar sozinho numa cidade conquistada e, potencialmente, inimiga. Imperador.
Curiosidade: Até a Bíblia fala de reis sucessores de Alexandre e de sua dominação, por exemplo, nos livros dos Macabeus, no Antigo Testamento. Os israelitas foram um outro dos povos dominados. Seus vizinhos também. Para saber mais, há livros escolares, paradidáticos e outros, incluindo universitários, de História que tratam do Império Macedônico.