No
verbete Diógenes de Sínope, a Wikipédia traz o seguinte apontamento de um
encontro de Diógenes (filósofo cínico, que viveu, aproximadamente, entre 412[ou
404] e 323 antes de Cristo) com o poderoso rei Alexandre o Grande, da
Macedônia, que havia conquistado a Grécia:
“Igualmente
famosa é sua história com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-lhe-ia
perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à posição em que se
encontrava, Alexandre fazia-lhe sombra. Diógenes, então, olhando para a
Alexandre, disse: "Não me tires o que não me podes dar!" (variante:
"deixa-me ao meu sol"). Essa resposta impressionou vivamente
Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse:
"Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes." (In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Di%C3%B3genes_de_Sinope)
O texto tem como ponto de referência outro filósofo e escritor da antiguidade,
chamado Diógenes Laércio, que escreveu o livro Vidas e Opiniões de Filósofos Eminentes.
Diógenes
foi um filósofo do grupo dos filósofos cínicos, assim chamados por serem
comparados com cães (kinos, em grego), dada a proposta de simplicidade de vida
que buscavam seguir, contrários aos convencionalismos sociais de seu tempo.
Devotados à busca do controle dos desejos, das paixões, da agressividade e dos
impulsos, chegando Diógenes ao radicalismo de viver em um barril!
Mas
o que poderia ter levado um grande rei a querer encontrar-se com um filósofo
que vivia uma vida simples, em um barril? Alexandre, além de político, era um
soldado. Soldados costumam ter treinamentos rígidos, a superar as adversidades,
a fim de estarem bem preparados para o campo de batalha, um pouco semelhante ao
controle dos desejos, paixões e impulsos daqueles filósofos. Além disto,
Diógenes tinha que enfrentar os dissabores do dia a dia, do tempo (clima), da
falta de proteção, perigos, etc. Certamente, um ponto de admiração.
Além
do mais, Alexandre era rico e quanto mais poder tinha, mais queria: mais
reinos, mais terras, mais bens, poder sobre as pessoas. Ora, a maioria das
pessoas desejam bens, riquezas, poder. (Hoje, no século 21, também!) Como um
homem sábio poderia conseguir viver sem essas coisas? Como seria capaz de
abandonar aquilo que a maioria quer? Como pode um homem conseguir não deixar-se
levar por aquelas e outras tentações (atrativos)? Como pode um homem não querer
os confortos da riqueza e outras benesses da vida? (As tentações do consumismo
do mundo atual?!) Certamente, mais um ponto da admiração alexandrina.
Como
é possível o autocontrole, se outras possibilidades de viver bem seriam
possíveis? Desistir do conforto e da segurança é difícil! Não deixar-se levar
pelos apelos do corpo e dos mais profundos desejos deste não é fácil para a
maioria das pessoas. Mas Diógenes o Cínico conseguia. Outros filósofos cínicos
também. No mínimo, admirável.
Ao
tirar do filósofo o Sol, com a própria sombra, Alexandre ouviu de Diógenes: "Não
me tires o que não me podes dar!" (variante: "deixa-me ao meu
sol"). Que será que o filósofo queria dizer ao poderoso militar e rei de
tantos povos, de um grande império? Vejamos parte por parte:
Alexandre,
o poderoso, queria saber do filósofo o que este gostaria que o rei fizesse por
ele, um homem comum, sem poder. Alexandre oferece, de seu magnífico poder,
grandes coisas que ele acreditava que o filósofo, como homem, com certeza,
quereria ter. Ora, quem não quer ter algo ou obter o favor de um grande homem?
De um rei! Mas não, o cínico o encabula com sua resposta.
"Não me tires o
que não me podes dar!" Diógenes pede ao rei
que, em vez de querer dar-lhe algo grandioso, conforto, vida boa, entre outros
bens humanamente desejáveis, simplesmente não tire dele o que o poder militar e
político, o poder humano, não pode dar-lhe: a luz do Sol. Por mais poderoso que
fosse, Alexandre, o Grande(!), o Magno(!), não poderia dar-lhe sequer um raio
da luz solar. O que o filósofo Diógenes, o Cínico, quis dizer com isto?
(1)
O limite do poder. O poder humano, por maior que seja, é limitado. O cosmos e a
natureza (physis, em grego) são maiores que ele. O ser humano, aliás, é um
simples pedaço do cosmos. E esse limite é estende-se tanto a um grande rei ou
político (estadista) quanto ao mais simples homem comum.
(2)
Os limites da vida. Aquela porção de Sol, aproveitada naquele dia, correspondia
a um momento de prazer ímpar (que não tem nenhum outro igual), na vida daquele
homem simples (aparentemente muito simples). Para quem acha que os cínicos
desprezavam os prazeres, o prazer do Sol, da intensidade e da pureza de sua luz
é algo precioso. Além do mais, nem todo dia tem-se o calor gostoso do Sol: dias
de chuva, em ocasiões de brumas, no inverno gelado da Europa, da qual a Grécia
faz parte. E Diógenes vivia num barril! Perder o prazer do calorzinho do Sol
seria, pois, um péssimo negócio. Ainda mais alguém que, tendo um barril por casa, vivia cada dia e sabia das agruras (dificuldades) que passava.
(3)
A gratuidade universal da natureza: os raios do Sol são gratuitos, oferecidos a
toda e qualquer pessoa (ser humano), desde o mais rico dos homens até o mais
simples dos mortais. O poder pode tirá-los, porém não os pode dar: se
posicionando na frente, aprisionando alguém, de outras formas pode tirar, mas
não oferecer. É limitado, como já foi dito. O Sol pode oferecer e o faz
gratuitamente. Mesmo o poder, quando dá algo a alguém, geralmente quer algo em
troca, algum favor. O Sol dá seus raios, sua luz, sua energia, e não pede nada
em troca. E aqui entra a segunda variante: "deixa-me ao meu sol".
O Sol é para todos! É de todos, queira o rei ou não.
(4)
A quebra do ciclo favor-troca. Na linha do favor-troca, Diógenes sabia que, ao
aceitar algum presente do grandioso Alexandre, certamente, de algum modo,
estaria compactuando com o poder deste, fruto da dominação de povos, feita à
base de massacres, mortes, prisões, do roubo, da troca de presentes e favores
escusos (corruptos), de bens tomados de outros. Ora, ninguém pode tomar do Sol
qualquer raio ou trocar com ele favores. Muitos dos bens que Alexandre poderia
oferecer não eram dele! Eram de pessoas dominadas, subjugadas, que perderam sua
liberdade, seja na Grécia ou em qualquer região do Império Macedônico. O Sol
oferece sua luz, dia após dia, sem cobrar nada em troca, sendo Sol de Diógenes
(“...o meu Sol”), de Alexandre e de qualquer pessoa ou ser vivo. Percebe-se que
numa simples frase, aparentemente inocente, há algo mais profundo, uma dimensão
maior: humana, natural, política, militar, etc. E Diógenes sabia bem do que
ocorria no grande império e entre seu povo dominado! Muita gente dominada,
massacrada, sofrendo, pagando impostos pesados ao império, para beneficiar
grupos poderosos deste, que usufruíam das benesses do poder. Diógenes ouvia
falar do que acontecia, sabia do que estava ocorrendo. Diógenes não era bobo! E
discreto: não discute com o poderoso rei. Pede a ele algo (aparentemente)
simples: deixar de fazer sombra diante do prazer que o Sol, e não o poder
humano massacrante, lhe poderia oferecer.
E
o texto citado da Wikipédia conclui: “(...) Essa resposta impressionou
vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes,
disse: "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.” (Wikipédia,
verbete Diógenes de Sínope). Ao zombar de alguém, o poder procura fazer com que
este caia em menosprezo ou que seja visto sob seu olhar – o olhar do desprezo,
que vê no domínio, na riqueza conquistada (injusta e indignamente) e na
capacidade de mandar sobre outros o sumo dos desejos humanos. Zombar,
menosprezando, serve à dominação e não à contestação, mesmo que seja zombar de uma
frase boba (e do seu expositor, de seu estilo de vida), aparentemente idiota, de um filósofo grego, de um povo conquistado e
dominado pelo grande império. O desprezo, junto com a zombaria, é também um modo de reforçar a
dominação e de deixar claro quem é que manda. Manter o status quo (a situação como está), favorável ao império e aqueles cujos interesses este defendia, sustentava e ampliava, às custas do sofrimento de muitos. E Alexandre, por mais que
quisesse ser Diógenes, reconhecendo que não podia ser senhor de tudo (ter até o
Sol ou dominar o cosmos), morreu riquíssimo e famoso por seus feitos, até hoje!
E seus oficiais? Quando Alexandre morreu, os generais dividiram seu império,
tornando cada um rei de sua parte, nem sequer, certamente, se lembrando ou
sabendo do filósofo grego que queria que o rei não lhe tirasse o prazer da luz
solar. E souberam fazer uso do poder para dispor do prazer e das benesses, dos
privilégios! Diferente do filósofo que vivia como um cachorro de rua! Um
cínico!
Uma
observação: na conversa com o cínico Diógenes, Alexandre não estava sozinho.
Nenhum governante, presidente (nos dias de hoje), rei ou outro representante do
poder máximo de um país anda sem guarda-costas. Com certeza, Alexandre tinha
consigo soldados e, muito certamente, os generais que depois viriam a criticar
Diógenes. O rei não podia entrar sozinho numa cidade conquistada e, potencialmente,
inimiga. Imperador.
Curiosidade:
Até a Bíblia fala de reis sucessores de Alexandre e de sua dominação, por
exemplo, nos livros dos Macabeus, no Antigo Testamento. Os israelitas foram um
outro dos povos dominados. Seus vizinhos também. Para saber mais, há livros
escolares, paradidáticos e outros, incluindo universitários, de História que
tratam do Império Macedônico.