O
murmúrio de Galileu Galilei (matemático, astrônomo e cientista italiano que
viveu entre os séculos XVI e XVII) “mas ela se move”, na saída da igreja em que
teve de abdicar de suas ideias científicas, é tido como uma lenda. Por quê?
Porque ele estava sendo vigiado, seja por guardas, seja por inquisidores, e
quem quer que o tivesse ouvido poderia tê-lo denunciado imediatamente, o que
poderia, efetivamente, tê-lo levado de vez à fogueira da Inquisição. Galileu queria ficar vivo! Tinha muito que ver e ideias a trocar, uma vida a apreciar, ainda que de forma simples. Sabia bem que tudo passa e que novas descobertas, de outros cientistas, reforçariam e confirmariam as suas.
No
entanto, com certeza esse murmúrio ecoava no fundo de sua mente e de sua alma,
pois sabia muito bem que a Terra se move em torno do Sol anualmente e em torno
de si mesma diariamente, como havia afirmado, antes de Galileu, o astrônomo e
erudito Copérnico, um clérigo católico polonês, que viveu entre os séculos XV e
XVI.
Galileu
sabia que tudo aquilo que havia renegado, todas as suas descobertas e textos
que cuidadosamente escrevera continham, indubitavelmente, a verdade. Precisou mentir
para poder salvar sua vida, lembrando-se de tantos outros e outras que, por menos,
haviam perdido suas vidas nas masmorras e nas fogueiras da Santa Inquisição. Um bom exemplo das piras da Inquisição foi o filósofo Giordano Bruno, queimado vivo ao final do século XVI, italiano como Galileu.
Mas
que ideias perigosas eram essas e em que se baseava Galileu para prova-las? A
principal, já acima apontada: o heliocentrismo, isto é, a teoria que afirmava
que o Sol estaria no centro do universo e que todos os astros, incluindo a
Terra giravam em torno dele. Tal teoria opunha-se radicalmente a outra,
milenar: o geocentrismo, a teoria que defendia que a Terra (Geia ou Gaia, em
grego) estaria no centro do universo e que todos os astros girariam em torno
dela, inclusive o Sol. Mas em que se baseavam os defensores de ambas teorias?
Os
defensores da teoria geocêntrica incluíam astrônomos e cientistas tradicionais
e a Igreja Católica. Com base em quê? Primeiramente, no senso comum, isto é, na
maneira corriqueira e cotidiana de ver as coisas, como os céus e a Terra: a) no
dia a dia, ninguém sente a Terra se mover, dando a aparência (no caso daquela
época, a certeza para muita gente) de que ela está parada; b) a percepção
visual de que o Sol vai de um lado ao outro do céu, durante o dia, e as
estrelas, os planetas e a Lua, no mesmo sentido, durante a noite. Além disto, se a Terra se movesse, as pessoas cairiam frequentemente!
Também
a presença na Bíblia (tomada como Palavra de Deus) de indícios de que a Terra
está parada e que os astros se movem em torno dela, como no caso apresentado no
livro de Josué cap. 10: “(...) Foi então que Josué falou a Iahweh [O Senhor, em
outras traduções], no dia em que Iahweh [O Senhor] entregou os amorreus aos
filhos de Israel. Disse Josué na presença de Israel: ‘Sol, detém-te em Gabaon,
e tu, lua, no vale de Aialon!’ E o
Sol se deteve e a lua ficou imóvel até que o povo se vingou dos seus inimigos.(...)”
(Josué, capítulo 10, versículos 12 a 13. O texto utilizado foi o da Bíblia de
Jerusalém, da editora Paulus). Outro trecho bíblico que reforçava o
geocentrismo é aquele em que, doente, o rei Ezequias foi avisado pelo profeta
Isaías, mandado por Deus, de que morreria logo. Mas Ezequias orou e implorou
humildemente a Deus e este prometeu, por comunicado repassado por Isaías, que
lhe daria mais quinze anos de vida e protegeria o povo de Israel do perigo da
Assíria. Como garantia de que isto seria realizado: “Ezequias perguntou: ‘Qual
o sinal de que subirei ao Templo de Iahweh [O Senhor]? Ao que respondeu Isaías:
‘Eis o sinal da parte de Iahweh [O Senhor] de que ele cumprirá a palavra que
pronunciou. Eu farei recuar dez
degraus a sombra que o sol avançou sobre os degraus da câmara alta de Acaz –
dez graus para trás.’ O sol recuou dez degraus sobre os degraus que tinha
avançado.” (Isaías, capítulo 30, versículos 1 a 8, texto completo.) (grifos meus)
Ezequias, inclusive, cantou de alegria! No primeiro texto, o Sol e a Lua param.
No segundo, o movimento do Sol retornou dez degraus! Então, o Sol e a Lua giram
em torno da Terra, quieta, paradinha, no centro do universo, trazendo com ela a
humanidade, feita à imagem e semelhança de Deus, conforme o livro bíblico do
Gênesis (Gênesis, capítulo 1). Papas reafirmavam o geocentrismo!
Outro
fundamento, além do senso comum e da Bíblia: a ciência! A ciência, até a época
de Galileu, era ainda, em muitos pontos, fundamentada nas ideias de Aristóteles
de Estagira, filósofo grego que viveu no século IV antes de Cristo. Aristóteles
foi discípulo de Platão, outro grande filósofo grego da antiguidade. A ciência
astronômica ainda tinha outro fundamento: Cláudio Ptolomeu, geógrafo e
astrônomo grego, que trabalhou na Biblioteca de Alexandria e que viveu no
século II da era cristã. Ptolomeu acrescentou epiciclos (círculos menores)
dentro das órbitas circulares dos planetas, no sistema geocêntrico que havia
sido defendido por Eudoxo de Cnido e Aristóteles, ambos discípulos do referido
Platão, na Academia, em Atenas.
A
nível político: da mesma maneira como havia uma hierarquia nos céus, havia
também na Terra. A hierarquia celestial: a Terra, no centro, quietinha, seguida
pela Lua, Mercúrio, Vênus, o Sol, Marte, Júpiter, Saturno e as estrelas fixas
em uma esfera, depois da qual só poderia haver o mundo celestial divino,
habitação de Deus. O movimento celestial era tido como um contínuo milagre
feito por Deus! (Isaac Newton, seguindo as pegadas de Galileu Galilei, entre os
séculos XVII e XVIII, descobriria que esse movimento é explicado pela força
universal da gravidade!) A hierarquia política, advinda do mundo medieval: Igreja
Católica, reis e senhores feudais, servos (e burguesia). Vale lembrar, ademais,
que novas igrejas vinham surgindo, chamadas protestantes, desde o século XVI
d.C., com Lutero, Calvino e outros reformadores. Nem a Igreja Católica nem os
reis católicos aceitaram gratuitamente perder terrenos e fiéis! Por vários
séculos, houve guerras de religião terríveis. O Concílio de Trento, que
seguiu-se à Reforma Protestante, reafirmou firmemente as teses religiosas
católicas, reconstituindo e recrudescendo a ação do Tribunal da Santa
Inquisição!
Derrubar
a teoria geocêntrica, portanto, seria uma empreitada difícil! Mas não
impossível. Curioso e persistente, Galileu fez muitas experiências a respeito
do movimento, da queda livre, criou e utilizou vários instrumentos (p. ex.:
planos inclinados com bolas e sinos para a contagem de tempo, pêndulos, dentre
outros), inventou o telescópio a partir da luneta criada pelos holandeses e
escreveu muito. Leu e analisou os textos de Copérnico! Fez observações em
grande quantidade e repetidas com o telescópio, conseguindo fazer, com esse
procedimento e cálculos precisos, uma série de descobertas, como, por exemplo:
manchas no Sol, crateras, vales e montes na Lua, luas em Júpiter, anéis em
Saturno, partes claras e escuras em Vênus, que deixavam claro que vinham de seu
movimento em torno do Sol. Tais descobertas puseram abaixo a teses aristotélicas
de astros celestiais etéreos (compostos por éter) puros, com composição
diferente da terrestre (Terra composta por quatro elementos).
Jogando,
repetidamente, bolas de diferentes pesos no chão e observando que chegavam ao
mesmo tempo, concluiu que a tese aristotélica de que o mais pesado chega
primeiro estava claramente errada e sem comprovação na prática.
A
partir de suas descobertas, anotou tudo, revisou, calculou e chegou à conclusão
de que Copérnico estava certo. Curiosamente, como o polonês, Galileu Galilei
percebia uma afinidade muito grande entre o universo e a matemática. Um
universo matematicamente definido, isto é, que só pode ser compreendido pela
linguagem em que está escrito, a linguagem matemática.
Reagindo
aos livros publicados por Galileu e ao perigo que representavam à ciência e à
visão religiosa tradicionais (inclusive protestante, porque baseada
literalmente na Bíblia), a Inquisição Católica o julgou, o fez abjurar de suas
“heresias” científicas e religiosas e o condenou, por conta da clemência papal,
à prisão domiciliar perpétua. Enfim, Galileu acabou ficando cego, mas não
desistiu de suas pesquisas e anotações através de um auxiliar. Até o fim, sabia
que o que havia descoberto acerca do universo e da natureza era certo e
comprovável. Seu murmúrio, no fundo, era interno, não o deixando negar para si
mesmo nem, consequentemente, para todos os outros que o seguiriam e estudiosos de sua época interessados em suas descobertas, as verdades
que com grandes esforços e muita genialidade, pesquisas e leituras, concluiu.
Para
saber mais:
http://plato.stanford.edu/entries/galileo/ à
Texto sobre Galileu Galilei da Stanford Encyclopedia of Philosophy
(Enciclopédia de Filosofia Stanford, da Universidade de Stanford, nos E.U.A.).
Em inglês. Podem ser usados tradutores online, como o Google Tradutor, além de
outros. Dão uma ideia boa do conteúdo.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Galileu_Galilei à
Texto sobre Galileu Galilei contido na Wikipédia, uma enciclopédia eletrônica
gratuita. Em português. Do lado esquerdo, numa coluna, podem ser clicadas
línguas em que o texto pode ser encontrado, em alguns casos com acréscimo de
informações! Por exemplo, em espanhol, que é uma língua bem próxima do
português!