Desde tempos muito antigos, os seres
humanos sempre demonstraram grande temor e fascinação diante do incompreensível
e das tremendas forças da natureza, até mesmo dos animais.
Diante do incompreensível, usando a
capacidade de observação e sua imaginação fértil, as pessoas passaram a crer na
existência de seres invisíveis, inteligentes e extremamente poderosos atuando
sobrenaturalmente no mundo, na realidade natural e até mesmo interferindo na
vida delas (as Parcas, da mitologia grega, por exemplo, teciam e cortavam o fio
da vida das pessoas).
Surgiram, então, deuses e deusas,
heróis, semideuses e semideusas, com uma enorme gama de mitos que foram criados
em torno deles. Cultos, lugares sagrados, templos, sacerdotes e sacerdotisas
também.
De acordo com os antigos mitos,
deuses e deusas controlam a natureza e as forças que nela atuam, pondo em ordem
o movimento de todo o universo (cosmos, segundo os gregos).
Com seu martelo, Thor, o deus viking,
ajunta as nuvens e libera a força dos raios, das chuvas e das tempestades,
trazendo água à terra, inclusive a cultivada, beneficiando, deste modo, a
humanidade, protegida pelos deuses e deusas. Por sua ação, Diana, a deusa
greco-romana, abençoa os caçadores com boa caça. Com sua carruagem, Hélios
(Apolo), deus greco-romano, põe, diariamente, o Sol em movimento.
Na natureza, portanto, atuam forças
sobrenaturais descomunais. E nas histórias de super-heróis de cinema, da TV e
dos quadrinhos? Super Man (Super-Homem) tem poderes imensos: consegue voar por
conta própria, é mais veloz que um foguete, tem força capaz de deslocar a Terra
e voltar o tempo para salvar sua amada Louise Laine, tem visão de raios-x,
libera raios laser pelos olhos quando necessário, etc., tudo em prol da
humanidade, sua protegida.
Como se pode ver, os super-heróis e
as super-heroínas, como os antigos deuses e deusas das mitologias, têm
superpoderes, muito além do homem comum.
Que mais têm os deuses e super-heróis
em comum? São muitíssimo poderosos, capazes de sobrepujar as forças naturais e
sobrenaturais, bem como os inimigos que os ameacem ou que ameaçam a humanidade,
são reverenciados pelas pessoas (em todos os cantos do mundo, praticamente,
encontram-se templos e\ou mitos), têm qualidades incomuns e superiores que os
tornam excepcionais, sobrevivem ao tempo. No caso dos deuses e das deusas, a
imortalidade e a eternidade; no caso dos super-heróis, uma vida longa e a
permanência na mente e nos relatos das pessoas; há, inclusive, heróis imortais,
como o mutante humano Wolverine (herói de histórias de quadrinhos e do cinema).
Os deuses, as deusas, semideuses e
semideusas das antigas mitologias eram cultuados em templos e altares, nas
casas, em bosques e outros lugares determinados, considerados sagrados, nas
cidades e no campo. Eram lembrados através de poemas e histórias, por meio da
oralidade e, tempos depois, por escrito. Suas estátuas e objetos a eles
relacionados rendiam bom dinheiro aos comerciantes das cidades.
Os super-heróis e heroínas do mundo
de hoje, por sua vez, são criados e divulgados através do cinema, da televisão,
das histórias em quadrinhos, dentre outros meios de comunicação social. Histórias são criadas e recriadas em torno deles
e delas e rendem bilhões de dólares anuais às indústrias cinematográfica, de
brinquedos, de reproduções em áudio-visuais para as casas, motivos de festas
infantis, além de enorme número de produtos que usam suas imagens e marcas.
Nos cinemas, ademais, as mitologias
grega, nórdica, até mesmo a sino-japonesa e outras aparecem com certa
frequência. A indústria cultural, de que falam os filósofos Theodor Adorno e
Max Horkheimer, em seus escritos, continuará a permanecer muito viva, forte e
atuante. A ela agregam-se o comércio dos filmes, de roupas, marcas e, como foi
dito, uma grande quantidade de produtos ligados à imagem dos super-heróis.
Agrega-se ainda uma boa dose de ideologia: o antigo Super Man (Super Homem)
usava roupas e capa com traços de cores da bandeira norte-americana. O atual e
o antigo, sempre se colocaram a serviço dos EUA, lembrando a todos os que veem
seus super-heróis e super-heroínas, claramente, o poder e a força militar,
aliada à econômica e política deste país, com sua forte influência no mundo.
Com certeza, os seres divinos das
antigas mitologias e os super-heróis são frutos seja de temores humanos (o
poder inexplicável dos raios e dos estragos que fazem, juntamente com as
chuvas, deu origem a Thor e a Zeus), seja dos desejos de superação dos limites
impostos pelos mundos natural e humano, seja de superação da morte
(imortalidade, vida longa), dentre outros anseios e necessidades, que foram
transformados pela imaginação em seres superpoderosos, capazes de combater e
vencer monstros, inimigos, seres perigosos e terríveis que põem em risco as
ordens cósmica e sócio-político-econômica, seu status quo. Seres fantásticos,
nascidos na história e em seus contextos de tempo e espaço.
Mas há algo mais: há deuses e deusas
das antigas mitologias que tem a visão do passado, do presente e do futuro,
juntamente com imensa sabedoria e conhecimento do mundo e da realidade humana.
Tudo veem, tudo sabem, são omniscientes! E os super-heróis e heroínas?
O que o Hulk, o Homem Aranha e o
Homem de Ferro têm em comum? Bruce Banner (Hulk) é biólogo e cientista. Peter
Parker (Homem Aranha) é o melhor aluno da escola de ciências em que estuda, a
namorada dele, que não tem superpoderes, também é extremamente inteligente e
culta. O Tony Stark (Homem de Ferro) é dono de indústrias eletrônicas, domina a
matemática, os conhecimentos eletrônicos, as ciências em geral. Pode-se ver que
os super-heróis têm excelente formação, estudam muito!
Dom Diego de la Vega (o Zorro), para
falar de um mais simples, é um homem culto! Indiana Jones é um arqueólogo e aventureiro, professor universitário, muito culto e extremamente inteligente e hábil. O pai do Super Man (Super-Homem)
era um grande cientista, culto e brilhante no planeta Kripton. E, na Fortaleza
da Solidão, seu filho (o Super-Homem) tem uma imensa biblioteca gravada em
cristais herdada do pai, através da qual pôde aprender muito a respeito do
universo, das galáxias, da Terra e sua natureza e do ser humano. Portanto, sem
estudo nem super-herói, na verdade, é ou pode ser super-herói. Educação é tudo!
E os vilões? Lex Luthor (inimigo do
Super Man) é cientista. O Duende Verde (inimigo do Homem Aranha) era um
industrial e inventor culto. O Doutor Octopus é cientista, grande conhecedor de
biologia, eletrônica e robótica. Bom vilão, que se preze, também dispõe de boa
educação!
Como se pode ver, para além da
pancadaria e da luta maniqueísta do bem e do mal há algo fundamental e
necessário: a educação formal (escolar e universitária), além da familiar. No
mundo da informação atual, dependente das tecnologias e do conhecimento
científico, heróis e vilões não ficam fora de seu uso, de seu conhecimento e de
um aprendizado primoroso e sólido, capaz de ajuda-los a vencer adversidades e
ajudar ou atazanar a humanidade!
As
super-heroínas e os super-heróis carregam consigo a sublimação de desejos,
temores, dos anseios, frustrações e sentimentos humanos, na ambivalência que se
põe entre o superpoder do herói (Super-Homem, Homem Aranha, Mulher
Maravilha...) e a fraqueza aparente que esconde a verdadeira identidade (Clark
Kent, Peter Parker, Diana...).
Essa
ambiguidade traduz-se no desejo das pessoas comuns de superar as adversidades
da vida e assinalam um pontinho de identificação psicológica com aquele homem
ou aquela mulher que escondem o herói, a heroína. E o poder de atração de
filmes, bem montados, e das histórias dos super-heróis é tão forte que muita
gente os deseja ver, desde crianças até jovens e adultos, decorrendo daí,
inclusive, o consumo de produtos variados a eles e a elas ligados.
Hoje, o consumo de filmes, roupas, acessórios,
fantasias, máscaras, brinquedos e outros objetos, carregados de um poder
místico, quase sagrado, aproximando o humano do heroico, o desejante do
desejado.
A
indústria cultural, hoje, observa e aproveita os elementos psicológicos que se
formam nas pessoas em torno do divino e do heroico, o fascínio que eles
despertam e usa esse material em suas propagandas e no constante incentivo ao
consumismo, com uma força tão grande que alia o fetiche (fetiche, em seu
sentido original, é feitiço, encantamento) à alienação, em que o eu arrisca
perder-se em meio ao coletivo desejo de consumo das mercadorias fetichizadas.
Curiosamente,
ao final de um filme, o herói e a heroína não morrem, mas recuperam forças e
poderes e vencem, enfim, seus inimigos, sobrepujando a adversidade e os
perigos, salvando também a humanidade. Estão sempre prontos a lutar a favor do
bem, como o deus Thor que, para retomar seu martelo, recuperar a deusa Freya,
que fora raptada, e salvar a humanidade, foi capaz de superar os ardis dos
throlls e vencê-los com seu martelo recuperado.
Também
é curioso notar como a indústria cultural cria o misticismo em volta de
esportistas, em particular, no Brasil, dos jogadores de futebol. Contudo,
diferentemente dos deuses das antigas mitologias e dos heróis de cinema, da TV
e das histórias em quadrinhos, os e as esportistas são seres sujeitos a mais
fraquezas. No entanto, simbolizam igualmente desejos e anseios de superação das
adversidades e dos desafios. Quando vencem, são glorificados. Mas, quando
falham, são cobrados!
É
interessante notar que, assim como os antigos deuses e deusas das antigas
mitologias, como os heróis heróis e as heroínas, os jogadores e outros
esportistas representam a imagem da superação e da excelência, tão desejados
pelos meros mortais. E, em volta dessa imagem, as propagandas de produtos é
constante, auferindo bilhões de reais às empresas e indústrias que têm seus
produtos ligados à imagem de cada esportista, de cada super-herói, de cada ator
ou atriz de TV, de cada modelo, imagem também de sucesso, da beleza e da
riqueza, imagem moldada, construída e cuidadosamente elaborada para tornar-se
objeto de desejo e reforçar o desejo de consumo de bilhões de pessoas no mundo
todo de mercadorias, marcas, bens e serviços diversos. Tornam-se objetos de
veneração, ainda que momentânea (passageira).
Enfim,
com certeza, nos super-heróis cinematográficos, na imagem criada de atores,
atrizes e desportistas mesclam-se o fascínio, o desejo e o consumo, a ânsia de
superação da fraqueza e das frustrações, a fantasia, a ilusão e o perigo de
perda da identidade, veneração, ideologia, consumismo e alienação que este cria
e reforça.
Professor(a), você pode explorar este texto,
juntamente com outros excelentes textos que venha a encontrar, em sala de aula.
Aprofunde a análise, solicite trabalhos a respeito de deuses e deusas antigos
(semideuses e semideusas também), sobre os super-heróis do cinema, da TV e das
histórias em quadrinhos. Temas que podem ser aprofundados: o divino e o humano,
ideologias na antiguidade e hoje, indústria cultural, dentre outros
relacionados à proposta apresentada. Outro ponto que você pode trabalhar com as turmas é a educação dos super-heróis, das super-heroínas, a necessidade, o valor e a importância da educação e do conhecimento do mundo na vida das pessoas.