Há filmes muito interessantes que podem ser utilizados no ensino de filosofia. Estes podem enriquecer muito o aprendizado desta matéria/área de estudo escolar. Abaixo vai o comentário sobre o filme ALEXANDRIA. Pode ser trabalhado com os seguintes propósitos: estudo da ciência antiga; introdução do pensamento helenístico presente em Alexandria na época da decadência do Império Romano; discutir o confronto entre religiões diferentes (no filme aparecem o paganismo, o cristianismo e o judaísmo); discutir as ideias da filósofa, matemática e astrônoma Hipácia; radicalismo religioso; outros (imagine e faça bom proveito). Cabe a você, professor, professora, de Filosofia imaginar e descobrir como poderá usar o filme. Pode ser usado também interdisciplinarmente com a História, a Física, a Matemática e outras áreas.
O comentário abaixo é simples e pode ajudar na introdução e/ou conclusão da assistência do vídeo. Pode ser enriquecido, corrigido e complementado. Bom proveito!
Pesquisas complementares podem ser feitas pelos e pelas estudantes, aprofundando ainda mais o aprendizado de conteúdos presentes no filme.
Comparações com o mundo atual (século XXI) podem ajudar a fazer uma ponte entre o presente e o passado.
FILME ALEXANDRIA (ÁGORA) – COMENTÁRIO (Prof.
José Antônio Brazão.)
O filme ALEXANDRIA (ÁGORA) conta a história da
astrônoma e matemática, filósofa, Hipácia (ou Hipatia), uma das grandes mentes
do mundo antigo, representada pela atriz Rachel Weisz. O período referido no
filme é o dos séculos IV/V d.C., momento em que o Império Romano, dividido,
vinha encontrando grande decadência, particularmente o do Ocidente.
Alexandria, uma das maiores cidades do
Norte do Egito, dispunha de um grande farol e de uma biblioteca que contava com
excelente e extenso acervo de livros, conservando muito do conhecimento produzido no mundo
antigo. Ali havia pesquisadores, estudiosos, pessoas de ciência, gente que
investigava desde a matemática, passando pela história, até o cosmos. E tanto
essa biblioteca quanto Hipácia existiram de fato, são históricas.
O filme inicia-se com Hipácia lecionando e
debatendo, com seus estudantes, ideias acerca do movimento (circular e
perfeito, dos astros, e retilíneo e imperfeito, dos objetos na Terra) e do
universo. Eles expõem questionamentos relativos ao pensamento de Ptolomeu
(astrônomo, matemático e geógrafo que viveu no século II d.C. e que havia
trabalhado na Biblioteca de Alexandria). Este, em seu livro Almagesto, havia proposto um
aperfeiçoamento do sistema geocêntrico, colocando nele epiciclos (círculos
menores nas órbitas dos planetas), a fim de explicar as variações observadas, de tempos em
tempos, no movimento planetário. Vale a pena observar que tais observações dos
astros eram feitas a olhos nus! O próprio filme mostra isto, em alguns momentos
em que Hipácia, com seu auxiliar, observa(m) os céus.
Um dos estudantes de Hipácia, durante a
aula, fala do caráter aleatório (incerto, impreciso) do sistema geocêntrico
ptolomaico, por causa dos epiciclos. Hipácia, mesmo mantendo a perspectiva
ptolomaica, guardou aquele questionamento e, como o filme mostra, procurou
respostas, fez observações, pesquisou, avaliou. Entre os estudantes de Hipácia
encontravam-se pagãos, cristãos, judeus, até mesmo um escravo. Esse escravo,
que servia Hipácia e acompanhava suas aulas, montou, com fibras e madeira, um
modelo do sistema ptolomaico.
O filme mostra cenas em que aparece o
comércio e a grandeza da cidade de Alexandria, banhada pelo Mar Mediterrâneo.
Cidade grande e próspera, vital dentro do Império Romano.
A ideia da aleatoriedade do movimento dos
astros tocou um aluno cristão, que defendeu a ação não aleatória do Deus
cristão, Criador do universo, perfeito, eterno e todo-poderoso. Um conflito
gerou-se entre os dois alunos. Hipácia, ao pôr um fim no perigo de
radicalização da discussão, pediu ao aluno cristão que falasse do que Euclides,
o antigo matemático grego, dizia no início de sua obra (Elementos). A igualdade
entre termos matemáticos, como Hipácia compara, corresponde à igualdade humana
entre as pessoas, como entre ela e seus alunos e destes entre si e com ela.
O nome dos planetas, como aparece no filme
e que corresponde ao significado do termo na língua grega, é errantes (os
errantes, como os estudantes de Hipácia a eles se referiam). Por quê? Porque
aparentemente erravam, de tempos em tempos, a exatidão de seu caminho circular.
O nome refere-se ainda a vagantes, caminhantes, por vagarem pelos céus ao redor
da Terra, como se acreditava no sistema geocêntrico (com a Terra [Geia, em
grego] parada no centro).
O filme mostra o amor do escravo servidor
de Hipácia e de um de seus alunos por ela. Este último, aproveitando um momento
de teatro em que muitos pagãos encontravam-se reunidos, declarou seu amor pela
filósofa, matemática e astrônoma. Contudo, no dia seguinte, Hipácia
entregou-lhe, durante a aula, um pano contendo sangue de sua menstruação
declarando que não podia aceitar casar-se com ele. O pai de Hipácia, numa
conversa com amigos, declara o quanto percebia a independência da filha e o
desejo desta em mantê-la para poder dedicar-se aos estudos, às pesquisas e ao
ensino.
É interessante notar como o filme faz um
constante movimento entre o mundo intelectual, o mundo social, político e
religioso daquele tempo, em Alexandria, no Império Romano. Com efeito,
Constantino, um dos imperadores romanos, havia se convertido ao cristianismo e,
além dele, os imperadores que se seguiram, procuraram incorporar essa religião
no âmbito do poder. Em Alexandria conviviam, não pacificamente, três grandes
religiões: o paganismo, o cristianismo e o judaísmo, além de pensadores, como
Hipácia, que mesmo nascida entre pagãos, tinha ideias independentes.
Os pagãos mantinham o culto ao deus
Serápis, governante do universo, que carregava em sua cabeça um vaso de flores
como coroa, além de outros deuses antropomorfizados (com formas humanas). Os
cristãos, por sua vez, negavam qualquer poder a tais deuses, pondo, inclusive,
desafios aos pagãos, como o cristão Amônio, que atravessou o fogo sem se
queimar. Para os cristãos os deuses pagãos eram mudos, cegos e sem qualquer
poder. O local em que se pôs a discussão foi a ÁGORA (vale lembrar que o nome
original do filme é ÁGORA), espaço reservado, desde os gregos, para debates e
exposição de ideias, nas cidades-estados. Alexandria não era uma cidade-Estado
separada. Era, sim, agora, uma cidade do Império Romano.
O filme mostra conflitos graves causados
pelo radicalismo religioso e pela busca do domínio político. Pagãos matam
cristãos, cristãos (maioria) matam pagãos, judeus matam cristãos e vice-versa.
Tudo em nome das verdades de fé defendidas pelos religiosos. Os conflitos
acabam refletindo-se na destruição da Biblioteca de Alexandria. Hipácia, com
seus estudantes e outros intelectuais que ali trabalhavam, empenharam-se por
salvar tantos livros quantos pudessem salvar, após um conflito envolvendo
mortes entre pagãos e cristãos. Numa noite, discutindo com outros acerca do
movimento dos astros, um homem de idade, pagão, também refugiado na biblioteca,
lembrou o nome de Aristarco, antigo astrônomo e matemático grego que chegou a
defender o heliocentrismo (sistema astronômico que põe o Sol no centro do
universo). O intelectual pagão recorda que o livro de Aristarco já estivera naquela biblioteca, porém perdeu-se, por causa de uma destruição anterior pela qual ela tinha passado.
A intervenção do imperador e dos governantes locais ocorria, mas,
por causa de serem cristãos, defendiam estes, salvando a vida dos pagãos
refugiados e dando direito aos cristãos de invadirem a biblioteca.
O filme mostra como a biblioteca, arrasada,
tornou-se local de criação de animais e de celebrações cristãs, perdendo seu
caráter inicial. Anos depois, quando as coisas foram se acomodando, Hipácia, em
sua residência, continuou mantendo escritos que pôde salvar e atendendo
crianças, a quem se dispôs ensinar. Ali,
essa mulher, essa grande intelectual, pôde também fazer pesquisas, ainda
intrigada pela questão acerca da aleatoriedade do sistema ptolomaico. O
estudante que a amava tornou-se prefeito de Alexandria e, acompanhando-a em um
passeio de barco, pôde vê-la fazendo uma experiência acerca da queda dos
corpos: com o barco em movimento, Hipácia pediu a seu auxiliar para subir com
um saco pesado ao alto do mastro central. Hipácia disse ao prefeito e amigo
que, de acordo com a visão vigente, o saco, ao cair, não cairia em linha reta,
mas sofreria um desvio. Ela, inclusive, se pôs a uma certa distância, mas, constatou
que o saco caiu em linha reta e não desviou-se, por alguma razão que ela
desconhecia. Continuou fazendo observações.
Nesse meio tempo, os conflitos religiosos,
sociais e políticos continuavam em Alexandria, agora com força entre judeus e
cristãos. Assassinatos e perseguições ocorreram, tanto pelo radicalismo de uns
quanto pelo radicalismo dos outros. Judeus mataram cristãos em uma igreja, em
uma armadilha, e os cristãos, além da resposta violenta, com mortes, expulsaram
muitos elementos da comunidade judaica da cidade, obrigando-os a um exílio.
Hipácia, em um debate ocorrido entre os religiosos e o prefeito, criticou o
radicalismo, mantendo sua independência.
Os líderes religiosos, especialmente os cristãos, não a viam com
bons olhos. Ela própria, questionada acerca de suas crenças, defendeu-se
dizendo que reconhecia crer na Filosofia. Enraivecidos, aqueles procuravam um
meio de matar a filósofa, matemática e astrônoma, vendo nela um empecilho e
alguém que exercia forte influência sobre o prefeito. Impuseram a conversão dos
notários/nobres pagãos, buscando, com isto, aumentar seu poder e sua
influência.
Em seus estudos, em suas observações, à
noite, após ter refletido bastante e ter feito cálculos, com seu auxiliar, no
filme, acabou por desconfiar e a afirmar o movimento elíptico dos planetas em
torno do Sol (heliocentrismo). Fez até
mesmo uma experiência, colocando duas tochas representativas do Sol, amarrando
uma corda em ambas e desenhando uma elipse numa caixa de areia. Hipácia quis
compartilhar com amigos seus, um que era prefeito e outro que, tornado cristão
anos antes, havia se tornado bispo de Cirene. Ao amigo bispo (ex-aluno)
mostrou, em visita que este lhe havia feito, um cone de madeira, com recortes
de figuras e linhas geométricas (cone, círculo, hipérbole, parábola e elipse),
de um outro antigo matemático grego.
Os conflitos foram se radicalizando entre
os religiosos, Hipácia teve que passar a ser acompanhada por soldados, por ser
cidadã romana e por estar em risco de morte. O bispo de Alexandria, com ajuda
dos parabolanos (uma milícia cristã) e da maioria de cidadãos cristãos, acabou
alcançando o poder. O prefeito de Alexandria foi lembrado por Hipácia acerca
dessa perda e da vitória do bispo cristão dessa cidade. Chegou a um ponto em
que acabou deixando a proteção que a seguia e entregou-se aos parabolanos, que
acabaram por mata-la, apedrejando-a e esfolando seu corpo, arrastado pela
cidade.
Um fato que aparece no filme, constantemente, é o movimento de imagens do universo, da Terra, do norte da África, mais especificamente, do Egito e da cidade de Alexandria, estabelecendo um nexo valioso entre a grandeza do cosmos e a grandeza do pensamento humano que o investiga (Hipácia e outros membros da Biblioteca de Alexandria), entre a grandeza do cosmos e a pequeneza de mentes que provocam conflitos humanos, entre o macro e o micro-universo.
O filme é muito rico e cheio de detalhes,
contendo informações sobre a cultura, a ciência, a matemática, a filosofia, a
religião, a sociedade, a economia, a política e as contradições existentes na
cidade de Alexandria, nos fins do Império Romano, no Norte da África (no Egito,
uma das províncias desse império). Mostra a grandeza da figura dessa mulher que
foi Hipácia e do seu empenho em favor do conhecimento e da descoberta das
verdades que se encontravam escondidas no universo. Vale a pena, aqui, citar um
vídeo que apresenta a biblioteca de Alexandria, como provavelmente foi, e sua
grandeza, em uma parte: COSMOS, episódio 1, do astrônomo e cientista
norte-americano Carl Sagan (já falecido). Este vídeo pode ser encontrado na
videoteca da TV ESCOLA e no YOUTUBE. Sagan até mesmo menciona a figura de
Hipácia, seu trabalho na biblioteca de Alexandria, junto com outros
intelectuais, e sua morte, causada, sem dúvida, pelo radicalismo religioso.
Vale a pena atentar para uma cena em que são mostrados cristãos discutindo acerca da redondeza ou planura da Terra: "Se a Terra é redonda, por que as pessoas debaixo não caem?" Outro defendeu a crença no universo baú (arca), com os astros fixos a tampa (céus) e a Terra, plana, embaixo.
Vale também observar como no filme aparece a desigualdade social, com pessoas pobres destituídas de tudo, auxiliadas pela caridade religiosa e nas ruas. É curioso observar no comentário de Sagan, no documentário citado (Cosmos, episódio 1), como o conhecimento da biblioteca não era acessível a todos, nem voltado para todos, daí a falta de sentimento de valorização daquele ambiente pela população empobrecida e radicalizada. Junto com isto, sem dúvida, o perigo que o conhecimento (descobertas, ideias novas, informações e estudos) podia pôr em risco ideias religiosas, fundamentadas em dogmas e em textos sagrados definidos divinamente, doutrinariamente, com a religião e a política caminhando juntas.
O filme, efetivamente, é muito rico em detalhes. Professor(a), é preciso estar atento(a) para tais detalhes, resultado de muita pesquisa de quem escreveu e dirigiu essa obra tão rica e valiosa para o ensino de Filosofia e, sem dúvida, também de outros conteúdos (áreas) de ensino escolar, no Ensino Médio. No Fundamental também. E lembre-se: atente para a faixa de idade indicada no filme.
Do filme podem resultar:
Debates.
Resumos.
Pesquisas na biblioteca e/ou no laboratório de informática da escola ou em casa, conforme cada caso. E trazer o resultado dessas pesquisas para dentro da sala!
Elaboração de slides pelos e pelas estudantes, a partir do que foi visto, debatido e/ou da pesquisa.
Uma tabela comparativa sobre a visão de mundo antiga dos pagãos, dos cristãos e dos judeus (no filme eles aparecem).
Enfim, crie! No mais, bom proveito e excelente aprendizado para os seus e as suas estudantes.