terça-feira, 19 de junho de 2012

CRIOGENIA: É POSSÍVEL VIVER ETERNAMENTE NA TERRA? EM CASO DE POSSIBILIDADE, QUE PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS? (Professor José Antônio Brazão.)

Criogenia é o processo de congelamento de corpos de seres humanos e animais com a finalidade futura de ressuscitá-los, passados muitos anos, quando as técnicas científicas e medicinais tornarem isto possível.
Nas últimas semanas, uma reportagem tem aparecido com frequência nos jornais televisivos, em revistas e jornais escritos: o caso da filha que, após a morte do pai, já bem idoso, decidiu congelá-lo. Para tanto, ela tem pagado pelo serviço de se manter o corpo paterno em hibernação criogênica, até poder enviá-lo para uma empresa especializada em criogenia nos Estados Unidos da América. Levou-a a isto o amor pelo pai e o desejo de reencontrá-lo.
Mas será possível conter indefinida ou definitivamente a morte?
Sem dúvida, a contenção definitiva da morte é um desejo intenso dos seres humanos, um desejo muito antigo, cujas principais representantes são as religiões. A vida eterna é desejada, ansiada. No campo da ciência, os alquimistas antigos buscavam o elixir da vida eterna, uma substância que teria os poderes de manter viva, indefinidamente, a pessoa que a tomasse. E há séculos e décadas que cientistas e empresas de todo o mundo entram na corrida pela extensão da vida: remédios, avanços da medicina, vacinas, pesquisas biológicas e farmacêuticas, a pesquisa sobre criogenia, dentre outros estudos, são provas disto.
A própria preocupação, passada e muitíssimo atual, de cuidar do corpo e da saúde, também frequentemente presente nos meios de comunicação social e nos cuidados de muitas pessoas, é uma forma que os seres humanos têm de buscar prolongar, o máximo possível, o tempo de vida, tamanho o valor que esta tem para todos!
Há animais na natureza que, de fato, conseguem, após um longo período de hibernação, ter o funcionamento de seus corpos retomado quando o inverno passa e iniciam-se a primavera e o calor. Sementes. Porém, mesmo naquele estado letárgico em que encontram no inverno ainda há vida. Os ursos, nesse período, perdem, inclusive, peso. Há sapos que, tendo o sangue saturado de açúcar, conseguem sobreviver por um bom tempo congelados. Mas o fato é que estão vivos.
A história natural tem mostrado que a morte é algo que já vem programado no DNA (ácido desoxirribonucléico) dos seres vivos. Em debate com os estudantes de uma turma de primeiro ano do Ensino Médio sobre a questão, em junho de 2012, um aluno lembrou que "os seres vivos nascem, crescem, se reproduzem e morrem", ao que acrescentei que reciclam, ou seja, as matérias-primas, orgânicas e inorgânicas que formam os corpos retornam à natureza, servindo inclusive de alimento a outros seres vivos - bactérias, protozoários e outros seres unicelulares, plantas e outros. O solo da Amazônia, por exemplo, não se torna um deserto porque as árvores e folhas mortas das plantas, pequenos seres vivos e animais mortos se decompõem e entram no ciclo natural, possibilitando assim que outros seres vivos possam viver. A morte, portanto, como se pode ver, é parte integrante do ciclo natural.
Estrelas, que não têm vida orgânica propriamente dita, morrem e seus materiais transformam-se em matéria-prima para a constituição de outros astros do universo e até mesmo da vida. De acordo com a astronomia e outras ciências na atualidade, cada ser humano é constituído de poeira estelar. Carl Sagan, cientista já falecido, em um dos programas da série Cosmos, toca nessa questão da poeira estelar produtora da vida. Essa morte estelar é, pois, outra prova de que a morte faz parte da natureza e do universo.
No entanto, os seres humanos desejam tanto a vida que querem torná-la algo contínuo, indefinido, eterno, tanto a própria quanto a de entes queridos, sejam eles pais, mães, filhos, amigos ou até mesmo animais. Há animais mortos mantidos em sistemas criogênicos, na espera de ressurreição futura! É um fato. O amor, sem sombra de dúvida, leva pessoas a buscar isto. O valor que aquela pessoa morta ou aquele animal morto tem para a pessoa que continua viva é fundamental para a escolha da criogenia.
A morte, na natureza, tem várias funções: faz parte do ciclo natural (geração, nascimento, crescimento, reprodução, morte e reciclagem natural), como já exposto, tornando possível a reciclagem de matérias necessárias a outros seres vivos novos, que podem, assim, nascer e desenvolver-se; desocupa espaço (imaginemos quão reduzido seria o espaço, hoje, na Terra, se todos os seres vivos e pessoas do passado estivessem no mundo!), sendo que hoje se fala muito em superpopulação mundial; evita, portanto, prejuízos maiores ao meio ambiente; possibilita o nascimento e o desenvolvimento de outros seres vivos e espécies; impõe limites a coisas boas (infelizmente), mas também a coisas ruins (a permanência indefinida de ditadores no poder, por exemplo); a morte impulsiona também o processo de evolução dos seres vivos e o surgimento de novas espécies, como a morte (extinção) dos dinossauros possibilitou que mamíferos evoluíssem até o surgimento do homo sapiens; indubitavelmente, outras  funções poderiam ser colocadas.
Não se pode, simplesmente, dizer que a proposta da criogenia-ressurreição seja impossível. Voar era considerado impossível para muitas pessoas no passado mais distante. Mas, em caso de possibilidade de ressurreição por um processo científico de criogenia e ressurreição controlada, que implicações positivas e negativas isto poderia ter? Novamente, retornando ao debate feito com estudantes em sala de aula: o reencontro com pessoas amadas que foram congeladas no passado e, num dado momento futuro, ressuscitadas; a possibilidade de ver muitas coisas novas que no futuro (momento da ressurreição) existirão; a alegria de poder viver novamente; conhecer e conviver, ao vivo, com parentes e outras pessoas do passado distante; viagens; etc.
E que pontos negativos poderia apresentar?
1) Dificuldade de redução do contingente de pessoas na Terra, afetando ainda mais seriamente o meio ambiente, mesmo no caso de os seres humanos aprenderem formas e terem atitudes muito racionais de cuidado da natureza. Pois um outro fato é certo: além da extensão da vida (neste caso, indefinidamente), a reprodução da espécie continuará existindo e demandando alimentos, cuidados, etc., cujos materiais são e serão exigidos da natureza. 
2) A acessibilidade de poucas pessoas que, realmente, podem e poderão pagar pelo processo. Aquela mulher que solicitou o congelamento do pai paga mais de oitocentos reais por dia, milhares de reais por mês! A maioria das pessoas vive com salário mínimo mensal e muitas outras no mundo resistem em sobreviver com menos de um dólar por dia. É, portanto, uma questão ética intensa, quente, do embate entre o direito natural de cada ser humano (presente, inclusive, em leis internacionais) e o direito/poder econômico, entre inclusão de poucos privilegiados economicamente e a maioria excluída até mesmo de bens fundamentais à vida. 
3) O congelamento e a subsequente ressurreição de ditadores e de pessoas que praticam terríveis males à humanidade, tendo em vista o poder econômico de que dispõem e a possibilidade real de poderem pagar pelo serviço criogênico e de posterior ressurreição. Ora, as empresas de criogenia precisam de dinheiro, como quaisquer outras, independentemente de vir de pessoas comuns ou de ditadores ou outros. 
4) No caso de ressurreição de ditadores e praticantes de ações contrárias aos direitos humanos (escravizadores, por exemplo), os males que poderiam se abater sobre as sociedades são muito possíveis, ainda mais que existem seguidores, ainda hoje, de ideias radicais e perigosíssimas do passado, algumas das quais levaram a guerras e ditaduras horríveis, ao sofrimento e à morte efetiva de milhões de pessoas. Já se pensou se ressuscitassem Al Capone, Hitler, Mussolini, chefes de grupos cujas ações são contrárias aos direitos humanos, etc.? Há grupos, inclusive paramilitares, que dispõem de dinheiro suficiente para pagar pelos serviços da ciência.
5) Ciclos naturais seriam desfeitos, como os já apresentados, pondo em xeque o equilíbrio da natureza. As funções naturais da morte seriam postas abaixo.
Outros pontos podem ser postos e devem igualmente ser discutidos. Fica o convite a leitoras e leitores para que pensem nisto e ajudem a ampliar o debate.
Essas e outras possibilidades negativas, que poderiam (ou podem) se tornar reais, não podem, jamais, ser descartadas. Perderiam (ou perderão) os seres humanos, perderiam (ou perderão) a natureza e os demais seres vivos. Esses perigos precisam ser levados em conta nos debates sobre a questão. Novamente, fica o convite a que todos pensem nisto.
Aqui não há qualquer interesse de criticar pessoas que apelam para a criogenia. Elas devem ser respeitadas e seus direitos assegurados, sem sombra de dúvida.
No caso das escolas, que professoras e professores ponham em discussão essa questão e aquelas que junto com ela caminham, algumas das quais aqui apresentadas. A discussão aqui proposta não acabou. É preciso que continue. Professoras e professores de Filosofia, Ciências, História e demais áreas de conhecimento estudadas nas escolas, lancem um debate, um questionamento e uma reflexão sobre a questão.