sexta-feira, 16 de abril de 2010

FILOSOFIA MODERNA - OBSERVAÇÃO E EXPERIMENTAÇÃO. (Professor José Antônio Brazão.)

A palavra “empirismo” vem do termo empeiria, que, no grego, significa experiência. Esta refere-se ao contato direto com o mundo por intermédio dos cinco sentidos – olfato, tato, paladar, visão e audição. Os cinco sentidos fornecem para a mente informações as mais diversas, tais como cheiros, sensações táteis (dureza, aspereza, suavidade, calor, etc.), sabores diferentes, sons de vozes, de músicas, dentre outras sensações. A partir daí, de acordo com os empiristas, a mente trabalha as informações recebidas pelos sentidos, forma ideias e elabora conhecimento acerca da realidade. Portanto, para os empiristas não existem quaisquer ideias inatas, como acreditava Descartes.
No mundo moderno, o empirismo corre passo a passo com as descobertas científicas, que fizeram grande uso da observação, da experimentação e do contínuo trabalho da razão, elaborando e reelaborando ideias, tirando conclusões e construindo novas teorias. A observação, aliada à experimentação, foi fundamental para as descobertas de Copérnico, Galileu Galilei, Johannes Kepler, Isaac Newton, os desenhos anatômicos e de engenharia de Leonardo da Vinci, dentre outros. A verdade não é fruto de idéias inatas, mas de todo um trabalho da razão com base nos materiais fornecidos pelos sentidos: sensações, formas, cheiros, cores, etc.
Aliada à observação e à experimentação, Galileu Galilei soube aliar a matemática, a ponto de vir a dizer que os caracteres nos quais o universo está escrito são círculos, triângulos e outras figuras matemáticas, geométricas, além de números. Os números permitem calcular distâncias, ângulos, posições de objetos e astros, a velocidade, dentre outros cálculos fundamentais às ciências, possibilitando fundamentar rigorosamente as descobertas feitas. Para calcular distâncias é também preciso o uso da visão, que permite ver o quanto um corpo dista de outro.
Além disto, o uso de instrumentos no trabalho empírico. Os instrumentos, com efeito, são uma extensão dos sentidos e do próprio corpo, permitindo a este realizar tarefas que sozinho não conseguiria, como, por exemplo, usando o telescópio, ver crateras na Lua e luas em Júpiter. A posição dos astros nos céus, naquele tempo, teve o auxílio de instrumentos como o astrolábio, o sextante e a bússola. Nos cálculos e no trabalho de chegada de conclusões, a razão trabalha a todo momento, passo a passo com a observação e a experimentação.
Dentre os principais filósofos empiristas modernos destacam-se John Locke e David Hume. Para John Locke (1632-1704), filósofo inglês, não existem ideias inatas, como acreditava Descartes. As ideias são fruto daquilo que é captado pelos sentidos. Para ele, a mente é como um papel em branco (tabula rasa, expressão em latim usada por Locke), no qual nada está escrito inicialmente, ou seja, no qual não há idéias pre-existentes ao nascimento. As informações vão sendo colocadas (“escritas”) na mente a partir do contato com o mundo ao redor, por meio dos cinco sentidos. A respeito disto, a Encarta comenta: “Seu pensamento filosófico, desenvolvido em Ensaio sobre o entendimento humano (1690), destacou o papel dos sentidos na busca do conhecimento. Locke afirmava que a mente, no momento do nascimento, é como uma folha em branco sobre a qual a experiência imprime o conhecimento.” (Enciclopédia Microsoft® Encarta®. © 1993-2001 Microsoft Corporation.).
Para Locke existem dois tipos de ideias, surgidas a partir com contato empírico com o mundo: as ideias simples e as ideias compostas. Ideias simples são ideias que se referem a um ser específico, particular, como, por exemplo, cavalo. Cavalo, na mente humana, refere-se a um animal concretamente existente na natureza, perceptível pela visão e por outros sentidos, como o tato – pode-se, de fato, tocar um cavalo. As ideias compostas, por sua vez, como o próprio nome diz, resultam da composição de uma ou mais ideias simples, como, por exemplo, minotauro: um ser da mitologia grega que tinha corpo humano e cabeça de touro e que vivia num labirinto. Na ideia de minotauro fundem-se as ideias simples de homem e de touro, formando uma ideia composta.
A partir das ideias, tanto simples quanto compostas, surgidas do contato empírico com o mundo, o conhecimento humano é elaborado. Curiosamente, Locke conhecia os textos de Newton e, juntamente com ele e Robert Boyle, foram “membros fundadores e iniciais da Sociedade Real Inglesa [English Royal Society]” (http://plato.stanford.edu/entries/locke/ ) , dedicada a estudos e discussões no campo das ciências. Como se pode ver, as conclusões a que Locke chega a respeito do conhecimento humano, defendendo como base primeira deste a experiência sensorial, são fruto também de estudos científicos de seu tempo, os quais aliavam, como foi acima dito, a observação, a experimentação, a matemática e o uso dos instrumentos, aliados ao trabalho da razão, que compõe e recompõe continuamente ideias a respeito do mundo, com base no material enviado à mente pelos sentidos humanos. Aqui pode-se ver claramente o quanto filosofia e ciência vão andar juntas.
Mas como é possível elaborar leis universais com base na experiência sensorial, sendo que esta é imediata, direta e cujos objetos percebidos, captados, estão em constante fluxo? Outro filósofo, um escocês, chamado David Hume (1711-1776), buscou a resposta para essa questão e concluiu, em seu livro Investigação sobre o entendimento humano, de 1748, que o que possibilita a elaboração de leis universais, científicas, como as leis de Newton e outra, é o HÁBITO. De tanto perceber as coisas ocorrendo sempre da mesma maneira na natureza, uma vez, duas vezes, três, repetidamente, de forma habitual, cotidiana, os seres humanos aprenderam a formular leis naturais gerais, acreditando que os fenômenos naturais que ocorrem hoje, neste momento, ocorreram no passado e ocorrerão no futuro. No entanto, o hábito não fornece certezas absolutas. Pode haver a possibilidade que amanhã um fenômeno ocorra de outra forma, no entanto o hábito nos faz acreditar que ocorrerá como foi hoje e como foi ontem. O conhecimento humano, incluindo-se nele o conhecimento científico, é fruto do hábito, sendo as experiências sensoriais repetidas, sem dúvida, fundamentais.
David Hume renega a metafísica idealista, a qual trabalha com puros entes ideais, sendo uma de suas bases a crença nas ideias inatas, lidando, portanto, puramente com conceitos abstratos. Ao desprezar o trabalho da experiência e ao colocar como engano aquilo que é fornecido pelos sentidos, a metafísica cai em ilusões, servindo suas conclusões para uma única coisa: que sejam postas no fogo, como Hume conclui ao final da Investigação, supracitada.
Para mais informações, consulte:
Enciclopédia Microsoft® Encarta®. © 1993-2001 Microsoft Corporation.
http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Locke
http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Hume
Em inglês:
http://plato.stanford.edu/entries/locke/
http://plato.stanford.edu/entries/hume/

quarta-feira, 7 de abril de 2010

USANDO A RECICLAGEM NO ENSINO DE FILOSOFIA - OS PRIMEIROS FILÓSOFOS GREGOS (Professor José Antônio Brazão.)

Em grupos de quatro a cinco estudantes.
Montar kits contendo materiais básicos da natureza, fazendo uso de materiais recicláveis.
Primeiro kit (TALES DE MILETO): Material: Uma garrafa plástica de refrigerante com água. Para Tales tudo veio da água! A água é a arqué primordial.
Segundo kit (ANAXÍMENES DE MILETO): Material: Uma garrafa plástica vazia. Para Anaxímenes todo veio do ar! O ar é a arqué primordial.
Terceiro kit (ANAXIMANDRO DE MILETO): Montar um relógio do Sol. Material: um pedaço de papelão quadrado, uma vara de bambu ou palito grande, canetinha. Fazer um furo no centro do papelão e, ao redor dele, desenhar, com a canetinha, um relógio. No centro, afixar a vareta. Pronto. Agora é apontar o relógio em direção do Sol, experimentando o que Anaximandro fez, cerca de seis séculos antes de Cristo, ao elaborar um relógio do Sol com um bastão. A experiência de Anaximandro teve uma grande importância: provou que o tempo, antes considerado divino (Cronos era um deus grego), agora podia ser medido e subdividido em partes menores. Isto permitiu a Anaximandro, inclusive, estudar e fazer uma medida das estações do ano.
Quarto kit (EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO): Montar um “ladrão de água”. Material: Uma garrafa plástica de refrigerante de 2 a 3 litros vazia, uma garrafa de detergente líquido vazia e sem restos de sabão. Como fazer: (a) Corte a parte superior da garrafa de 2 a 3 litros, de modo a formar um funil com essa parte e separar a parte debaixo. (b) Faça, com um prego grosso, oito furos na base da garrafinha de detergente, de tal modo que possa passar água por baixo. A experiência é simples: coloque água dentro da parte inferior da garrafa cortada e, a seguir, introduza a garrafinha de detergente furada. Num primeiro momento, imerja a base da garrafinha na água e, ao estar um pouco cheia, feche a entrada e retire. Você verá que a água que entrou não caiu e só cairá se você soltar o gargalho antes fechado. Num segundo momento, imerja-a tampada e, depois, retire-a. Você verá que a água não entrou. Empédocles fez uma experiência semelhante a esta e descobriu que o que impede a água de entrar, no segundo movimento, é o ar interno presente no “ladrão de água”, servindo como uma barreira para a entrada daquela. Empédocles conseguiu, assim, perceber que o ar é também uma matéria, porém extremamente fina. Você pode ver essa experiência no vídeo da série “Cosmos”, episódio 7: “O Esqueleto da Noite”, de Carl Sagan.
Quarto kit (também EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO): Material: Uma garrafa plástica usada de refrigerante contendo terra, outra contendo água, outra vazia (com ar), uma folha com desenho do fogo. Empédocles acreditava que tudo era feito de quatro elementos: Água, Ar, Terra e Fogo, que eram combinados, separados e recombinados, conforme a ação de duas forças, o Amor (que une) e o Ódio ou Discórdia (que desagrega), em constante ação na natureza.
Quinto kit (PITÁGORAS DE SAMOS): Material: Papelão usado, duas folhas de papel A4, canetinhas e tesoura. Montar formas geométricas no papelão e recortá-las. Escrever números de um a cem, usando as canetinhas, em uma folha A4. Pitágoras de Samos foi filósofo e matemático. Para ele e os pitagóricos, seus discípulos, os elementos primordiais (arqué) do universo são os números.
Sexto kit (LEUCIPO e DEMÓCRITO DE ABDERA): Material: Uma folha de papel branca A4; uma folha de papel A4 toda quadriculada, com quadrinhos bem pequenos; uma folha A4 totalmente picada, aleatoriamente, em pedaços bem pequenos. Leucipo e Demócrito acreditavam que todas as coisas eram formadas de átomos, as menores partículas da matéria, as quais, por sua vez, eram indivisíveis e tinham formatos diversos e que se uniam umas às outras, formando os seres, por meio de minúsculos engates nelas existentes. Os átomos são, para eles, a arqué primordial! Os pedacinhos de papel do “kit” representariam os átomos, a folha toda quadriculada representaria os átomos conectados entre si, formando um todo. Vale lembrar que os átomos de Demócrito tinham formas diferentes, não sendo quadradinhos, porém aqui estes são usados apenas para se poder ver como a matéria pode ser subdividida em pedaços minúsculos, os quais formam os seres, cada qual como um todo.
Sétimo kit (XENÓFANES DE CÓLOFON): Material: uma garrafa pet com terra e uma vazilha pequena com barro (terra misturada com água). Xenófanes de Cólofon acreditava que a arqué primordial de todas as coisas era a terra e que os primeiros seres vivos surgiram do barro.
Oitavo kit (ANAXÁGORAS DE CLAZÔMENAS). Material: O mesmo utilizado em Demócrito, porém lembrando que as homeomerias formariam todos os seres, como as que formam o osso branco e a folha branca, sendo os ingredientes ou partículas básicas de toda a matéria – o fato de serem brancos o osso e a folha seria sinal de que as homeomerias que compõem o osso são brancas e duras, enquanto que as da folha, brancas e leves. Para Anaxágoras o universo é ordenado por uma Inteligência, o Nous.
Nono kit (HERÁCLITO DE ÉFESO). Material: uma folha contendo o desenho de fogo, pois para Heráclito o elemento primordial (arqué) é, justamente, o fogo. Seria interessante utilizar também bolinhas de gude e colocá-las em movimento sobre a mesa ou dentro de uma garrafa plástica de refrigerante grande usada, sacudindo-a. Para Heráclito, tudo encontra-se em constante movimento, transformação, que ele chama de devir ou vir-a-ser. Tudo se transforma, tudo muda.
Décimo kit (PARMÊNIDES DE ELÉIA). Material: Uma bola de papel branco comum, já sem uso, envolvida em papel liso, bem compactada. Fixar essa bola num pedaço de papelão quadrado, com um palito. A bola não é à toa, ela servirá para exemplificar a comparação que Parmênides faz entre o ser e a esfera, em seu poema filosófico. Seria interessante, também, montar uma pequena carroça de papelão com dois pequenos bonecos dentro, lembrando a viagem que Parmênides fez, em uma carruagem conduzida por uma auriga (condutora), até o templo da deusa Justiça, que falou a ele de dois caminhos: o do ser e o do devir, propondo-lhe para apegar-se ao primeiro, pois é o caminho da verdade, não da ilusão.
É fundamental observal que esses materiais (“kits”) são, na verdade, exemplificações do conteúdo a ser trabalhado, facilitando e enriquecendo o aprendizado de alunos e alunas. Aliás, os próprios estudantes podem compor esse material, pondo, portanto, “mãos à obra”.
O professor ou a professora, junto com os estudantes, poderá dispor esses materiais em mesas separadas, a fim de facilitar a exposição do conteúdo, de tal modo que todos na sala possam ver e ouvir. Talvez os próprios estudantes, orientados pelo(a) docente, possam fazer, junto com os kits, uma pesquisa e, a partir dela, a exposição mesma do conteúdo, cabendo ao (à) docente o complemento e o aprofundamento.
Essa experiência é fruto de um trabalho que fiz com alunos e alunas da primeira série do Ensino Médio de uma turma e que pretendo trabalhar com outras, como professor. Uma avaliação conjunta será feita, buscando a opinião dos e das estudantes.
Uma observação importante: o material utilizado poderá vir a ser encaminhado para ser reciclado ou até mesmo poderá ser guardado para outras aulas futuras, após esvaziadas as garrafas com água e terra, devidamente, evitando, com isto, por exemplo, a dengue, em caso de ficar guardado.
Isto é apenas uma sugestão, cabendo a cada docente o empenho de usar ao máximo sua criatividade, a fim de enriquecer e dinamizar mais as aulas.