domingo, 24 de agosto de 2025

TERCEIRO BIMESTRE - AULA 26 DE FILOSOFIA DOS PRIMEIROS ANOS. UM PEQUENO ESTUDO SOBRE O AMOR PLATÔNICO (Prof. José Antônio Brazão.)

 

SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

COMANDO DE ENSINO POLICIAL MILITAR

 CEPMG - VASCO DOS REIS

Divisão de Ensino / Coordenação Pedagógica

TERCEIRO BIMESTRE

AULA 26 DE FILOSOFIA DOS PRIMEIROS ANOS

UM PEQUENO ESTUDO SOBRE O AMOR PLATÔNICO:

(Prof. José Antônio Brazão.)

LEIA ATENTAMENTE OS POEMAS (SONETOS) A SEGUIR, DE LUÍS VAZ DE CAMÕES (escritor português do século XVI):

Ambos os sonetos tratam do AMOR.

SONETO 5:

Amor é um fogo que arde sem se ver;

é ferida que dói e não se sente;

é um contentamento descontente;

é dor que desatina sem doer.

 

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

 

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.

 

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade

se tão contrário a si é o mesmo Amor?

 

SONETO 48:

 

Quem quiser ver de Amor uma excelência

onde sua fineza mais se apura,

atente onde me põe minha ventura,

por ter de minha fé experiência.

 

Onde lembranças mata a longa ausência,                    [Em 1598: matão.]

em temeroso mar, em guerra dura,

ali a saudade está segura,

quando mor risco corre a paciência.

 

Mas ponha-me Fortuna e o duro Fado

em nojo, morte, dano e perdição,                     [nojo = situação de quem se aborrece.]

ou em sublime e próspera ventura;

 

ponha-me, enfim, em baixo ou alto estado;

que até na dura morte me acharão

na língua o nome, n’alma a vista pura.

 

Fonte dos sonetos:

CAMÕES, Luís de. Sonetos. São Paulo, Martin Claret, 2000. (Col. A Obra-Prima de Cada Autor, 16.)

 

Análise inicial, simples, do Soneto 5:

 (E1M01 – 01\08\2016) – Tempestade de ideias. AMOR:

·       Não correspondido (nem sempre).

·       Verdadeiro.

·       Ideal (que é fruto de ideias).

·       Doloroso (arde sem se ver).

·       Indeciso (conflituoso, contraditório).

·       Puro (não meramente sensual).

·       Atrativo.

·       Fiel.

·       Nem sempre sabido pela pessoa amada.

Para Platão, o ser humano deve elevar sua alma ao Amor ideal (inteligível), ao Mundo das Ideias (Mundo Inteligível), onde habitam as Ideias (Formas) perfeitas de tudo que existe e o BEM.

Os mundos de Platão:                  (USAR DESENHOS E DIAGRAMAS.)

Mundo das Ideias (Mundo Inteligível, superior, imutável e perfeito)

Mundo Sensível (mundo dos sentidos, mutável, cópia imperfeita do Inteligível)

Análise básica 1 (E1M01) do Soneto 5: (Valor: 5,0.)

1)    O que é o amor? (Verifique no dicionário de língua portuguesa e anote. A internet também pode ser pesquisada.)

2)    O que é o amor, segundo o poema (soneto 5)?

3)    O amor apresentado no soneto 5 é real ou idealizado? Por quê?

4)    O amor apresentado no soneto 5 é carnal ou ideal? Por quê?

5)    Por que o amor, exposto no soneto 5, é contradidório (“contrário a si mesmo”)? Que contrários aparecem no poema que confirmam isto?

6)    O amor é representado (tornado presente na mente como imagem, ideia, forma), no poema (soneto 5), por quais ideias?

7)    Você concorda com o poeta? Por quê?

Análise básica 2 (outros primeiros anos) do Soneto 5: (Valor: 5,0.)

1)    O que é o amor?

a)    Procure no dicionário de língua português e responda (anote).

b)    Dê sua opinião (o que você pensa) sobre o que é o amor.

c)    Pergunte a algumas pessoas conhecidas (amigos, amigas, parentes, etc.), nas redes sociais e\ou no dia a dia sobre o amor: o que é o amor para elas?

2)    O amor que aparece no poema (soneto 5) é carnal ou ideal\idealizado? Por quê?

3)    “(...) tão contrário a si é o mesmo Amor”. Que opostos do poema (soneto 5) mostram isto?

4)    Um soneto é composto de quantas estrofes e de quantos versos cada?

5)    O que seria um amor ideal para você? Por quê?

6)    Por que, no fim do poema, Amor é escrito com letra maiúscula (Amor)? Pense e responda.

CURIOSIDADE: O poema (Soneto 5) de Camões foi unido ao texto da Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 13, de Paulo, com alguns acréscimos do cantor Renato Russo, na música Monte Castelo, da Banda Legião Urbana.

Sequência: QUESTINÁRIO.

O AMOR PLATÔNICO – QUESTIONÁRIO-PESQUISA INTRODUTÓRIO: (10,0)

(1)Você já deve ter ouvido a expressão “amor platônico”. O que ela significa? Comente. (Se não souber, pesquise na internet ou em um bom dicionário de português e anote.)

(2)Dê um exemplo atual de amor platônico.

(3)Quem foram Romeu e Julieta (de Shakespeare)? O que aconteceu com ambos?

(4)O amor platônico está presente na história de Romeu e Julieta. Como?

(5)Leia os sonetos 5 e 48 de Camões. Que tipo de amor eles apresentam? Explique.

(6)Que elementos característicos (próprios) do amor os dois poemas de Camões apresentam? Anote cinco desses elementos ou características.

(7)Para você, como seria um amor ideal? Por quê?

(8)O amor é uma ideia, um sentimento ou uma experiência sensível (ou conjunto de experiências sensíveis, sensoriais, dos sentidos)? Defenda sua posição.

(9)Só existe uma forma de amor? Explique sua resposta.

(10)O amor verdadeiro tem componentes físicos, químicos ou é fruto do puro pensar? Explique sua resposta.

(11)O que seria o amor pelo Bem ideal, eterno e perfeito? Comente.

(12)Como o amor aparece nas novelas de TV e nos filmes de cinema? Cite alguns exemplos. Observe e anote.

(13)É possível amor verdadeiro entre um casal, hoje? Explique.

(14)Como o amor de casal aparece nos desenhos animados? Dê alguns exemplos.

(15)O heterossexualismo (veja significado no dicionário ou na internet), masculino e feminino, é um modo de amar? Opine e explique. Dê exemplo.

(16)O homossexualismo (veja significado no dicionário ou na internet), masculino e feminino, é um modo de amar? Opine e explique. Dê exemplo.

(17)O casamento é permanente ou provisório (cf. sentidos em dicionário\internet)? Explique sua posição.

(18)Faça uma pesquisa na internet – número de casamentos e número de divórcios: (a) na década de 2001-2010; (b) em 2014, 2015 e 2016. Pesquise e anote. Fácil!

(19)Como você encara o casamento de pessoas homoafetivas (gays e lésbicas)? Explique sua resposta, detalhe-a fundamentando-a (dando base a ela).

(20)O que significa a expressão “cara metade”? E o ditado “Cada pote [panela] tem uma tampa” (ou “Para cada pote [panela] há uma tampa.”)? O que a expressão e o ditado têm em comum? O que significam?

(21)O divórcio (separação) é um fim ou um (re)começo? Como você encara?

(22)O que fortalece a relação de um casal, seja hetero ou homoafetivo? Faça uma pesquisa (levantamento) e anote.

A seguir, trechos de O Banquete, de Platão, filósofo grego que viveu entre os séculos V e IV antes de Cristo, sobre o Amor:

Trecho 1:

“Pois de novo revém a mesma ideia, que aos homens moderados, e para que mais moderados se tornem os que ainda não sejam, deve-se aquiescer e conservar o seu amor, que é o belo, o celestial, o Amor da musa Urânia; o outro, o de Polímnia, é o popular, que com precaução se deve trazer àqueles a quem se traz, a fim de que se colha o seu prazer sem que nenhuma intemperança ele suscite, tal como em nossa arte é uma importante tarefa o servir-se convenientemente dos apetites da arte culinária, de modo a que sem doença se colha o seu prazer. Tanto na música então, como na medicina e em todas as outras artes, humanas e divinas, na medida do possível, deve-se conservar um e outro amor; ambos com efeito nelas se encontram. De fato, até a constituição das estações do ano está repleta desses dois amores, e quando se tomam de um moderado amor um pelo outro os contrários de que há pouco eu falava, o quente e o frio, o seco e o úmido, e adquirem uma harmonia e uma mistura razoável, chegam trazendo bonança e saúde aos homens, aos outros animais e às plantas, e nenhuma ofensa fazem; quando porém é o Amor casado com a violência que se torna mais forte nas estações do ano, muitos estragos ele faz, e ofensas. Tanto as pestes, com efeito, costumam resultar de tais causas, como também muitas e várias doenças nos animais como nas plantas; geadas, granizos e alforras resultam, com efeito, do excesso e da intemperança mútua de tais manifestações do amor, cujo conhecimento nas translações dos astros e nas estações do ano chama-se astronomia. E ainda mais, não só todos os sacrifícios, como também os casos a que preside a arte divinatória — e estes são os que constituem o comércio recíproco dos deuses e dos homens — sobre nada mais versam senão sobre a conservação e a cura do Amor. Toda impiedade, com efeito, costuma advir, se ao Amor moderado não se aquiesce nem se lhe tributa honra e respeito em toda ação, e sim ao outro, tanto no tocante aos pais, vivos e mortos, quanto aos deuses; e foi nisso que se assinou à arte divinatória o exame dos amores e sua cura, e assim é que por sua vez é a arte divinatória produtora de amizade entre deuses e homens, graças ao conhecimento de todas as manifestações de amor que, entre os homens, se orientam para a justiça divina e a piedade.

Assim, múltiplo e grande, ou melhor, universal é o poder que em geral tem todo o Amor, mas aquele que em torno do que é bom se consuma com sabedoria e justiça, entre nós como entre os deuses, é o que tem o máximo poder e toda felicidade nos prepara, pondo-nos em condições de não só entre nós mantermos convívio e amizade, como também com os que são mais poderosos que nós, os deuses. Em conclusão, talvez também eu, louvando o Amor, muita coisa estou deixando de lado, não todavia por minha vontade. Mas se algo omiti, é tua tarefa, ó Aristófanes, completar; ou se um outro modo tens em mente de elogiar o deus, elogia-o, uma vez que o teu soluço já o fizeste cessar.”

(Trecho de O Banquete, de Platão. Parte da fala de Erixímaco, um dos participantes do banquete, durante o qual Sócrates e outras pessoas discutiram sobre o amor. Páginas 9 e 10 do texto consultado, indicado ao final.)

Trecho 2: Mito do Andrógino.

“Na verdade, Erixímaco, disse Aristófanes, é de outro modo que tenho a intenção de falar, diferente do teu e do de Pausânias. Com efeito, parece-me os homens absolutamente não terem percebido o poder do amor, que se o percebessem, os maiores templos e altares lhe preparariam, e os maiores sacrifícios lhe fariam, não como agora que nada disso há em sua honra, quando mais que tudo deve haver. É ele com efeito o deus mais amigo do homem, protetor e médico desses males, de cuja cura dependeria sem dúvida a maior felicidade para o gênero humano. Tentarei eu portanto iniciar-vos em seu poder, e vós o ensinareis aos outros. Mas é preciso primeiro aprenderdes a natureza humana e as suas vicissitudes. Com efeito, nossa natureza outrora não era a mesma que a de agora, mas diferente. Em primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade, não dois como agora, o masculino e o feminino, mas também havia a mais um terceiro, comum a estes dois, do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino, enquanto agora nada mais é que um nome posto em desonra. Depois, inteiriça era a forma de cada homem, com o dorso redondo, os flancos em círculo; quatro mãos ele tinha, e as pernas o mesmo tanto das mãos, dois rostos sobre um pescoço torneado, semelhantes em tudo; mas a cabeça sobre os dois rostos opostos um ao outro era uma só, e quatro orelhas, dois sexos, e tudo o mais como desses exemplos se poderia supor. E quanto ao seu andar, era também ereto como agora, em qualquer das duas direções que quisesse; mas quando se lançavam a uma rápida corrida, como os que cambalhotando e virando as pernas para cima fazem uma roda, do mesmo modo, apoiando-se nos seus oito membros de então, rapidamente eles se locomoviam em círculo. Eis por que eram três os gêneros, e tal a sua constituição, porque o masculino de início era descendente do sol, o feminino da terra, e o que tinha de ambos era da lua, pois também a lua tem de ambos; e eram assim circulares, tanto eles próprios como a sua locomoção, por terem semelhantes genitores. Eram por conseguinte de uma força e de um vigor terríveis, e uma grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os deuses, e o que diz Homero de Efialtes e de Otes é a eles que se refere, a tentativa de fazer uma escalada ao céu, para investir contra os deuses. Zeus então e os demais deuses puseram-se a deliberar sobre o que se devia fazer com eles, e embaraçavam-se; não podiam nem matá-los e, após fulminá-los como aos gigantes, fazer desaparecer-lhes a raça - pois as honras e os templos que lhes vinham dos homens desapareceriam — nem permitir-lhes que continuassem na impiedade. Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: “Acho que tenho um meio de fazer com que os homens possam existir, mas parem com a intemperança, tornados mais fracos. Agora com efeito, continuou, eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de se terem tomado mais numerosos; e andarão eretos, sobre duas pernas. Se ainda pensarem em arrogância e não quiserem acomodar-se, de novo, disse ele, eu os cortarei em dois, e assim sobre uma só perna eles andarão, saltitando.” Logo que o disse pôs-se a contar os homens em dois, como os que cortam as sorvas para a conserva, ou como os que cortam ovos com cabelo; a cada um que cortava mandava Apolo voltar-lhe o rosto e a banda do pescoço para o lado do corte, a fim de que, contemplando a própria mutilação, fosse mais moderado o homem, e quanto ao mais ele também mandava curar. Apolo torcia-lhes o rosto, e repuxando a pele de todos os lados para o que agora se chama o ventre, como as bolsas que se entrouxam, ele fazia uma só abertura e ligava-a firmemente no meio do ventre, que é o que chamam umbigo. As outras pregas, numerosas, ele se pôs a polir, e a articular os peitos, com um instrumento semelhante ao dos sapateiros quando estão polindo na forma as pregas dos sapatos; umas poucas ele deixou, as que estão à volta do próprio ventre e do umbigo, para lembrança da antiga condição. Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro. E sempre que morria uma das metades e a outra ficava, a que ficava procurava outra e com ela se enlaçava, quer se encontrasse com a metade do todo que era mulher - o que agora chamamos mulher — quer com a de um homem; e assim iam-se destruindo. Tomado de compaixão, Zeus consegue outro expediente, e lhes muda o sexo para a frente - pois até então eles o tinham para fora, e geravam e reproduziam não um no outro, mas na terra, como as cigarras; pondo assim o sexo na frente deles fez com que através dele se processasse a geração um no outro, o macho na fêmea, pelo seguinte, para que no enlace, se fosse um homem a encontrar uma mulher, que ao mesmo tempo gerassem e se fosse constituindo a raça, mas se fosse um homem com um homem, que pelo menos houvesse saciedade em seu convívio e pudessem repousar, voltar ao trabalho e ocupar-se do resto da vida. E então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada um de nós, portanto, é uma téssera[*] complementar de um homem[**], porque cortado como os linguados, de um só em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento.(...)”

(Trecho de O Banquete, de Platão. Parte da fala de Aristófanes, teatrólogo, em sua resposta a Erixímaco, outro dos participantes do banquete, durante o qual Sócrates e outras pessoas discutiram sobre o amor. Páginas 11 e 12 do texto consultado, indicado ao final.)

[*]tés·se·ra

substantivo feminino

1. Senha usada pelos primitivos cristãos.

2. Cubo ou dado, com marcas em todas as seis faces.

3. Tabuleta em que os chefes militares escreviam as ordens que o tesserário havia de transmitir às tropas.

"téssera", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/téssera [consultado em 24-08-2016].

[**]Homem: aqui indicando ser humano.

Trecho 3:

“- Que seria então o Amor? - perguntei-lhe. - Um mortal?

- Absolutamente.

- Mas o quê, ao certo, ó Diotima?

- Como nos casos anteriores - disse-me ela - algo entre mortal e imortal.

- O quê, então, ó Diotima?

- Um grande gênio, ó Sócrates; e com efeito, tudo o que é gênio está entre um deus e um mortal.

- E com que poder? Perguntei-lhe.

- O de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos ele os completa, de modo que o todo fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que procede não só toda arte divinatória, como também a dos sacerdotes que se ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e enfim de toda adivinhação e magia. Um deus com um homem não se mistura, mas é através desse ser que se faz todo o convívio e diálogo dos deuses com os homens, tanto quando despertos como quando dormindo; e aquele que em tais questões é sábio é um homem de gênio, enquanto o sábio em qualquer outra coisa, arte ou oficio, é um artesão. E esses gênios, é certo, são muitos e diversos, e um deles é justamente o Amor.

- E quem é seu pai - perguntei-lhe - e sua mãe?

- É um tanto longo de explicar, disse ela; todavia, eu te direi. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar - pois vinho ainda não havia - penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis com efeito o que se dá. Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio - pois já é -, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem também os ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o difícil da ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não deseja portanto quem não imagina ser deficiente naquilo que não pensa lhe ser preciso.

- Quais então, Diotima - perguntei-lhe - os que filosofam, se não são nem os sábios nem os ignorantes?

- É o que é evidente desde já - respondeu-me - até a uma criança: são os que estão entre esses dois extremos, e um deles seria o Amor. Com efeito, uma das coisas mais belas é a sabedoria, e o Amor é amor pelo belo, de modo que é forçoso o Amor ser filósofo e, sendo filósofo, estar entre o sábio e o ignorante. E a causa dessa sua condição é a sua origem: pois é filho de um pai sábio e rico e de uma mãe que não é sábia, e pobre. É essa então, ó Sócrates, a natureza desse gênio; quanto ao que pensaste ser o Amor, não é nada de espantar o que tiveste. Pois pensaste, ao que me parece a tirar pelo que dizes, que Amor era o amado e não o amante; eis por que, segundo penso, parecia-te todo belo o Amor. E de fato o que é amável é que é realmente belo, delicado, perfeito e bem-aventurado; o amante, porém é outro o seu caráter, tal qual eu expliquei.

E eu lhe disse: - Muito bem, estrangeira! É belo o que dizes! Sendo porém tal a natureza do Amor, que proveito ele tem para os homens?

- Eis o que depois disso - respondeu-me - tentarei ensinar-te. Tal é de fato a sua natureza e tal a sua origem; e é do que é belo, como dizes. Ora, se alguém nos perguntasse: Em que é que é amor do que é belo o Amor, ó Sócrates e Diotima? ou mais claramente: Ama o amante o que é belo; que é que ele ama?

- Tê-lo consigo - respondi-lhe.”

(Trecho de O Banquete, de Platão. Parte da fala de Diotima, filósofa que estava entre os participantes do banquete, durante o qual Sócrates e outras pessoas discutiram sobre o amor. Páginas 21 a 23 do texto consultado, indicado ao final.)

Fonte dos trechos citados de O Banquete, de Platão:

PLATÃO. O Banquete. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2279> Acesso em 21 de agosto de 2016.

O estudo de textos não filosóficos, aqui, especificamente, literários, relacionados ao componente curricular (matéria) Língua Portuguesa, encontra-se com o dos textos filosóficos. E as Orientações Curriculares Para o Ensino Médio – Ciências Humanas e suas Tecnologias, tratando da primazia dos textos escritos por filósofos(as), como material primário e fundamental ao aprendizado de Filosofia, abrem, de fato, a possibilidade de diálogo com aqueles textos. Eis o que elas dizem na página 37:

“Para a realização de competências específicas, que se têm sobretudo mediante a referência consistente à História da Filosofia, deve-se manter a centralidade do texto filosófico (primários de preferência), pois a Filosofia comporta ‘um acervo próprio de questões, uma história que a destaca suficientemente das outras produções culturais, métodos peculiares de investigação e conceitos sedimentados historicamente’. Certamente, no desenvolvimento do modo especificamente filosófico de apresentar e propor soluções de problemas, o exercício de busca e reconhecimento de problemas filosóficos em textos de outra natureza, literários e jornalísticos, por exemplo, não deixa de ser salutar, contanto que não se desloque, com isso, o primado do texto filosófico.” (IN: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Orientações Curriculares Para o Ensino Médio – Ciências Humanas e suas Tecnologias. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_03_internet.pdf Acesso em 21 de agosto de 2016.) (grifos meus)

O diálogo interdisciplinar com a Língua Portuguesa pode ser muitíssimo valioso no aprendizado estudantil, no ensino médio. Um diálogo em que se encontram textos de ambos componentes curriculares, nos quais há presença de temáticas semelhantes e até convergentes, no sentido de disporem de raízes comuns. No caso dos sonetos de Camões citados, entre outros que se encontram em seu livro Sonetos, há uma forte influência do neoplatonismo renascentista.

 

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