COMANDO DE
ENSINO POLICIAL MILITAR
CEPMG -
VASCO DOS REIS
Divisão de
Ensino / Coordenação Pedagógica
QUARTO BIMESTRE
AULA 38 DE FILOSOFIA DOS PRIMEIROS ANOS
AULA PREPARATÓRIA PARA RECUPERAÇÃO SEMESTRAL 2
DE 2024:
O
HELENISMO E SUA INFLUÊNCIA NA POESIA DE CAMÕES (SÉC. XVI d.C.) (Prof. José
Antônio Brazão.):
O helenismo, como foi visto em outras aulas, foi a
influência, via espalhamento, da cultura grega (helênica – daí, helenismo) pelo
Império Macedônico e, depois, no Império Romano, entre o século IV a.C. e o
século V d.C., portanto, aproximadamente, de oitocentos a pouco mais de
novecentos anos.
Essa influência se deu na arte, na religião, no
pensamento filosófico, etc., inclusive na língua, com a entrada de muitas
palavras e termos gregos na língua latina (língua de Roma e, com o tempo, do
Império Romano). Curiosamente, essa entrada terminológica no latim impactou as
línguas que vieram a se formar, chamadas neolatinas, como o francês, o
italiano, o romeno, o espanhol, outras, incluindo o português!
No Renascimento, na Europa, a partir do século XV,
até aproximadamente o século XVII, ocorreu a recuperação da cultura
greco-romana antiga, com larga influência desta sobre a arte, tanto na
escultura, na pintura, entre outras, quanto na literatura! O estudo a seguir
faz a análise de uma parte da influência do pensamento greco-romano
renascentista em Camões.
Será analisado o sistema geocêntrico aristotélico-ptolomaico
que aparece no Canto X de Os Lusíadas, o grandioso poema de Camões. Vale
lembrar que esse sistema astronômico fez parte do período helenístico romano –
o Egito antigo, nos primeiros séculos da era cristã, já era província romana –
e se estendeu ao mundo medieval e ao mundo renascentista moderno.
A viagem realizada por Camões, em termos de
exposição, vai da parte mais externa do sistema geocêntrico ptolomaico (que
aparece no livro ALMAGESTO, de
Cláudio Ptolomeu, do século II d.C.) até o centro, no qual se encontra a Terra
parada (imóvel).
O SISTEMA GEOCÊNTRICO PTOLOMAICO EM “OS LUSÍADAS”
DE CAMÕES (Prof. José Antônio Brazão.)
Os
Lusíadas, grande poema de Luís Vaz de Camões (1524 – 1580) que conta,
poeticamente, a história da viagem de Vasco da Gama, com sua frota, até as
Índias, contornando os mares que ficam ao Sul da África até chegar àquela
região, onde fariam negócios e trocas, na busca de riquezas e glória. Lusíadas
ou lusitanos são os portugueses.
O
poema faz uma mescla entre fatos históricos e mitologia – ação de deuses e
deusas greco-romanos, muito comum na era do Renascimento artístico-cultural
europeu. O texto a seguir faz parte do CANTO X, que trata do retorno dos
portugueses, com Vasco da Gama, para Portugal. Para descansarem, param na Ilha
da deusa grega Tétis, uma divindade dos mares.
Vejamos o momento em que ela convida Vasco da
Gama e alguns com ele para subirem a um monte, em cujo cume viriam a ter uma
verdadeira aula a respeito da composição do universo (cosmos) tal como se cria
em muitas partes da Europa: o universo geocêntrico e fechado. O vocabulário é o
daquele tempo (séc. XVI).
Eis o texto (os números correspondem a
estrofes do canto X de Os Lusíadas, de Camões):
“(75)Despois que a corporal necessidade
Se satisfez do mantimento nobre,
E na harmonia e doce suavidade
Viram os altos feitos que descobre,
Téthis, de graça ornada e gravidade,
Pera que com mais alta glória dobre.
As festas deste alegre e claro dia,
Pera o Felice Gama assi[m] dizia:”
Explicação do Prof. José Antônio: Depois de terem se alimentado e festejado,
após tantas façanhas (feitos e relatos de viagem e outros), Tétis, uma das
deusas dos mares, que havia recebido os navegantes portugueses em sua ilha,
dirige-se a Vasco da Gama (o capitão-mor da esquadra), no que viria a ser um
convite à subida ao monte, como se verá a seguir. Tétis estava muito bem ornada
e arrumada, com certa seriedade (gravidade).
“(76) – Faz-te mercê, barão, a Sapiência
Suprema de, cos olhos corporais,
Veres o que não pode a vã ciência
Dos errados e míseros mortais.
Sigue-me firme e forte, com prudência,
Por este monte espesso, tu cos mais.
Assi[m] lhe diz e o guia por um mato
Árduo, difícil, duro a humano trato.”
Explicação do Prof. José Antônio: Mercê é um favor, um benefício. No caso, um
benefício dado pela Sapiência Suprema, isto é, DEUS. Qual benefício ou prêmio?
De ver, com os olhos corporais (os olhos do corpo) o que a ciência fraca e
passageira (vã) dos seres humanos, seres errados, imperfeitos, miseráveis
(míseros) e mortais, não pode oferecer (a visão do que viriam a ver no alto do
monte). Tétis pede que Vasco da Gama e os que com ele estavam a sigam, firme e
forte, com prudência (com cuidado), na subida de um monte certamente pedregoso
e espesso (grosso) por conta do mato que o rodeava. E assim foram subindo,
guiados por Tétis, por um mato (um matagal) árduo (cansativo...), difícil de
atravessar, duro ao modo humano de tratar, de lidar. Uma subida exigente e
difícil. (Para aprender e descobri algo novo é preciso subir montes de difícil
trato! Aprender não é uma tarefa fácil, como se vê nessa subida, mas a
recompensa é certa, como se verá a seguir.)
“(77) Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua superfície, claramente.”
Explicação do Prof. José Antônio: Depois de terem enfrentado uma subida
difícil e atravessado um mato de difícil trato, guiados por Tétis, os
convidados chegam ao cume (alto) do monte, vendo aí um campo muito bonito,
cheio de pedras preciosas, tão bonito que parecia chão divino (vale lembrar:
Moisés, ao ver a sarça ardente, num monte, pisou em solo sagrado também,
divino, lá no livro bíblico do Êxodo). O lugar era bonito para valer! Valeu
tanto esforço! A seguir, a deusa Tétis projeta um globo luminoso no ar
(semelhante, hoje, ao holograma), atravessado por uma luz (lume) claríssima, de
tal modo que se podia ver (está evidente) tanto o centro quanto a superfície do
globo. João Manuel Mimoso diz: “Tétis guia Vasco da Gama por um caminho árduo
que talvez simbolize a ignorância que há a vencer para atingir o Saber.” (Em: https://www.inverso.pt/lusiadas/m%E1quina.htm ) Mais adiante faremos, também uma comparação
com a saída do prisioneiro livre da caverna, na Alegoria da Caverna, de Platão
(República, livro VII).
“(78) Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaixe, agora se erga,
Nunca s’ergue ou se abaixa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,”
Explicação do Prof. José Antônio: A matéria de que era composto o globo não se
enxergava (não se podia exatamente saber). Porém, os visitantes viram, para
além da transparência, que o globo era composto por orbes (globos menores
representando os astros), sustentados pela verga (sustentação... [ao pé da
letra, “pau apoiado ao mastro” que segura cada vela do barco – Wikipédia,
verbete Verga]) composta por Deus (Divina verga). Em resumo: Camões fala da
sustentação do universo que é feita por algo a que ele compara com cada verga
presa ao mastro de um navio. A matéria não visível quer dizer que o globo é
transparente, permitindo ver dentro dele, com os orbes (astros celestiais).
Camões compara com um rosto. O rosto do universo é o mesmo: é redondo, dispõe
de movimento (o movimento dos astros ao redor da Terra, no caso). Feito por
divina arte – pelo trabalho de Deus (o universo maior) e por Tétis (a projeção
que estavam vendo). Olhando para os céus, pode-se ver que cada orbe se move
sempre seguindo o seu curso, regularmente, sempre o mesmo, em círculos e
epiciclos (mais adiante serão explicados), todos os orbes girando em torno do
mesmo centro (a Terra), não se erguendo nem se abaixando como ocorre com as
velas de um navio em momentos de falta ou presença de vento(s).
“(79) Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: - «O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.”
Explicação do Prof. José Antônio: Eis como João Manuel Mimoso comenta: “em
si sustido- funcionando por si só, sem intervenção externa (mas talvez se
refira simplesmente ao facto do globo estar suspenso no ar, sem apoio externo);
qual... o Arquétipo que o criou- igual à imagem mental (arquétipo) ou
plano divino segundo o qual foi criado (a maiúscula é usada por de tratar de um
plano de Deus); transunto- cópia, modelo.” (João M. Mimoso. Site
citado.) Explico (Prof. José.): O globo luminoso, projetado no ar pela
deusa Tétis, é uniforme (tem uma forma única em todos os lados – de fato, o
círculo ou um globo é uniforme, não tem quebras). Tem funcionamento próprio: o
universo segue leis naturais estabelecidas por Deus. O modelo (transunto, no
português antigo) em tamanho pequeno (reduzido) representa o Mundo (o universo
geocêntrico) que se vê quando se olha para cima. “(...)pera que vejas Por onde
vás e irás e o que desejas”: curiosamente, vale lembrar que os céus noturnos
(com as estrelas e constelações) e até diurno(com a posição do Sol) permitiam,
de fato, a navegação (ir e vir – “vás e irás”) e era objeto da astrologia (que
lida com os desejos humanos de ligação com o mundo, as previsões, etc.). [Hoje,
é claro, a astrologia é uma pseudo-ciência.]
“(80) «Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea e elementar, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua superfície tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.”
Explicação do Prof. José Antônio: João M. Mimoso comenta: “etérea e
elemental- pensava-se que o Universo tinha uma parte formada dos 4
elementos (terra, ar, água e fogo) e outra não-elemental, formada de éter
(etérea); limada- lisa e polida.”(MIMOSO, ver site citado). Explico
(Prof. José.): De acordo com Aristóteles(filósofo grego do século IV a.C.)
e Cláudio Ptolomeu (astrônomo e geógrafo do século II d.C.), os antigos e os
medievais, o universo geocêntrico (que tem a Terra como centro) era composto de
duas partes: o mundo sublunar (o mundo abaixo da Lua [luna]) = a
Terra propriamente dita, composta por quatro elementos: terra, água, ar e fogo
– caracterizando, respectivamente, o sólido, líquido, gasoso e energia (luz e
calor do fogo); o mundo supralunar, isto é, acima da Lua (luna),
composto pelo ÉTER, substância pura, cristalina, sem defeito. Com isto, os céus
(os astros e corpos celestiais) eram considerados puros, um globo com
superfície limada (lisa, parecida com uma superfície em que se passou uma lima
para alisar). Vale lembrar que, no século XVII, Galileu Galilei descobrirá, com
o telescópio, que não é bem assim (assunto para outro dia). O Mundo (o
universo) é comparado com uma MÁQUINA, com cada peça funcionando direitinho e
contribuindo para o movimento do todo, fabricada por Deus (o Saber, alto e
profundo, sem princípio e sem fim [sem meta limitada], isto é, eterno – o
Saber...: mais uma metonímia para se referir a Deus: usa a característica para
se referir ao possuidor). Deus (o Criador verdadeiro): ninguém entende ou pode entender o que Ele é ou como Ele é, a
inteligência (o engenho humano) a Ele não consegue estender-se. [Vale lembrar a
história de Santo Agostinho e o menino que queria colocar o mar em um buraquinho
da praia.]
Ver imagem do universo geocêntrico em: https://1.bp.blogspot.com/-X9KE1ilLSRk/WWmTJb2_xhI/AAAAAAAAEK0/KXxgd_TyW6Q4nYHyi5sC0ySStsYcXLLdwCLcBGAs/s1600/000.a1.jpg
O PRIMEIRO E MAIS EXTERNO ORBE: O EMPÍREO.
(81) «Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais pequenos que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando
Que a vista cega e a mente vil também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se entende e alcança,
De quem não há no mundo semelhança.”
Explicação do Prof. José Antônio: João M. Mimoso comenta: “segundo o modelo
ptolomaico o universo era formado por onze esferas (orbes), com a Terra por
centro. A esfera externa, denominada "Empíreo" era imóvel e etérea e
nela estavam as almas que tinham ascendido ao Paraíso.” (Em: Ver citação.)
Explico (Prof. José.): Orbe é um pequeno globo, no caso. A explicação de Tétis
aos portugueses visitantes é de fora para dentro do universo (aqui em pequena
escala [um transunto, um modelo]), diferentemente de Dante Alighieri, que, em A
Divina Comédia, vai das profundezas da Terra aos céus mais elevados. O
círculo mais externo é o EMPÍREO, lugar onde habitam os santos (as “puras
almas”, a aproveitar (lograr) do benefício de estarem diretamente com Deus (o
Bem Tamanho, com quem ninguém ou nada pode se assemelhar no mundo – outra
metonímia para se referir a Deus). Curiosamente, BEM é um termo que PLATÃO usa
para se referir à Ideia mais elevada do Mundo Inteligível. Aplicado aqui a
Deus, o criador do universo. Orbe (esfera) muito luminoso, irradiante de luz.
DESCRIÇÃO DO EMPÍREO, HABITAÇÃO DOS SANTOS:
(82) «Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
Fingidos de mortal e cego engano.
Só pera fazer versos deleitosos
Servimos; e, se mais o trato humano
Nos pode dar, é só que o nome nosso
Nestas estrelas pôs o engenho vosso.”
(83) «E também, porque a santa Providência,
Que em Júpiter aqui se representa,
Por espíritos mil que têm prudência
Governa o Mundo todo que sustenta
(Ensina-lo a profética ciência,
Em muitos dos exemplos que apresenta);
Os que são bons, guiando, favorecem,
Os maus, em quanto podem, nos empecem;”
(84) «Quer logo aqui a pintura que varia
Agora deleitando, ora ensinando,
Dar-lhe nomes que a antiga Poesia
A seus Deuses já dera, fabulando;
Que os Anjos de celeste companhia
Deuses o sacro verso está chamando,
Nem nega que esse nome preeminente
Também aos maus se dá, mas falsamente.”
Explicação de João M. Mimoso à estrofe 82: “divos- almas que ascenderam ao
Divino, santos; nome nosso nestas estrelas (etc...)- Tétis reconhece que
os deuses do Olimpo são fabulosos e só existem nos nomes que foram dados aos
planetas (aqui chamados "estrelas").” Explicação do Prof. José
Antônio ao conjunto: Tétis descreve quem habita no Empíreo: os Divos
(santos, santas...), os Anjos, os seres inteligentes celestiais, com a presença
da “santa Providência”, outra metonímia para se referir a Deus, comparado
com Júpiter (deus romano, o Zeus grego).
Só comparado, pois Júpiter e os outros deuses(as), inclusive ela, Tétis deixa
claro que são invenções humanas, úteis para se fazer, por exemplo, poesia. No
final fala dos Anjos bons, que fazem companhia aos santos e santas, comparados
a deuses pela Bíblia (“o sacro verso está chamando”), mas que, mesmo nela são
apenas servos de Deus. Aos anjos maus (demônios) se dá no nome de deuses
falsamente – isto é, não merecem esse nome.
O PRIMEIRO MÓBIL (A PRIMEIRA ESFERA CELESTIAL
A MOVER, A MAIS RÁPIDA, UMA DAS MAIS EXTERNAS, ABAIXO DO EMPÍREO):
(85) «Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina veneranda,
Debaixo deste círculo onde as mundas
Almas divinas gozam, que não anda,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro
Que não se enxerga: é o Móbile primeiro.”
Explicação de João M. Mimoso: “que não anda- a 11ª esfera
(Empíreo) era imóvel;
Móbil Primeiro- a 10ª esfera, denominada Móbil
Primeiro, rodava rapidamente (à razão de uma rotação por dia) e arrastava todas
as outras que, assim, eram por ela movidas a diferentes velocidades de rotação
(ver na estância seguinte "com este ...movimento vão todos os que
dentro tem no seio").” [grifo meu] (Ver citação.) Explicação do
Prof. José Antônio: O Sumo Deus governa o mundo por “segundas causas”, isto
é, pelas LEIS NATURAIS. Depois do EMPÍREO, parado, onde moram as “almas
divinas” (santos, santas, ...) vem o “MÓBILE PRIMEIRO” ou MÓBIL PRIMEIRO. O
universo geocêntrico começa a mover-se de fora para dentro, diminuindo a
velocidade a cada esfera ou círculo que compõe esse universo. [Veneranda: digna
de veneração, adoração – a Mão Divina, que criou o Mundo. Comparação
antropológica (com o ser humano): mão humana – Mão Divina (de Deus).]
O CRISTALINO, A TERCEIRA ESFERA DE CIMA PARA O
CENTRO DO UNIVERSO (MUNDO):
(86) «Com este rapto e grande movimento
Vão todos os que dentro tem no seio;
Por obra deste, o Sol, andando a tento,
O dia e noite faz, com curso alheio.
Debaixo deste leve, anda outro lento,
Tão lento e sojugado a duro freio,
Que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
Duzentos cursos faz, dá ele um passo.”
Explicação de João M. Mimoso: “com curso alheio- sem
movimento próprio mas arrastado pelo movimento alheio (do Móbil Primeiro); anda
outro lento- referência à 9ª esfera, aquosa, chamada Cristalino, que
era suposta mover-se lentamente; enquanto Febo (etc...)- enquanto
o Sol [Febo] completa duzentos ciclos (isto é, em duzentos anos), o Cristalino
roda apenas um grau.” [grifos meus] (Ver citação.) Explicação do Prof. José
Antônio: Tétis fala da rapidez (rapto, aqui = RÁPIDO) do Móbil (Móbile)
Primeiro e da lentidão da esfera abaixo dele: o CRISTALINO. O Cristalino é tão
lento que o Sol [Febo, na mitologia greco-romana] o ultrapassa em velocidade,
ao redor da Terra, muitas vezes (o Sol é 200 vezes mais rápido que o
Cristalino).
A ESFERA DO FIRMAMENTO (O CÉU DAS ESTRELAS):
(87)«Olha estoutro debaixo, que esmaltado
De corpos lisos anda e radiantes,
Que também nele tem curso ordenado
E nos seus axes correm cintilantes.
Bem vês como se veste e faz ornado
Co largo Cinto d, ouro, que estrelantes
Animais doze traz afigurados,
Aposentos de Febo limitados.”
Explicação de João M. Mimoso: “estoutro debaixo- a 8ª esfera
(Firmamento) onde existiam as estrelas (corpos lisos); co largo Cinto d'Ouro
(etc...)- o Zodíaco com as doze constelações que são os Signos; aposentos
de Febo limitados- o Sol está em cada um dos signos durante um mês apenas.”
(Ver citação.) Explicação do Prof. José Antônio: Estoutro = Este outro.
Embaixo do Cristalino fica o FIRMAMENTO, os Céus de que fala a Bíblia.
Firmamento aparece muito na Bíblia, de fato, para referir-se aos Céus das
estrelas e dos astros. Curiosidade, para lembrar: acreditava-se que o
Firmamento seria composto por “corpos lisos (...) e radiantes”, a andar pelos
céus. O Firmamento é a esfera das ESTRELAS FIXAS, onde existe o CINTO D’OURO,
expressão (conjunto de palavras) que Camões usa para comparar o ZODÍACO, que
tem as doze (no texto; hoje, treze) constelações, muitas das
quais cujas estrelas formam imagens de animais (“estrelantes animais”: Peixes,
Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Ophiuchus,
Sagitário, Capricórnio e Aquário – o ser humano, da Virgem e dos Gêmeos, é
também um animal, um animal racional [e, de acordo com Aristóteles, também
político]). Afigurados, quer dizer, mostrados como figuras – as constelações
formam figuras de animais. No seu movimento anual, o Sol atravessa cada
constelação que compõe o CINTO D’DOURO (o ZODÍACO) – a astrologia faz uso
disto. Quem tem o signo de Touro é porque o Sol está passando, por volta de
julho/agosto, pela constelação. Concepção geocêntrica do universo!!! E ainda no
Firmamento:
(88) «Olha por outras partes a pintura
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Andrômeda e seu pai, e o Drago horrendo;
Vê de Cassiopéia a formosura
E do Orionte o gesto turbulento;
Olha o Cisne morrendo que suspira,
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.”
Explicação do Prof. José Antônio: O FIRMAMENTO parece uma pintura, em que
aparecem (fulgem, brilham; “vão fazendo”: vão aparecendo, vão surgindo... – com
o anoitecer, as constelações vão aparecendo progressivamente, até brilharem
todas no Firmamento noturno) as Estrelas fulgentes (brilhantes), em forma de
constelações. Camões cita as constelações CARRETA, CINOSURA, ANDRÔMEDA E SEU
PAI, DRAGÃO, CASSIOPEIA, ORIONTE, CISNE, LEBRE, CÃES, NAU e LIRA. Camões
conhecia bem os Céus e era grande admirador, como se pode ver, das constelações
do Firmamento, aliás, do universo como um todo.
OS PLANETAS, O SOL E A LUA, ABAIXO DO
FIRMAMENTO:
(89) «Debaixo deste grande Firmamento,
Vês o céu de Saturno, Deus antigo;
Júpiter logo faz o movimento,
E Marte abaixo, bélico inimigo;
O claro Olho do céu, no quarto assento,
E Vênus, que os amores traz consigo;
Mercúrio, de eloquência soberana;
Com três rostos, debaixo vai Diana.”
Explicação de João M. Mimoso: Referência às 7 últimas esferas: a do
planeta Saturno; a de Júpiter, a de Marte; a do Sol (o claro Olho do Céu); a de
Vénus, a de Mercúrio; e, finalmente a da Lua, cujos três rostos são as três
fases (ou "faces") em que está visível.” (Ver citação.) Explicação
do Prof. José Antônio: Os nomes dos planetas, inclusive da Lua, representam
deuses a mitologia greco-romana. Esses
astros, com o Sol, ficam embaixo do Firmamento: Saturno (grego Cronos) é o deus
da geração, filho do Céu e da Terra (Gaia ou Geia), de acordo com a Wikipédia;
Júpiter (o grego Zeus) é o pai dos deuses; Marte (grego Ares), deus da guerra
(“bélico inimigo”); o Sol (Hélios, deus grego da luz), comparado a um grande
Olho que está no Céu; Vênus (Afrodite, entre os gregos), deusa do amor;
Mercúrio (Hermes, entre os gregos), “é um mensageiro e Deus da venda, lucro e
comércio, o filho de Maia, uma Plêiade, e Júpiter” (Wikipédia).; a Lua (DIANA
ou, entre os gregos, Ártemis, deusa da caça, adorada, por exemplo, em Éfeso,
citada nos Atos dos Apóstolos, quando Paulo estava pregando e acabou
apedrejado, sem morrer, por conta dos adoradores de Diana).
(90) «Em todos estes orbes, diferente
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
Ora fogem do Centro longamente,
Ora da Terra estão caminho breve,
Bem como quis o Padre onipotente,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Os quais verás que jazem mais a dentro
E tem com Mar a Terra por seu centro.”
Explicação de João M. Mimoso: “nuns grave e noutros leve- uns
lentos e os outros rápidos;ora fogem do centro (etc...)- os planetas eram
supostos ter órbitas circulares (na realidade são elípticas com o Sol num dos
focos), excêntricas em relação à Terra. Durante o seu curso
tanto se afastam muito (fogem do centro longamente), como se aproximam da Terra
(ora da Terra estão caminho breve).” (Ver citação.) (O grifo central é meu.) Explicação
do Prof. José Antônio: Sabemos hoje (século XXI) que as órbitas planetárias
são elípticas, isto é, em forma de elipses, não circulares. Mas, na antiguidade
e no tempo de Camões, se acreditava que eram circulares, redondinhas! Aí
aparecida o problema dos desvios dos planetas em certas épocas de cada ano.
Para corrigir esse problema e facilitar encontrar os planetas nos céus, Cláudio
Ptolomeu (astrônomo e geógrafo, seguidor de Aristóteles) inventou os EPICICLOS
– círculos menores em torno dos círculos orbitais maiores. Depois de falar
disto, Camões volta-se, finalmente, para a TERRA, paradinha no centro do
universo, onde o Pai (Padre) Onipotente (DEUS) fez o fogo, o ar, o vento, o
mar, etc., e pôs a Terra bem no centro desse universo.
TERRA, PARADA NO CENTRO DO UNIVERSO
GEOCÊNTRICO:
(91) «Neste centro, pousada dos humanos,
Que não somente, ousados, se contentam
De sofrerem da terra firme os danos,
Mas inda o mar instável experimentam,
Verás as várias partes, que os insanos
Mares dividem, onde se aposentam
Várias nações que mandam vários Reis,
Vários costumes seus e várias leis.”
Explicação de João M. Mimoso: “várias leis- várias religiões.” (Ver
citação.) Explicação do Prof. José Antônio: A Terra é a morada dos seres
humanos, postos aí por Deus, desde o sexto dia da Criação (Gênesis 1,1 – 2,4).
Os seres humanos são ousados (corajosos), não se contentam pelo fato de
sofrerem os danos da terra firme e, portanto, buscam até o mar instável, onde
experimentam sua força, sua instabilidade (o mar é feito e água e se revolta
com o agitar das ondas). Na Terra há várias partes, divididas pelos mares: os
continentes, as ilhas... Nela habitam povos (nações) governados por diversos
(“vários”) Reis, com seus costumes e leis sagradas (religiões, como o
cristianismo da Europa e da América, o islamismo da Arábia e outros povos, o
hinduísmo da Índia, o Budismo de outras partes do Oriente, etc.).
(92)«Vês Europa Cristã, mais alta e clara
Que as outras em polícia e fortaleza.
Vês África, dos bens do mundo avara,
Inculta e toda cheia de bruteza;
Co Cabo que até aqui se vos negara,
Que assentou pera o Austro a Natureza.
Olha essa terra toda, que se habita
Dessa gente sem Lei, quase infinita.”
Explicação do Prof. José Antônio: Na Terra encontram-se a Europa Cristã,
caracterizada pela altivez, a clareza, a polícia (polimento, educação) e a
fortaleza; a África, caracterizada pela avareza, a falta de cultura e bruteza
(característica de quem é bruto), que tem o Cabo das Tormentas ou, hoje, Cabo
da Boa Esperança, ao Sul (Austro), a África fica ao Sul também (Austro) e tem
uma Natureza exuberante, além da que aparece no Cabo, com muitas terras,
habitada por gente sem Lei (a Lei do Deus cristão), “quase infinita”, quer
dizer, gente em grande quantidade. Nas estrofes seguintes, que não serão
comentadas, por não fazerem parte do estudo que aqui se interessou, aparecerão
outros povos (nações) e outros personagens. Curiosamente, pode-se ver, na
comparação entre Europa e África a visão dos europeus daquele tempo (século
XVI) sobre a África. Uma visão um tanto preconceituosa.
REFERÊNCIAS:
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas.
Disponível em: < http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000178.pdf >
Acesso em 22/11/2024.
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas. São
Paulo, Martin Claret, 2001. (Col. A Obra-Prima de Cada Autor, 33.)
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia.
3.ed. São Paulo, Ática, 2017.
FERREIRA, João. Chave Bíblica.
Sociedade Bíblica do Brasil, Brasília, 1970.
GOOGLE. Disponível em: < https://www.google.com/webhp?hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwityISf2o7sAhVTHLkGHbniCdIQPAgI > Acesso em 22/11/2024 .
MIMOSO, João Manuel. Os Lusíadas de Luís de
Camões. Disponível em: < https://www.inverso.pt/lusiadas/m%E1quina.htm > Acesso em 22/11/2024 .
WIKIPÉDIA. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_principal > Acesso em 22/11/2024
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário