domingo, 24 de agosto de 2025

TERCEIRO BIMESTRE - AULA 26 DE SOCIOLOGIA DOS SEGUNDOS ANOS. KARL MARX, FETICHE E ALIENAÇÃO (Prof. José Antônio Brazão.)

  

SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

COMANDO DE ENSINO POLICIAL MILITAR

 CEPMG - VASCO DOS REIS

Divisão de Ensino / Coordenação Pedagógica

TERCEIRO BIMESTRE

AULA 26 DE SOCIOLOGIA DOS SEGUNDOS ANOS:

KARL MARX, FETICHE E ALIENAÇÃO (Prof. José Antônio Brazão.)

EU, ETIQUETA

 

Em minha calça está grudado um nome

que não é meu de batismo ou de cartório,

um nome... estranho.

Meu blusão traz lembrete de bebida

que jamais pus na boca, nesta vida.

Em minha camiseta, a marca de cigarro

que não fumo, até hoje não fumei.

Minhas meias falam de produto

que nunca experimentei

mas são comunicados a meus pés.

Meu tênis é proclama colorido

de alguma coisa não provada

por este provador de longa idade.

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,

minha gravata e cinto e escova e pente,

meu copo, minha xícara,

minha toalha de banho e sabonete,

meu isso, meu aquilo,

desde a cabeça ao bico dos sapatos,

são mensagens,

letras falantes,

gritos visuais,

ordens de uso, abuso, reincidência,

costume, hábito, premência,

indispensabilidade,

e fazem de mim homem-anúncio itinerante,

escravo da matéria anunciada.

Estou, estou na moda.

É duro andar na moda, ainda que a moda

seja negar minha identidade,

trocá-la por mil, açambarcando

todas as marcas registradas,

todos os logotipos do mercado.

Com que inocência demito-me de ser

eu que antes era e me sabia

tão diverso de outros, tão mim mesmo,

ser pensante, sentinte e solidário

com outros seres diversos e conscientes

de sua humana, invencível condição.

Agora sou anúncio,

ora vulgar ora bizarro,

em língua nacional ou em qualquer língua

(qualquer, principalmente).

E nisto me comparo, tiro glória

de minha anulação.

Não sou - vê lá - anúncio contratado.

Eu é que mimosamente pago

para anunciar, para vender

em bares festas praias pérgulas piscinas,

e bem à vista exibo esta etiqueta

global no corpo que desiste

de ser veste e sandália de uma essência

tão viva, independente,

que moda ou suborno algum a compromete.

Onde terei jogado fora

meu gosto e capacidade de escolher,

minhas idiossincrasias tão pessoais,

tão minhas que no rosto se espelhavam

e cada gesto, cada olhar

cada vinco da roupa

sou gravado de forma universal,

saio da estamparia, não de casa,

da vitrine me tiram, recolocam,

objeto pulsante mas objeto

que se oferece como signo de outros

objetos estáticos, tarifados.

Por me ostentar assim, tão orgulhoso

de ser não eu, mas artigo industrial,

peço que meu nome retifiquem.

Já não me convém o título de homem.

Meu nome novo é coisa.

Eu sou a coisa, coisamente.

 

Carlos Drummond de Andrade ANDRADE, C. D. Obra poética, Volumes 4-6. Lisboa: Publicações Europa-América, 1989.

 

O texto acima encontra-se em:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Eu, etiqueta. Apud: PENSADOR UOL. Disponível em: https://www.pensador.com/frase/MjAyODM0/ Acesso em 22 de agosto de 2025.

O texto de Carlos Drummond de Andrade presta-se a um trabalho interdisciplinar muito bom entre Filosofia e Língua Portuguesa (dentro desta, a literatura brasileira contemporânea, no campo da poética). Nele encontram-se temáticas como: (1)Moda – Filosofia: Theodor Adorno e Max Horkheimer, com a Indústria Cultural. (2)Alienação – Filosofia: Ludwig Feuerbach e Karl Marx. (3)Identidade – o EU em diversos filósofos. (4)Ser sentinte, pensante e outros – Filosofia: o ser, ser humano, ser pensante (ex.: René Descartes). (5)Existência e vida – Filosofia: o Existencialismo. (6)Liberdade – Na Filosofia: vários filósofos e filósofas (ex.: Hannah Arendt). (7)(Várias outras temáticas e filósofos[as].) Escolher textos curtos bons das temáticas desses(as) filósofos(as) e pôr em discussão com o texto literário do escritor.

O POEMA EU, ETIQUETA, DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E A ALIENAÇÃO EM LUDWIG FEUERBACH E KARL MARX – Um estudo introdutório e comparativo: (Março de 2014. Revisto e ampliado em 2017.)

POEMA EU, ETIQUETA – ESTUDO:

Leia o texto todo e responda no caderno:

I – No nome do poema Eu, etiqueta a vírgula substitui, por elipse, que palavra(s) faltante(s)? ____________________________________________________________.

II – Levantamento vocabular (use um dicionário de língua portuguesa) – Dê o significado dos seguintes termos:

(1)EU - _______________________________________________________________.

(2)ETIQUETA - ________________________________________________________.

(3)NOME - ____________________________________________________________.

(4)LEMBRETE - _______________________________________________________.

(5)PROCLAMA - ______________________________________________________.

(6)MENSAGEM - ______________________________________________________.

(7)ORDEM - __________________________________________________________.

(8)REINCIDDÊNCIA - _________________________________________________.

(9)PREMÊNCIA - ______________________________________________________.

(10)ITINERANTE - _____________________________________________________.

(11)ESCRAVO - ________________________________________________________.

(12)IDENTIDADE - _____________________________________________________.

(13)MARCA - __________________________________________________________.

(14)LOGOTIPO - _______________________________________________________.

(15)SENTINTE - _______________________________________________________.

(16)PENSANTE (ser) - __________________________________________________.

(17)CONDIÇÃO - ______________________________________________________.

(18)HUMANA CONDIÇÃO - _____________________________________________

______________________________________________________________________.

(19)VULGAR - _________________________________________________________.

(20)BIZARRO - ________________________________________________________.

(21)MIMOSAMENTE - __________________________________________________.

(22)PÉRGULA(S) - _____________________________________________________.

(23)ESSÊNCIA - _______________________________________________________.

(24)IDIOSSINCRASIA(S) -_______________________________________________.

(25)VINCO - ___________________________________________________________.

(26)ESTÉTICA - _______________________________________________________.

(27)SIGNO (de objetos) - ________________________________________________.

(28)COISA - __________________________________________________________.

(29)COISAMENTE - ___________________________________________________.

III – LEVANTAMENTO DE INFORMAÇÕES:

Poema Eu, etiqueta: (Prof. José Antônio.)

Eu. Homem.

Etiqueta. Anúncio.

Itinerante: que vai de um lugar a outro.

Escravo. Ordens.

Moda = doce; comparação; moda = algo que dá prazer (o doce dá prazer). Nega a identidade [ou negação da identidade].

Identidade: aquilo que você é.

Verbo. Identificação. SER.

O SER = nome (substantivo). Ser = aquilo que é, que existe.

“O ser é, o não-ser não é”, diz Parmênides, filósofo grego anterior a Cristo.

“Eu sou aquele que sou”, diz Deus, falando de si para Moisés, em um dos primeiros capítulos do livro do Êxodo. Nome de Deus.

Sua identidade é seu SER, aquilo que representa o que você é. [A identidade de uma pessoa é seu SER, aquilo que representa o que ela é.]

POEMA EU, ETIQUETA, DE CARLOS D. DE ANDRADE [comentário]: (Prof. José Antônio.)

O poema Eu, etiqueta, de Carlos Drummond de Andrade, trata da transformação das pessoas em objetos, marcas, anúncios, de sua perda de identidade, transformando-se em coisas, abandonando o ser, sua essência.

O ser aparece no poema na forma de verbo conjugado no presente do indicativo, apontando para a realidade da coisificação (reificação) pessoal, e como substantivo (o nome ser), referindo-se ao gênero humano (ser humano, ser pessoa).

De tanto fazer uso de vestes e acessórios para o corpo contendo marcas de produtos do mercado e, por vontade própria (“eu é que mimosamente pago”), propagandeiam aquelas mercadorias, as pessoas acabam perdendo aquilo que as identifica(m). Em vez de mostrar o que são, mostram coisas, nomes de produtos, de mercadorias), acabando por identificar-se com elas, ainda que não as comprem ou usem. A moda impõe-se, a personalidade obedece, a moda entra, a personalidade sai, esvaindo-se, perdendo-se.

O poema expõe a antítese (oposição) entre o ser (ser humano, pessoa) e o não-ser, isto é, a perda da identidade humana, que acaba por tornar-se coisa, objeto de anúncio mercadológico. O mercado, com suas marcas (etiquetas), impõe-se sobre a pessoa, levando-a a identificar-se com as mercadorias, alienando-se de seu ser.

No século 19 (XIX), Karl Marx estudou as ideias de Ludwig Feuerbach (filósofo alemão também do mesmo século). Este, ao estudar as religiões, concluiu que os homens criam os deuses, prestando-lhes culto e criando doutrinas ao redor de suas crenças. Com o passar do tempo, os criadores (pessoas) se tornaram criaturas daqueles que, na verdade, haviam criado, isto é, tornaram-se criaturas dos deuses e deusas. Desta forma, os seres humanos alienaram-se.

Aliu(s), no latim, é outro. Alienação é a ação de tornar-se outro (aliu[s]), deixando de ser o que se é e perdendo, portanto, sua identidade humana, de criador, passando a identificar-se como criaturas dos deuses. Por meio dessa alienação surgiram, pois, os deuses e as deusas, cabendo às criaturas alienadas (pessoas) submeter-se àqueles e aos seus representantes religiosos, os sacerdotes.

Marx aplicou as ideias de Feuerbach na análise da mercadoria. Toda mercadoria é algo produzido por trabalhadores e trabalhadores, principalmente em fábricas (indústrias), muitas vezes com o auxílio de máquinas – de fato, na época de Marx, a Revolução Industrial já havia avançado muito e, com ela, também a exploração de tais produtores(as). Mercadoria é um produto que vai para o mercado, a fim de ser vendido, conferindo lucros aos donos da produção (comerciantes, industriais e outros), ou seja, aos capitalistas.

A exploração de cada trabalhador e trabalhadora, de todos(as) os(as) trabalhadores(as) ocorria (e ocorre) de diferentes modos, com destaque para a mais valia – um valor a mais produzido que é apropriado pelos capitalistas –, seja através do aumento das horas trabalhadas (horas extras) e não pagas, seja pelo incremento da produção, tornando-a mais rápida e em maior escala, com o auxílio de máquinas e da colocação dos(as) trabalhadores(as) em linha. Também salários baixos – os salários eram tão baixos, no século 19 (XIX), que mulheres e crianças tinham que postas para trabalhar a fim de dar condições de sobrevivência às famílias, e recebiam salários menores que os dos homens. Não havia previdência social. As condições de trabalho nas fábricas eram péssimas, até mesmo insalubres. Havia crianças e adultos que perdiam mãos e até braços, estraçalhados pelas máquinas em momentos de descuido. Pior: perdiam o emprego quando isso ocorria, sem qualquer direito. Muitas vezes, todos(as) trabalhavam mais de 12 horas por dia! Férias inexistiam. Relógios eram manipulados para que cada trabalhador(a), com sua mulher e seus filhos trabalhassem a mais.

E as mercadorias? Postas no mercado, passaram a ser vistas como objetos de necessidade e, muitas vezes, até de desejos. O trabalhador e a trabalhadora (operários, operárias e outros) deixaram de ver as mercadorias como produtos do trabalho explorado. As mercadorias, com o tempo, foram se tornando fetiches. A alienação estava em curso: a mercadoria fetichizada perdeu seu caráter de produto e se tornou um bem em si, inclusive como objeto de desejo, de culto, como os deuses de Feuerbach. Cada trabalhador(a) se tornou um outro ser diante da mercadoria exposta na vitrine e no mercado, não enxergando nela um produto, fruto da exploração que enriquece os capitalistas. Só para dar alguns exemplos atuais: as mercadorias aparecem na televisão, em outdoors, vitrines de shoppings e mercados, lojas, etc., desejáveis e até mesmo idolatráveis, fetiches! Aquele carro do ano, aquela roupa da moda, aquele tênis, aquela grife, etc., como bem apresenta também o poema de Carlos Drummond de Andrade.

Fetiche significa, originalmente, feitiço, encantamento. A mercadoria, que se tornou um objeto encantado pelo mercado, objeto de profundo desejo e de adoração. E o que é uma crise econômica? Uma crise dessa adoração, desse encantamento, momento em que, por causa da falta de compra e redução nas vendas (muitas vezes, pela falta de dinheiro pela maioria das pessoa), o mercado entra em colapso. Então, os capitalistas, com o mercado, fazem? Em sua adoração à riqueza e à ambição desenfreadas, sacrifica a vida de milhões e milhões de pessoas, desempregadas e, muitas, levadas de volta à miséria.

No século 19 (XIX), crises de superprodução eram comuns. Produzia-se além do poder de consumo das pessoas, então sobrava muito, perdas podiam ser grandes. E a solução? Reduzir a produção, diminuindo a quantidade de trabalhadores(as), levados(as) ao desemprego e sujeitos, mais ainda, a salários curtíssimos – algo similar ao que ocorre no mundo atual –, no intuito de manter as riquezas do capital. O capital transforma as pessoas em coisas, palavra que aparece tanto no poema de Drummond (século 20 [XX]) quanto, antes dele, em Karl Marx (século 19 [XIX]).

O ser humano alienado – tornado outro –, ou seja, alguém sem identidade, torna-se coisa. Marx usa o termo reificação, ação de tornar-se res (palavra do latim que significa coisa) – coisificação. Daí, como bem aparece no poema, o Eu tornar-se “coisa, coisamente”.

A alienação – perda de identidade de produtor(a) de mercadorias, perda de identidade das pessoas enquanto pessoas – reforça a exploração, escondendo a realidade dessa exploração. Uma crise econômica, como a atual, no Brasil e no mundo, por exemplo, aparece ideologicamente como crise da falta de venda de mercadorias, como fruto do desaquecimento do mercado, não como fruto da reificação, da coisificação de milhões e milhões de trabalhadores(as) e de suas famílias. Ao deus mercado, junto com a ambição desenfreada em busca do aumento das riquezas de empresas e bancos, sacrificam-se vidas, famílias inteiras. Criam-se aparências, como a de que a culpa é também da Previdência ou das leis trabalhistas ditas antigas ou ultrapassadas. Esconde-se que, por trás, existe, no fundo, a exploração e milhões de pessoas cujo trabalho sustenta o modo de produção capitalista. Mexer em direitos de trabalhadores(as) para aumentar as riquezas e o poder econômico e político de grandes empresários, empresas multinacionais, investidores nacionais e estrangeiros, latifundiários e outros, a quem as reformas diretamente vão beneficiar e que não sofrerão com as perdas sofridas por aqueles(as).

Além dos seres humanos (operários e outros trabalhadores), o próprio mundo natural continua a ser sacrificado pelo capital. Uma das razões dos impasses em conferências climáticas, das saídas de grandes poluidores mundiais de tratados internacionais, é a produção de mercadorias e bens, sejam estes de compra e venda diretas, em mercados comuns, sejam eles bens financeiros (ações e outros produtos presentes em bolsas de valores). Uma produção fundada na exploração, de muitas formas, como as já apresentadas: mais valia, salários baixíssimos, horas extras não pagas, perda de direitos trabalhistas (na previdência, nas leis, etc.), etc. A própria corrupção, nas negociações e até na política aliada aos interesses do capital, é um meio de exploração – pessoas e grupos ricos se enriquecem às custas também do roubo do que é coletivo. Dentre os resultados, igualmente se encontram milhares de mortes em hospitais e serviços públicos de saúde, pessoas morrendo de fome em continentes inteiros, como é o caso da África, das Américas e outros, e tantos desmandos.

As mercadorias fetichizadas, não vistas mais como produtos frutos do trabalho explorado mas como bens de consumo, tornam-se objetos de desejo e de adoração, reforçados pela propaganda constante, seja na televisão, seja no rádio, em outdoors e por outros meios de comunicação, seja, como mostra bem o poema de Drummond, através da própria roupa, ou melhor, do próprio corpo, que estampa marcas e ideias de consumo, realizando gratuita e escravizadamente (“escravo da matéria anunciada”) a tal propaganda. Ao fetiche reforçado da mercadoria todos estão sujeitos: adultos, idosos, jovens, homens, mulheres e crianças. Aos fundamentos e às consequências do mercado e até de seu descontrole também!

E aqui um comentário sobre a “matéria anunciada”, da qual se torna escravo, perdendo a identidade, como aparece no poema. Matéria é o estofo, o conteúdo de que que uma mercadoria é feita. Curiosamente, a mercadoria é apresentada como matéria. Tem-se aqui uma metonímia – figura de linguagem que troca, neste caso, o contido (o bem, mercadoria) pelo conteúdo de que ele é composto. E não aparece à toa. A matéria transformada pelo trabalho se torna mercadoria, que é anunciada por meio das etiquetas. As mercadorias expostas à venda nos mercados, em sua imensa maioria, são, na verdade, matérias anunciadas, matérias em sua essência – diferentemente da essência humana, responsável pela identidade das pessoas enquanto seres inigualáveis, em sua “invencível condição”.

Crises econômicas (e políticas) trazem consigo, entre outros males, o desemprego. Ora, o desemprego, no sistema capitalista, também faz parte da exploração: empurra para baixo salários, obriga a realização de horas extras sem reclamação, oferece um exército de mão-de-obra barata constante, reduz o desejo de greve e desarticula movimentos de luta em prol dos(as) trabalhadores(as), possibilita que uma reforma trabalhista injusta – que leva à perda de direitos e ao aumento da exploração capitalista – seja engolida por goela abaixo pela imensa maioria daqueles(as) trabalhadores(as) desempregados(as) e também pelos(as) que estão empregados(as) sem reação e sem reclamação. Obriga a realização também de reformas político-econômicas injustas, a perda de bens coletivos da maioria, mas mantendo privilégios de quem dispõe de imensas riquezas nas mãos.

Guerras e violência entram, igualmente, nesse contexto. Mais de quinhentas mil pessoas mortas em guerra na Síria, milhares mortas na África, outros milhares pela violência no Brasil e em países do mundo todo (milhões de pessoas, se somados os milhares). Invasões, manutenção de exércitos (tropas) e outros meios de demonstração e sustentação do poder são outros fatos. Pessoas que perderam a identidade, que se tornaram coisas. Fetiche da mercadoria, fetiche do poder e da riqueza. Reificação (coisificação) de seres humanos, similar àquela presente no texto de Carlos Drummond de Andrade e que a reforça. Para que o consumo reificado de mercadorias e bens ocorra, além da identidade, pessoas perdem a vida e o mundo natural, com os seres humanos dentro dele, sofre com o aquecimento global e outros desastres naturais e humanos.

REFERÊNCIA:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Eu, etiqueta. Apud: PENSADOR UOL. Disponível em: https://www.pensador.com/frase/MjAyODM0/  Acesso em 22 de agosto de 2025.

 

 

TERCEIRO BIMESTRE - AULA 26 DE FILOSOFIA DOS PRIMEIROS ANOS. UM PEQUENO ESTUDO SOBRE O AMOR PLATÔNICO (Prof. José Antônio Brazão.)

 

SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA/SECRETARIA DE EDUCAÇÃO

COMANDO DE ENSINO POLICIAL MILITAR

 CEPMG - VASCO DOS REIS

Divisão de Ensino / Coordenação Pedagógica

TERCEIRO BIMESTRE

AULA 26 DE FILOSOFIA DOS PRIMEIROS ANOS

UM PEQUENO ESTUDO SOBRE O AMOR PLATÔNICO:

(Prof. José Antônio Brazão.)

LEIA ATENTAMENTE OS POEMAS (SONETOS) A SEGUIR, DE LUÍS VAZ DE CAMÕES (escritor português do século XVI):

Ambos os sonetos tratam do AMOR.

SONETO 5:

Amor é um fogo que arde sem se ver;

é ferida que dói e não se sente;

é um contentamento descontente;

é dor que desatina sem doer.

 

É um não querer mais que bem querer;

é um andar solitário entre a gente;

é nunca contentar-se de contente;

é um cuidar que ganha em se perder.

 

É querer estar preso por vontade;

é servir a quem vence, o vencedor;

é ter com quem nos mata, lealdade.

 

Mas como causar pode seu favor

nos corações humanos amizade

se tão contrário a si é o mesmo Amor?

 

SONETO 48:

 

Quem quiser ver de Amor uma excelência

onde sua fineza mais se apura,

atente onde me põe minha ventura,

por ter de minha fé experiência.

 

Onde lembranças mata a longa ausência,                    [Em 1598: matão.]

em temeroso mar, em guerra dura,

ali a saudade está segura,

quando mor risco corre a paciência.

 

Mas ponha-me Fortuna e o duro Fado

em nojo, morte, dano e perdição,                     [nojo = situação de quem se aborrece.]

ou em sublime e próspera ventura;

 

ponha-me, enfim, em baixo ou alto estado;

que até na dura morte me acharão

na língua o nome, n’alma a vista pura.

 

Fonte dos sonetos:

CAMÕES, Luís de. Sonetos. São Paulo, Martin Claret, 2000. (Col. A Obra-Prima de Cada Autor, 16.)

 

Análise inicial, simples, do Soneto 5:

 (E1M01 – 01\08\2016) – Tempestade de ideias. AMOR:

·       Não correspondido (nem sempre).

·       Verdadeiro.

·       Ideal (que é fruto de ideias).

·       Doloroso (arde sem se ver).

·       Indeciso (conflituoso, contraditório).

·       Puro (não meramente sensual).

·       Atrativo.

·       Fiel.

·       Nem sempre sabido pela pessoa amada.

Para Platão, o ser humano deve elevar sua alma ao Amor ideal (inteligível), ao Mundo das Ideias (Mundo Inteligível), onde habitam as Ideias (Formas) perfeitas de tudo que existe e o BEM.

Os mundos de Platão:                  (USAR DESENHOS E DIAGRAMAS.)

Mundo das Ideias (Mundo Inteligível, superior, imutável e perfeito)

Mundo Sensível (mundo dos sentidos, mutável, cópia imperfeita do Inteligível)

Análise básica 1 (E1M01) do Soneto 5: (Valor: 5,0.)

1)    O que é o amor? (Verifique no dicionário de língua portuguesa e anote. A internet também pode ser pesquisada.)

2)    O que é o amor, segundo o poema (soneto 5)?

3)    O amor apresentado no soneto 5 é real ou idealizado? Por quê?

4)    O amor apresentado no soneto 5 é carnal ou ideal? Por quê?

5)    Por que o amor, exposto no soneto 5, é contradidório (“contrário a si mesmo”)? Que contrários aparecem no poema que confirmam isto?

6)    O amor é representado (tornado presente na mente como imagem, ideia, forma), no poema (soneto 5), por quais ideias?

7)    Você concorda com o poeta? Por quê?

Análise básica 2 (outros primeiros anos) do Soneto 5: (Valor: 5,0.)

1)    O que é o amor?

a)    Procure no dicionário de língua português e responda (anote).

b)    Dê sua opinião (o que você pensa) sobre o que é o amor.

c)    Pergunte a algumas pessoas conhecidas (amigos, amigas, parentes, etc.), nas redes sociais e\ou no dia a dia sobre o amor: o que é o amor para elas?

2)    O amor que aparece no poema (soneto 5) é carnal ou ideal\idealizado? Por quê?

3)    “(...) tão contrário a si é o mesmo Amor”. Que opostos do poema (soneto 5) mostram isto?

4)    Um soneto é composto de quantas estrofes e de quantos versos cada?

5)    O que seria um amor ideal para você? Por quê?

6)    Por que, no fim do poema, Amor é escrito com letra maiúscula (Amor)? Pense e responda.

CURIOSIDADE: O poema (Soneto 5) de Camões foi unido ao texto da Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 13, de Paulo, com alguns acréscimos do cantor Renato Russo, na música Monte Castelo, da Banda Legião Urbana.

Sequência: QUESTINÁRIO.

O AMOR PLATÔNICO – QUESTIONÁRIO-PESQUISA INTRODUTÓRIO: (10,0)

(1)Você já deve ter ouvido a expressão “amor platônico”. O que ela significa? Comente. (Se não souber, pesquise na internet ou em um bom dicionário de português e anote.)

(2)Dê um exemplo atual de amor platônico.

(3)Quem foram Romeu e Julieta (de Shakespeare)? O que aconteceu com ambos?

(4)O amor platônico está presente na história de Romeu e Julieta. Como?

(5)Leia os sonetos 5 e 48 de Camões. Que tipo de amor eles apresentam? Explique.

(6)Que elementos característicos (próprios) do amor os dois poemas de Camões apresentam? Anote cinco desses elementos ou características.

(7)Para você, como seria um amor ideal? Por quê?

(8)O amor é uma ideia, um sentimento ou uma experiência sensível (ou conjunto de experiências sensíveis, sensoriais, dos sentidos)? Defenda sua posição.

(9)Só existe uma forma de amor? Explique sua resposta.

(10)O amor verdadeiro tem componentes físicos, químicos ou é fruto do puro pensar? Explique sua resposta.

(11)O que seria o amor pelo Bem ideal, eterno e perfeito? Comente.

(12)Como o amor aparece nas novelas de TV e nos filmes de cinema? Cite alguns exemplos. Observe e anote.

(13)É possível amor verdadeiro entre um casal, hoje? Explique.

(14)Como o amor de casal aparece nos desenhos animados? Dê alguns exemplos.

(15)O heterossexualismo (veja significado no dicionário ou na internet), masculino e feminino, é um modo de amar? Opine e explique. Dê exemplo.

(16)O homossexualismo (veja significado no dicionário ou na internet), masculino e feminino, é um modo de amar? Opine e explique. Dê exemplo.

(17)O casamento é permanente ou provisório (cf. sentidos em dicionário\internet)? Explique sua posição.

(18)Faça uma pesquisa na internet – número de casamentos e número de divórcios: (a) na década de 2001-2010; (b) em 2014, 2015 e 2016. Pesquise e anote. Fácil!

(19)Como você encara o casamento de pessoas homoafetivas (gays e lésbicas)? Explique sua resposta, detalhe-a fundamentando-a (dando base a ela).

(20)O que significa a expressão “cara metade”? E o ditado “Cada pote [panela] tem uma tampa” (ou “Para cada pote [panela] há uma tampa.”)? O que a expressão e o ditado têm em comum? O que significam?

(21)O divórcio (separação) é um fim ou um (re)começo? Como você encara?

(22)O que fortalece a relação de um casal, seja hetero ou homoafetivo? Faça uma pesquisa (levantamento) e anote.

A seguir, trechos de O Banquete, de Platão, filósofo grego que viveu entre os séculos V e IV antes de Cristo, sobre o Amor:

Trecho 1:

“Pois de novo revém a mesma ideia, que aos homens moderados, e para que mais moderados se tornem os que ainda não sejam, deve-se aquiescer e conservar o seu amor, que é o belo, o celestial, o Amor da musa Urânia; o outro, o de Polímnia, é o popular, que com precaução se deve trazer àqueles a quem se traz, a fim de que se colha o seu prazer sem que nenhuma intemperança ele suscite, tal como em nossa arte é uma importante tarefa o servir-se convenientemente dos apetites da arte culinária, de modo a que sem doença se colha o seu prazer. Tanto na música então, como na medicina e em todas as outras artes, humanas e divinas, na medida do possível, deve-se conservar um e outro amor; ambos com efeito nelas se encontram. De fato, até a constituição das estações do ano está repleta desses dois amores, e quando se tomam de um moderado amor um pelo outro os contrários de que há pouco eu falava, o quente e o frio, o seco e o úmido, e adquirem uma harmonia e uma mistura razoável, chegam trazendo bonança e saúde aos homens, aos outros animais e às plantas, e nenhuma ofensa fazem; quando porém é o Amor casado com a violência que se torna mais forte nas estações do ano, muitos estragos ele faz, e ofensas. Tanto as pestes, com efeito, costumam resultar de tais causas, como também muitas e várias doenças nos animais como nas plantas; geadas, granizos e alforras resultam, com efeito, do excesso e da intemperança mútua de tais manifestações do amor, cujo conhecimento nas translações dos astros e nas estações do ano chama-se astronomia. E ainda mais, não só todos os sacrifícios, como também os casos a que preside a arte divinatória — e estes são os que constituem o comércio recíproco dos deuses e dos homens — sobre nada mais versam senão sobre a conservação e a cura do Amor. Toda impiedade, com efeito, costuma advir, se ao Amor moderado não se aquiesce nem se lhe tributa honra e respeito em toda ação, e sim ao outro, tanto no tocante aos pais, vivos e mortos, quanto aos deuses; e foi nisso que se assinou à arte divinatória o exame dos amores e sua cura, e assim é que por sua vez é a arte divinatória produtora de amizade entre deuses e homens, graças ao conhecimento de todas as manifestações de amor que, entre os homens, se orientam para a justiça divina e a piedade.

Assim, múltiplo e grande, ou melhor, universal é o poder que em geral tem todo o Amor, mas aquele que em torno do que é bom se consuma com sabedoria e justiça, entre nós como entre os deuses, é o que tem o máximo poder e toda felicidade nos prepara, pondo-nos em condições de não só entre nós mantermos convívio e amizade, como também com os que são mais poderosos que nós, os deuses. Em conclusão, talvez também eu, louvando o Amor, muita coisa estou deixando de lado, não todavia por minha vontade. Mas se algo omiti, é tua tarefa, ó Aristófanes, completar; ou se um outro modo tens em mente de elogiar o deus, elogia-o, uma vez que o teu soluço já o fizeste cessar.”

(Trecho de O Banquete, de Platão. Parte da fala de Erixímaco, um dos participantes do banquete, durante o qual Sócrates e outras pessoas discutiram sobre o amor. Páginas 9 e 10 do texto consultado, indicado ao final.)

Trecho 2: Mito do Andrógino.

“Na verdade, Erixímaco, disse Aristófanes, é de outro modo que tenho a intenção de falar, diferente do teu e do de Pausânias. Com efeito, parece-me os homens absolutamente não terem percebido o poder do amor, que se o percebessem, os maiores templos e altares lhe preparariam, e os maiores sacrifícios lhe fariam, não como agora que nada disso há em sua honra, quando mais que tudo deve haver. É ele com efeito o deus mais amigo do homem, protetor e médico desses males, de cuja cura dependeria sem dúvida a maior felicidade para o gênero humano. Tentarei eu portanto iniciar-vos em seu poder, e vós o ensinareis aos outros. Mas é preciso primeiro aprenderdes a natureza humana e as suas vicissitudes. Com efeito, nossa natureza outrora não era a mesma que a de agora, mas diferente. Em primeiro lugar, três eram os gêneros da humanidade, não dois como agora, o masculino e o feminino, mas também havia a mais um terceiro, comum a estes dois, do qual resta agora um nome, desaparecida a coisa; andrógino era então um gênero distinto, tanto na forma como no nome comum aos dois, ao masculino e ao feminino, enquanto agora nada mais é que um nome posto em desonra. Depois, inteiriça era a forma de cada homem, com o dorso redondo, os flancos em círculo; quatro mãos ele tinha, e as pernas o mesmo tanto das mãos, dois rostos sobre um pescoço torneado, semelhantes em tudo; mas a cabeça sobre os dois rostos opostos um ao outro era uma só, e quatro orelhas, dois sexos, e tudo o mais como desses exemplos se poderia supor. E quanto ao seu andar, era também ereto como agora, em qualquer das duas direções que quisesse; mas quando se lançavam a uma rápida corrida, como os que cambalhotando e virando as pernas para cima fazem uma roda, do mesmo modo, apoiando-se nos seus oito membros de então, rapidamente eles se locomoviam em círculo. Eis por que eram três os gêneros, e tal a sua constituição, porque o masculino de início era descendente do sol, o feminino da terra, e o que tinha de ambos era da lua, pois também a lua tem de ambos; e eram assim circulares, tanto eles próprios como a sua locomoção, por terem semelhantes genitores. Eram por conseguinte de uma força e de um vigor terríveis, e uma grande presunção eles tinham; mas voltaram-se contra os deuses, e o que diz Homero de Efialtes e de Otes é a eles que se refere, a tentativa de fazer uma escalada ao céu, para investir contra os deuses. Zeus então e os demais deuses puseram-se a deliberar sobre o que se devia fazer com eles, e embaraçavam-se; não podiam nem matá-los e, após fulminá-los como aos gigantes, fazer desaparecer-lhes a raça - pois as honras e os templos que lhes vinham dos homens desapareceriam — nem permitir-lhes que continuassem na impiedade. Depois de laboriosa reflexão, diz Zeus: “Acho que tenho um meio de fazer com que os homens possam existir, mas parem com a intemperança, tornados mais fracos. Agora com efeito, continuou, eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de se terem tomado mais numerosos; e andarão eretos, sobre duas pernas. Se ainda pensarem em arrogância e não quiserem acomodar-se, de novo, disse ele, eu os cortarei em dois, e assim sobre uma só perna eles andarão, saltitando.” Logo que o disse pôs-se a contar os homens em dois, como os que cortam as sorvas para a conserva, ou como os que cortam ovos com cabelo; a cada um que cortava mandava Apolo voltar-lhe o rosto e a banda do pescoço para o lado do corte, a fim de que, contemplando a própria mutilação, fosse mais moderado o homem, e quanto ao mais ele também mandava curar. Apolo torcia-lhes o rosto, e repuxando a pele de todos os lados para o que agora se chama o ventre, como as bolsas que se entrouxam, ele fazia uma só abertura e ligava-a firmemente no meio do ventre, que é o que chamam umbigo. As outras pregas, numerosas, ele se pôs a polir, e a articular os peitos, com um instrumento semelhante ao dos sapateiros quando estão polindo na forma as pregas dos sapatos; umas poucas ele deixou, as que estão à volta do próprio ventre e do umbigo, para lembrança da antiga condição. Por conseguinte, desde que a nossa natureza se mutilou em duas, ansiava cada um por sua própria metade e a ela se unia, e envolvendo-se com as mãos e enlaçando-se um ao outro, no ardor de se confundirem, morriam de fome e de inércia em geral, por nada quererem fazer longe um do outro. E sempre que morria uma das metades e a outra ficava, a que ficava procurava outra e com ela se enlaçava, quer se encontrasse com a metade do todo que era mulher - o que agora chamamos mulher — quer com a de um homem; e assim iam-se destruindo. Tomado de compaixão, Zeus consegue outro expediente, e lhes muda o sexo para a frente - pois até então eles o tinham para fora, e geravam e reproduziam não um no outro, mas na terra, como as cigarras; pondo assim o sexo na frente deles fez com que através dele se processasse a geração um no outro, o macho na fêmea, pelo seguinte, para que no enlace, se fosse um homem a encontrar uma mulher, que ao mesmo tempo gerassem e se fosse constituindo a raça, mas se fosse um homem com um homem, que pelo menos houvesse saciedade em seu convívio e pudessem repousar, voltar ao trabalho e ocupar-se do resto da vida. E então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada um de nós, portanto, é uma téssera[*] complementar de um homem[**], porque cortado como os linguados, de um só em dois; e procura então cada um o seu próprio complemento.(...)”

(Trecho de O Banquete, de Platão. Parte da fala de Aristófanes, teatrólogo, em sua resposta a Erixímaco, outro dos participantes do banquete, durante o qual Sócrates e outras pessoas discutiram sobre o amor. Páginas 11 e 12 do texto consultado, indicado ao final.)

[*]tés·se·ra

substantivo feminino

1. Senha usada pelos primitivos cristãos.

2. Cubo ou dado, com marcas em todas as seis faces.

3. Tabuleta em que os chefes militares escreviam as ordens que o tesserário havia de transmitir às tropas.

"téssera", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/téssera [consultado em 24-08-2016].

[**]Homem: aqui indicando ser humano.

Trecho 3:

“- Que seria então o Amor? - perguntei-lhe. - Um mortal?

- Absolutamente.

- Mas o quê, ao certo, ó Diotima?

- Como nos casos anteriores - disse-me ela - algo entre mortal e imortal.

- O quê, então, ó Diotima?

- Um grande gênio, ó Sócrates; e com efeito, tudo o que é gênio está entre um deus e um mortal.

- E com que poder? Perguntei-lhe.

- O de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos ele os completa, de modo que o todo fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que procede não só toda arte divinatória, como também a dos sacerdotes que se ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e enfim de toda adivinhação e magia. Um deus com um homem não se mistura, mas é através desse ser que se faz todo o convívio e diálogo dos deuses com os homens, tanto quando despertos como quando dormindo; e aquele que em tais questões é sábio é um homem de gênio, enquanto o sábio em qualquer outra coisa, arte ou oficio, é um artesão. E esses gênios, é certo, são muitos e diversos, e um deles é justamente o Amor.

- E quem é seu pai - perguntei-lhe - e sua mãe?

- É um tanto longo de explicar, disse ela; todavia, eu te direi. Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar - pois vinho ainda não havia - penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio ele recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis com efeito o que se dá. Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio - pois já é -, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa. Nem também os ignorantes filosofam ou desejam ser sábios; pois é nisso mesmo que está o difícil da ignorância, no pensar, quem não é um homem distinto e gentil, nem inteligente, que lhe basta assim. Não deseja portanto quem não imagina ser deficiente naquilo que não pensa lhe ser preciso.

- Quais então, Diotima - perguntei-lhe - os que filosofam, se não são nem os sábios nem os ignorantes?

- É o que é evidente desde já - respondeu-me - até a uma criança: são os que estão entre esses dois extremos, e um deles seria o Amor. Com efeito, uma das coisas mais belas é a sabedoria, e o Amor é amor pelo belo, de modo que é forçoso o Amor ser filósofo e, sendo filósofo, estar entre o sábio e o ignorante. E a causa dessa sua condição é a sua origem: pois é filho de um pai sábio e rico e de uma mãe que não é sábia, e pobre. É essa então, ó Sócrates, a natureza desse gênio; quanto ao que pensaste ser o Amor, não é nada de espantar o que tiveste. Pois pensaste, ao que me parece a tirar pelo que dizes, que Amor era o amado e não o amante; eis por que, segundo penso, parecia-te todo belo o Amor. E de fato o que é amável é que é realmente belo, delicado, perfeito e bem-aventurado; o amante, porém é outro o seu caráter, tal qual eu expliquei.

E eu lhe disse: - Muito bem, estrangeira! É belo o que dizes! Sendo porém tal a natureza do Amor, que proveito ele tem para os homens?

- Eis o que depois disso - respondeu-me - tentarei ensinar-te. Tal é de fato a sua natureza e tal a sua origem; e é do que é belo, como dizes. Ora, se alguém nos perguntasse: Em que é que é amor do que é belo o Amor, ó Sócrates e Diotima? ou mais claramente: Ama o amante o que é belo; que é que ele ama?

- Tê-lo consigo - respondi-lhe.”

(Trecho de O Banquete, de Platão. Parte da fala de Diotima, filósofa que estava entre os participantes do banquete, durante o qual Sócrates e outras pessoas discutiram sobre o amor. Páginas 21 a 23 do texto consultado, indicado ao final.)

Fonte dos trechos citados de O Banquete, de Platão:

PLATÃO. O Banquete. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2279> Acesso em 21 de agosto de 2016.

O estudo de textos não filosóficos, aqui, especificamente, literários, relacionados ao componente curricular (matéria) Língua Portuguesa, encontra-se com o dos textos filosóficos. E as Orientações Curriculares Para o Ensino Médio – Ciências Humanas e suas Tecnologias, tratando da primazia dos textos escritos por filósofos(as), como material primário e fundamental ao aprendizado de Filosofia, abrem, de fato, a possibilidade de diálogo com aqueles textos. Eis o que elas dizem na página 37:

“Para a realização de competências específicas, que se têm sobretudo mediante a referência consistente à História da Filosofia, deve-se manter a centralidade do texto filosófico (primários de preferência), pois a Filosofia comporta ‘um acervo próprio de questões, uma história que a destaca suficientemente das outras produções culturais, métodos peculiares de investigação e conceitos sedimentados historicamente’. Certamente, no desenvolvimento do modo especificamente filosófico de apresentar e propor soluções de problemas, o exercício de busca e reconhecimento de problemas filosóficos em textos de outra natureza, literários e jornalísticos, por exemplo, não deixa de ser salutar, contanto que não se desloque, com isso, o primado do texto filosófico.” (IN: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Orientações Curriculares Para o Ensino Médio – Ciências Humanas e suas Tecnologias. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_03_internet.pdf Acesso em 21 de agosto de 2016.) (grifos meus)

O diálogo interdisciplinar com a Língua Portuguesa pode ser muitíssimo valioso no aprendizado estudantil, no ensino médio. Um diálogo em que se encontram textos de ambos componentes curriculares, nos quais há presença de temáticas semelhantes e até convergentes, no sentido de disporem de raízes comuns. No caso dos sonetos de Camões citados, entre outros que se encontram em seu livro Sonetos, há uma forte influência do neoplatonismo renascentista.