terça-feira, 3 de janeiro de 2017

LEUCIPO, DEMÓCRITO E EPICURO: OS ÁTOMOS. (Prof. José Antônio Brazão.)

Diógenes Laércio, um escritor da antiguidade, assim afirma, no fragmento doxográfico (texto escrito de opinião sobre alguém, aqui, sobre o filósofo), sobre o filósofo Leucipo de Abdera: “[Leucipo] Foi o primeiro a afirmar os átomos como princípio de todas as coisas.(...)” (LAÉRCIO, Diógenes, apud Bornheim, 1998: 104). E sobre Demócrito, Laércio afirma:
“DOXOGRAFIA
“1 – Eis as teorias de Demócrito. Na origem de todas as coisas estão os átomos e o vazio (tudo o mais não passa de suposição). Os mundos são ilimitados, engendrados e perecíveis. Nada nasce do nada e nada volta ao nada. Os átomos são ilimitados em grandeza e número, e são arrastados com o todo em um turbilhão. Assim nascem todos os compostos: o fogo, o ar, a água, a terra. Pois são conjuntos de átomos, incorruptíveis e fixos devido à sua firmeza. O Sol e a Lua são compostos de massas semelhantes, simples e redondas; e a alma, da mesma forma, a qual é idêntica ao espírito. Nós vemos pela projeção de imagens. Tudo se faz por necessidade; sendo o turbilhão causa da gênese de tudo, ele o chama de necessidade. O bem supremo é a felicidade (‘euthymia’), muito diversa do prazer, ao contrário do que creram aqueles que não souberam compreendê-la; consiste no repouso e quietude da alma, não perturbada por nenhum temor, superstição ou afecção. Chama esta atitude de diversos nomes, entre outros o de ‘bem-estar’. As propriedades são convenção dos homens, ao passo que os átomos e o vazio existem segundo a natureza. Estão são as suas doutrinas. (Diog. Lart. IX).” (LAÉRCIO, Diógenes, apud Bornheim, 1998: 124.)
Leucipo, Demócrito e Epicuro, filósofos gregos que viveram entre o século cinco e três antes de Cristo, falam da existência de átomos, partículas minúsculas (as menores da matéria) que compõem todas as coisas. Como será que podem ter chegado a essa conclusão? Leucipo e Demócrito antecederam em, pelo menos, um século, o pensador Epicuro. Este, por sua vez, tomou contato com as ideias deles e até escreveu sobre os átomos. Anaxágoras, outro filósofo, havia também falado das homeomerias, partículas minúsculas.
Três atitudes, com certeza, se uniram para que os átomos fossem descobertos (e, no caso de Epicuro, o estudo e a defesa da existência deles): a observação sensível (por meio dos sentidos), com as constatações daí advindas, a reflexão racional (da razão) e a imaginação (capacidade humana de formar imagens na mente).
Primeiramente, o que os três observaram com os olhos, o tato e os outros sentidos? E o que constataram? Partindo deles mesmos: o corpo humano, a natureza, os ciclos naturais e a existência de uma multiplicidade (pluralidade) de seres em meio à unidade que torna possível sua harmonização e sua convivência. Observaram e constataram a montanha e a dureza de suas rochas, a chuva que caía do céu, os animais, os prédios das cidades gregas e de suas colônias, etc.  A areia fina da praia. A água que tem a capacidade de escorrer, passar do estado líquido ao sólido (gelo, neve na época do inverno) e ao vapor (quando aquecida). Existem muitos seres e fenômenos (fatos...) que ocorrem com eles. E o que eles têm em comum?
Outra constatação sensível (da visão e outros sentidos): os seres são divisíveis! Eles sofrem processos diversos de divisão: uma pedra pode ser quebrada e até esfarelada. O pão pode ser partido em pedacinhos (partículas) muitas vezes menores que ele. Os corpos vivos se dissolvem com a morte, até virarem pó! De fato, Leucipo e Demócrito observaram, muitas vezes, a decomposição de seres dos mais diversos tipos, animados e inanimados. Uma maçã pode ser cortada em pedaços cada vez menores, em minúsculas partes. Um prato de louça ou de barro, ao cair-se, quebra-se em pedaços grandes e pequeninos a espalhar-se pelo chão. E tais pedaços, se se fizer uso de um martelo, podem ser reduzidos a pó, e assim pode-se continuar a subdivisão.  Uma árvore pode ser serrada, dando origem a pedaços menores de madeira. Tais pedaços de madeira, por sua vez, podem ser serrados em pedaços ainda menores, menores e menores, tendo-se boas serras ou serrotes de diversos tamanhos. A madeira pode ser queimada, comida por cupins, o que demonstra a separabilidade, a divisão, de sua matéria em partes menores. Com outras matérias, já citados alguns exemplos, pode ocorrer o mesmo. Então, a divisibilidade da matéria pode ser constatada pela visão! Pelo tato também, quando se pode tocar matérias divididas ou realizar, com ferramentas, tal divisão. A comida é divida em pedacinhos na boca, com o auxílio dos dentes: rasgada, cortada, triturada e, por fim, engolida – minúsculas texturas podem ser sentidas pelo paladar. Todas estas coisas, com certeza, foram plenamente observadas por Leucipo, Demócrito e Epicuro. Por Anaxágoras também, pois chama as partículas homeomerias.
A reflexão racional (da razão), junto com a imaginação, levou à pergunta: até que ponto posso dividir este objeto X (p. ex.: um pedaço de madeira)? Infinitamente não é possível dividi-lo e seria um absurdo. Por quê? Por que, indo ao infinito, não se chega a lugar algum, a ponto algum. Ora a matéria existe! É fato. Então seria preciso admitir a existência de uma partícula (palavra que significa: partezinha, pedacinho) minúscula da matéria que seria indivisível: átomo é uma palavra grega que significa, justamente, indivisível, isto é, o átomo é uma partícula (um pedacinho) indivisível (que não pode ser mais dividida) de matéria. Os átomos são partículas indivisíveis. O fragmento doxográfico 4, referente a Demócrito, diz: “Os átomos não são divisíveis, e não há divisão até o ilimitado. (Aet. I, 16, 2)” E como se encaixam, formando os seres?
A Wikipédia assim comenta:
“Para Demócrito, o cosmos (o Universo e tudo o que nele existe) é formado por um turbilhão de infinitos átomos de diversos formatos que jorram ao acaso e se chocam. Com o tempo, alguns se unem por suas características (às vezes, as formas dos átomos coincidentemente se encaixam tão bem como peças de quebra-cabeça) e muitos outros se chocam sem formar nada (porque as formas não se encaixam ou se encaixam fracamente). Dessa maneira, alguns conjuntos de átomos que se aglomeram tomam consistência e formam todas as coisas que conhecemos, que depois se dissolvem no mesmo movimento turbilhonar dos átomos do qual surgiram.[9]” E continua:
“A consistência dos aglomerados de átomos que faz com que algo pareça sólido, líquido, gasoso ou anímico ("estado de espírito") seria então determinada pelo formato (figura) e arranjo dos átomos envolvidos. Desse modo, os átomos de aço possuem um formato que se assemelha a ganchos, que os prendem solidamente entre si; os átomos de água são lisos e escorregadios; os átomos de sal, como demonstra o seu gosto, são ásperos e pontudos; os átomos de ar são pequenos e pouco ligados, penetrando todos os outros materiais; e os átomos da alma e do fogo são esféricos e muito delicados.[10]” (IN: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dem%C3%B3crito)
Leucipo, Demócrito e Epicuro não tiraram a ideia do encaixe entre átomos à toa. Possibilidades: através de encaixes, dados pelas formas, alguns como ganchos (ver a última citação, antes desde parágrafo). Como assim? Partindo do que eles viam. Havia muitos prédios na Grécia e em suas colônias, bem como em outras nações. Um bloco de pedra ou um tijolo encaixa-se no outro, mantendo-se firmes os prédios construídos. Outra observação: para uma roupa ficar presa e firme no corpo, uma fivela facilita sua fixação. A amarra permite que um calçado não se solte nem se arrebente. E assim por diante, muitas maneiras de fixação (junção, encaixe) de seres podiam ser constatadas a nível macro (maior, grande). O encaixe de um tijolo no outro depende da forma, peças se encaixam segundo suas respectivas formas, a roupa que se encaixa no corpo depende das formas que foram dadas a ela, permitindo tal encaixe, etc. E a nível do muito minúsculo? Aplicando a observação, o pensamento reflexivo e a imaginação, Leucipo, Demócrito e Epicuro (Anaxágoras, com as homeomerias também) perceberam que para os átomos (as homeomerias, de Anaxágoras) formarem todos maiores só seria possível se tivessem encaixes e formas adequadas que permitissem isto, que fossem ganchos minúsculos ou formas que dispusessem de encaixes firmes. Jostein Gaarder, em O Mundo de Sofia, ao falar de Demócrito, compara os encaixes dos átomos ao brinquedo de Lego, constituído por muitas pecinhas, separadas em uma caixa, que são encaixadas por crianças, formando casas, castelos, máquinas e outros brinquedos.
Ora, os seres não se constituem num momento e se desfazem em outro. E os átomos têm peso. O fragmento doxográfico 3, referente a Demócrito, citado por Bornheim, diz: “Os átomos têm grandeza e forma, às quais Epicuro acrescenta o peso, porque os corpos, dizia ele, movem-se pela ação do peso. (Aet. I, 3, 18)” (BORNHEIM, 1998: 124.). Como assim? Por quê?
Um possível raciocínio para a conclusão acerca do peso dos átomos poderia ser: as observações sensíveis visual e tátil deixam claro que os seres têm peso; ora, se os átomos fossem destituídos de peso, não poderiam formar seres constituídos de peso. Ademais, por conta de serem indivisíveis, devem ser resistentes (duros) o suficiente para não permitirem que nada os divida. E uns átomos são mais pesados que outros: os que formam o ferro são pesados e mais rígidos que outros, ligando-se mais firmemente uns com outros (até o momento em que a ferrugem tome conta, o que leva tempo), os que formam o ar são sutis, isto é, são muito leves e separados (se fossem pesados, fariam mal ao corpo, ao entrarem nos pulmões) e transparentes, como o vidro (a Wikipédia menciona a antiguidade da fabricação do vidro, conhecido também entre os gregos, em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vidro). E o texto citado no final do parágrafo anterior dá uma dica: “(...) porque os corpos, dizia ele [Epicuro], movem-se pela ação do peso.” (BORNHEIM, op. cit., p. 124).
Que fenômenos (fatos que se manifestam, que ocorrem, na natureza e no mundo) Epicuro deve ter observado, ao longo da vida, para ter uma ideia da relação entre peso e movimento dos corpos e, também, dos átomos? Algumas possibilidades, a seguir. Numa montanha cheia de pedras, caso uma delas se solte, por conta do peso, ela se movimentará diretamente para baixo. A água demonstra ter peso ao ser posta na palma da mão e, em grande massa, escorre na forma de rios e cachoeiras. O escorrer é um tipo de movimento. Uma pedrinha, jogada para cima, volta, realizando um duplo movimento: para cima e para baixo. E uma força precisou ser aplicada a ela por conta de seu peso, pondo-a em movimento. O ar em movimento demonstra ter força, a ponto de empurrar os objetos e as pessoas, o que aponta que, sendo ele composto de átomos, estes devem ter peso tal que, juntos, são capazes de empurrar seres e até joga-los no chão. Se não tivessem peso, com certeza, não seriam capazes de fazer isto. Outro ponto: todo átomo é uma partícula. Por menor que seja, ela é matéria. Ora, uma das características essenciais das matérias observáveis é o peso: uma pedra grande tem peso, uma pedrinha tem peso, um grão de cevada, ainda que muito pequeno, tem peso. Uma medida pequena de ouro tem peso, assim como uma pepita maior. Portanto, o que dá origem a esses seres e outros, deve ter peso. Epicuro pode ter pensado assim, estabelecendo uma relação entre matéria e peso, mesmo uma particulazinha da matéria. Juntamente com o peso, o movimento!
E sobre o peso: o comércio, nas cidades gregas e em muitas outras na antiguidade, fazia uso de balanças e contrapesos para medir o peso de diversas mercadorias. No comércio, o que tem peso também tem preço, até hoje.
Ademais, pensemos um pouco: uma coisa (ser) que não tem peso seria igual a nada. E, de acordo com Epicuro, “Nada pode originar-se do nada.” (EPICURO, op. cit., p. 48). Ora, os átomos dão origem aos seres, todos dotados de peso. Mais uma evidência possível de que os átomos, sendo partículas da matéria, devem, necessariamente, ter peso. Ainda que muito pequeno, o peso de um átomo, unido ao de outros milhões e bilhões, dão um peso maior.
Juntando essas informações do dia a dia e muitas reflexões, Epicuro acrescentou o peso como característica do átomo!
O que aqui se quer mostrar é que Leucipo, Demócrito e Epicuro (Anaxágoras também, com as homeomerias) não pensaram a partir do nada: viram seres, movimentos, estudaram Heráclito ou ouviram falar dele (Heráclito falava que tudo está em movimento, em vir a ser [devir] como um rio), conheciam teorias de outros pensadores que os antecederam, conviveram com o mundo natural e o mundo social, perceberam muitos fenômenos naturais, aprenderam e discutiram muitas ideias com outras pessoas, quer fossem comuns, quer fossem devotadas aos estudos. Usaram, a partir desse amontoado de materiais que tiveram à disposição, o poder reflexivo do pensamento e uma imaginação fertilíssima.
E quantos átomos devem existir? Uma multiplicidade. Por quê? Uma possível explicação é, novamente, a pluralidade imensa de seres que existem na natureza, que têm formas e características próprias, as quais, com certeza, dependem dos encaixes e da firmeza na união certa dos átomos. Uns têm uma conexão mais firme, outros, uma mais flexível, passando pela dissolução e, com o tempo, a formação de novas ligações e novos seres, num movimento constante.
E além dos átomos, o que mais seria, então, preciso? O vazio! Os três pensadores em estudo defenderam a existência de átomos e vazio. Vazio? Sim. Como poderia ter ser imaginada, naquele tempo, alguns séculos antes de Cristo, sua existência? Partindo do concreto, alguns exemplos de vazio: a sala vazia, o quarto vazio, o copo vazio, o templo vazio quando não tem pessoas orando dentro dele (na Grécia antiga havia muitos templos), a rua vazia (as cidades gregas tinham muitas ruas), etc.  Eis o que Epicuro diz:
“Os átomos encontram-se eternamente em movimento contínuo, e uns se afastam entre si uma grande distância, outros detêm o seu impulso, quando ao se desviarem se entrelaçam com outros ou se encontram envolvidos por átomos enlaçados ao seu redor. Isso produz a natureza do vazio, que separa cada um deles dos outros, por não ter capacidade de oferecer resistência. Então a solidez própria dos átomos, por causa do choque, lança-os para trás, até que o entrelaçamento não anule os efeitos do choque. E esse processo não tem princípio, pois são eternos os átomos e o vazio.” (Epicuro de Samos, Pensamentos, p. 104. [EPICURO, 2006: 104])
Aristóteles, em sua Física, afirma claramente, ao referir-se a Demócrito:
“10 – Afirmam que o movimento se dá graças ao vazio; com efeito, segundo estes, o movimento dos corpos naturais e elementares é um movimento local; porque o movimento devido ao vazio é um transporte, como em um lugar; quanto aos outros movimentos, nenhum pertence, pensam eles, aos corpos elementares, mas somente àqueles que deles são formados; dizem que o crescimento, o perecimento e a alteração provêm da reunião e da separação dos corpos insecáveis. (Arist. Phys. VIII, 9, 265b).” (ARISTÓTELES, apud Bornheim, 1998: 125.)
Sem vazio, não há espaço para movimento: uma sala cheia de coisas não possibilita o movimento dentro dela, é difícil caminhar numa rua cheia de gente, gente fica de fora se o templo estiver cheio, se o copo estiver cheio, não é possível acrescentar líquido nele sem que derrame, e assim por diante. E o fragmento doxográfico 2 referente a Demócrito, citado por Bornheim, diz: “Os princípios são o cheio e o vazio.” (BORNHEIM, 1998: 124.) É possível caminhar numa floresta porque entre as árvores há espaços vazios, que permitem passar por entre as árvores. Numa praia manifesta-se espaço vazio onde pessoas podem sentar-se, crianças podem brincar, preparar-se para o nado, montar uma barraca. Estas percepções de espaços vazios que podem ser preenchidos eram captadas por Leucipo, Demócrito e Epicuro, como são hoje. Então o vazio é um fato, junto com a matéria que o preenche, matéria esta feita de átomos. E a nível atômico? Para que os átomos se movam ou formem seres separados uns dos outros no espaço é preciso que haja o vazio! O vazio é, portanto, fundamental. É claro, o vazio de que falam Leucipo, Demócrito e Epicuro vai além do vazio da sala e do copo. Usando a observação, a razão e a imaginação, perceberam a necessidade do um profundo vazio, talvez o vácuo, outra palavra para vazio. (Por exemplo: ao tirar o ar de uma garrafa tem-se, dentro dela, o vácuo.) E ambos, os átomos e o vazio, de acordo com Epicuro, são eternos. Sendo eternos, pode-se concluir que não foram criados.
Entre os gregos antigos não havia ideia de um Deus único e criador de todas as coisas. Ela aparecerá com o judaísmo e o cristianismo. No caso de Epicuro, a eternidade dos átomos e do vazio reforçava, com certeza, sua crença de que as pessoas não deveriam se preocupar com o que fazem os deuses e as deusas.
Antes de Leucipo, Demócrito e Epicuro, além de outros filósofos da antiguidade, dois pensadores pré-socráticos (que antecederam Sócrates), por volta dos séculos seis e cinco antes de Cristo, haviam tratado do movimento: Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia, cidades que eram colônias gregas. Heráclito defendeu a existência efetiva do DEVIR (VIR A SER), do movimento, da transformação, presente permanentemente na natureza (physis, em grego), como um rio, no qual não se pode banhar de forma igual duas vezes. Parmênides de Eleia, por sua vez, contestou o movimento como constituinte do mundo natural. Para Parmênides, o movimento é ilusão, segundo um caminho que não deve ser seguido. O ser é eterno e permanente, imutável. Zenão de Eleia, discípulo de Parmênides, seguiu, com argumentos, o pensamento de seu mestre. O pensamento de Heráclito e Parmênides perpassou reflexões de filósofos que os seguiram, como Leucipo e Demócrito, até Epicuro, porém, nestes, houve a defesa do movimento e da eternidade do ser. Como assim? Os átomos são eternos, aproximando-se do que defendia Parmênides a respeito do ser, e estão em movimento contínuo, compondo e recompondo seres os mais diversos, permanentemente, aproximando-se do pensamento de Heráclito. (Platão, no século 4 a.C., adequou o pensamento de ambos, ao falar do mundo sensível [Heráclito] e do mundo das Ideias ou Inteligível [Parmênides]).
E Aristóteles, na Metafísica, afirma sobre a crença de Leucipo a respeito do movimento:
“2 – Alguns filósofos, como Leucipo e Platão, afirmam uma ação eterna, pois dizem que o movimento é eterno. Mas por que e o que é este movimento, não dizem, como não dizem a causa por que se move neste ou naquele sentido. (Arist., Metaph. XII, 6 1071b).” (In: BORNHEIM, op. cit., p. 104.)
E, na Física, Aristóteles dirá:
“10 – Afirmam que o movimento se dá graças ao vazio; com efeito, segundo estes, o movimento dos corpos naturais e elementares é um movimento local; porque o movimento devido ao vazio é um transporte, como em um lugar; quanto aos outros movimentos, nenhum pertence, pensam eles, aos corpos elementares, mas somente àqueles que deles são formados; dizem que o crescimento, o perecimento e a alteração provêm da reunião e separação dos corpos insecáveis. (Arist. Phys. VIII, 9, 265b).” (Idem, p.125.)
Assim como Heráclito, Leucipo, Demócrito e Epicuro perceberam, em tudo que podiam observar, o movimento, entendido como deslocamento, dissolução (corpos que se dissolvem, que se corroem ou são corroídos, etc.), reação (como o calor do fogo que faz a água reagir e borbulhar; o queimar da madeira pelo fogo), borbulhar (ex.: de água quente), etc. Observaram: o movimento dos astros nos céus (ex.: Sol, Lua, estrelas, planetas...), a queima de madeira (lenha), de galhos, com o consequente formar de carvão; o crepitar da chama de fogo, capaz de produzir fogo e luz; o ressecamento das folhas que caem no chão, por conta do calor e do apodrecimento, e uma imensidão de outros fenômenos que envolvem diferentes tipos de movimento(s). Observaram “o crescimento, o perecimento e a alteração” provenientes “da reunião e da separação dos corpos insecáveis” (ver a citação acima). Observaram o rio que corre (imagem usada por Heráclito para falar do devir, vir-a-ser, movimento). E “o movimento se dá graças ao vazio” (Ibidem, p. 125). Onde tudo está cheio não cabe espaço, nem é possível o movimento. O vazio oferece espaço de passagem para os corpos e os seres, para os átomos! Possibilita também a dissolução, o borbulhar, entre outros tantos fenômenos que envolvem o movimento.
Para concluir: o que se desejou, neste texto, foi ajudar na reflexão de professores(as) e estudantes de ensino médio e fundamental, além de outras pessoas interessadas no conhecimento dos três pensadores atomistas estudados (Leucipo, Demócrito e Epicuro), sobre como eles podem ter conseguido chegar à conclusão da existência dos átomos e de características deles e do vazio, tendo como ponto de partida a realidade em que viveram. De fato, a sociedade grega e outras (Epicuro viveu num tempo em que Roma já ia se expandindo) tinham conhecimento de matemática, de medidas, de peso (o comércio, constantemente fazia uso dele e ou faz até hoje), de espaços vazios e cheios, etc. Tinham conhecimentos técnicos de engenharia civil, de ferramentas (facas de diversos tamanhos e tipos, serras, pesos para balanças, barras de medidas, prumo, etc. etc.), inclusive máquinas complexas como a Máquina de Anticítera (entre 70 e 50 a.C.), encaixes de peças, entre outros elementos que podem ter ajudado muito na reflexão daqueles pensadores da antiguidade, que viveram há mais de dois mil e cem anos atrás. Em sala de aula, a pergunta Como teria sido descoberto e compreendido o átomo por Leucipo, Demócrito e Epicuro? pode surgir e até mesmo a professora e o professor de Filosofia a podem colocar, seja na forma de discussão, seja na forma de trabalho em grupos, ou  trabalho-discussão, a fim de despertar a curiosidade e a reflexão filosóficas!
O texto aqui apresentado contém apenas algumas reflexões, muito incompletas, que podem ser enriquecidas em sala de aula e em pesquisas fora desta, tanto por professoras, professores, quanto por estudantes e pessoas interessadas, curiosas por entender as ideias daqueles filósofos. O diálogo interdisciplinar com a Química, a Física e a História pode ser extremamente enriquecedor para todo mundo. Na verdade, este estudo faz uma mescla, chegando à beira da confusão. É interessante estudar separadamente os três. Além deles, os discípulos de Epicuro, como Diógenes de Enoanda. E não podemos nos esquecer de Anaxágoras!
Os textos desses filósofos são maiores e muito mais ricos, apresentando coisas interessantíssimas que podem ser discutidas sobre os átomos e outros temas. Vale a pena estuda-los e comenta-los, discuti-los, buscar entender os raciocínios possíveis que levaram à criação deles. Fazem parte da história da filosofia e das ciências!
Uma sugestão: pesquisa, por professoras, professores e estudantes, sobre os átomos nos últimos séculos e as descobertas a respeito deles. Comparar com os filósofos estudados. Essa ponte entre o presente e o passado pode ser enriquecedora do aprendizado estudantil.
Uma curiosidade. Um dos textos doxográficos diz: “Os átomos têm grandeza e forma, às quais Epicuro acrescenta o peso, porque os corpos, dizia ele, movem-se pela ação do peso. (Aet. I, 3, 18)” (BORNHEIM, 1998: 124.) (grifos meus). A ciência contemporânea (dos últimos séculos), expõe, na tabela periódica dos elementos químicos, algumas características dos átomos: massa atômica, número atômico, além de outras características. É claro que Leucipo, Demócrito e Epicuro não chegaram à exposição seriada, sequenciada, dos átomos, como o fizeram Dimitri Mendeleev e outros cientistas da contemporaneidade (séculos 19 e 20). Porém, é impressionante ver como, ao proporem a existência de átomos, ao estuda-los, aqueles filósofos da antiguidade buscaram interpretar a composição atômica e suas características, partindo dos instrumentos, observações, da razão e da imaginação que tinham, acreditando existir, em cada átomo, grandeza (medida), forma (estrutura) e peso (ainda que pequeníssimo, por conta do tamanho atômico e do fato de cada átomo ser matéria). Incrível. Não se pode, hoje, achar, porém, que o pensamento de Demócrito, Epicuro e Leucipo se equipara ao de cientistas (físicos e químicos, principalmente) de hoje. Porém, o que descobriram constitui-se, sem dúvida, numa forma rica e racional de pensamento, que ia muito além do que era ensinado pelos antigos mitos gregos e de outros povos. Bom diálogo interdisciplinar pode ser realizado entre a Filosofia e a Química!
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO:
BBC BRASIL. O primeiro computador da história? Conheça o objeto mais misterioso da história da tecnologia. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/geral-36639213. Acesso em: 10 de dezembro de 2016.
BORNHEIM, Gerd A. Os Filósofos Pré-Socráticos. 14.ed. São Paulo, Cultrix, 1998.
EPICURO. Pensamentos. (Textos selecionados.) Trad. Johannes Mewaldt e outros. São Paulo, Martin Claret, 2006. (A Obra-Prima de Cada Autor, 211)
GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia: Romance da história da filosofia. (Sofies verden) Trad. João Azenha Jr. São Paulo, Companhia das Letras, 1995. [Há nova edição deste livro.]
GALLO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento. São Paulo, Scipione, 2014.
HELFERICH, Christoph. História da Filosofia. (Geschichte der Philosophie) Trad. Luiz Sérgio Repa e outros. São Paulo, Martins Fontes, 2006.
MORAES, João Quartim de. Epicuro: as luzes da ética. São Paulo, Moderna, 1998. (Coleção Logos)
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